Série de entrevistas: Meninas protagonistas — #3 Letícia Catellan, Youth@IGF

Raphaele Godinho
Resgatando e Valorizando a Mulher
7 min readAug 2, 2018

Protagonismo e destaque, são palavras masculinas que durante um grande período da história nem em sonho iriam fazer referência às mulheres. Quando olhamos para o passado de nossa sociedade dificilmente vemos mulheres que de fato puderam brilhar como deveriam. Em diversas áreas de atuação a participação feminina era considerada até mesmo ilegal, podemos tomar como exemplo a participação em esportes: a prática de futebol, beisebol e todos os tipos de luta era proibida para mulheres — tal legislação vigorava no governo Vargas, na constituição de 1945.

Quando a pauta é política, a situação piora. Somente em 1932 as mulheres brasileiras puderam atuar legalmente como eleitoras, e no mesmo ano ganharam o direito de se eleger. Desde então, muitas brasileiras puderam atuar politicamente, porém, ao analisarmos essa participação — que representa 51% do povo — podemos notar que ela não é efetiva: os congressos, assembleias e parlamentos ainda estão cheios de homens.

O parlamento brasileiro, em 2016. Cadê as mina?

Atualmente, de acordo com a EBC o número de mulheres na política brasileira ocupa o 115° lugar no ranking mundial de presença feminina no parlamento. Isso nos mostra o quanto estamos falhando quando a questão é representatividade política.

A primeira presidente que o mundo conheceu foi Khertek Anchimaa-Toka, em 1940 na República de Tuva. A primeira parlamentar negra do Brasil, Antonieta de Barros, em 1935. A primeira mulher a usar a tribuna da sede das Nações Unidas em Nova Iorque para a abertura da Assembleia Geral foi Dilma Roussef, em 2011. Vale lembrar que desde muito tempo, essas posições já eram exercidas tradicionalmente por homens.

Temos um histórico onde meninas são o papel de parede. As donas de casa. As primeiras damas. As mulheres que estão “por trás dos grandes homens”. Por essa razão precisamos motivar meninas a serem protagonistas!

A mudança é lenta, mas acontece. Exemplo disso vimos na última edição do programa Parlamento Jovem Brasileiro 2017, onde a maioria das deputadas juvenis eram meninas.

O grupo de 2017 do Parlamento Jovem Brasileiro*

*Saiba mais sobre o PJB: http://www2.camara.leg.br/a-camara/programas-institucionais/educacao-para-a-cidadania/parlamentojovem

Outro exemplo dessa mudança tem nome e sobrenome: Letícia Catellan, a menina de uma cidadezinha do Mato Grosso do Sul que foi parar no Palácio das Nações Unidas, em Genebra!

Letícia é a embaixadora jovem do Dia da Internet Segura

Entrevistei a Letícia que é uma protagonista atuante em diversos programas! Vem ler a conversa e inspire-se com ela.

-Qual é sua história como protagonista juvenil?

Leticia: Minha história como protagonista juvenil é muito, muito longa (risos).
Começou tímida com a participação em um projeto na orientação da escola onde eu estudava durante o 7° ano — eu devia ter uns 13 anos -, onde eu participava de encontros na Secretaria Municipal de Educação junto com a orientadora, representando minha turma. De certo modo, foi essa pequena participação que me despertou a vontade de participar mais.
Depois, no segundo ano do Ensino Médio, eu me candidatei ao Parlamento Jovem Estadual e fui eleita representante da minha escola, e criava sugestões de projetos de leis estaduais para, uma vez por mês, apresentar na sessão ordinária na Assembleia Legislativa. Foi realmente uma experiência similar ao cotidiano dos deputados estaduais, e o objetivo do programa era exatamente nos proporcionar essa experiência. Contudo, o verdadeiro divisor de águas na minha vida foi o Parlamento Juvenil do Mercosul. Eu fui aprendendo a deixar de ser tímida, a me comunicar melhor, a me engajar e ampliar meu horizonte quanto as perspectivas de Direitos Humanos. Eu participei de vários encontros pelo PJM; e consegui realizar um Fórum Estadual com apoio da Secretaria Estadual de Educação, para identificar quais as perspectivas dos jovens de Mato Grosso do Sul quanto ao Ensino Médio que queríamos. Após o fim do meu mandato no PJM eu me engajei com o Empoderamento de Meninas, que começou com um evento no qual fui representando o IIDAC* e, a partir dele, eu defini minha atuação sempre na tentativa de promover igualdade entre os gêneros e efetivamente o empoderamento de meninas e mulheres. Mais recentemente, eu ganhei uma bolsa para participar do Youth@IGF em Genebra, Suíça; evento no qual eu pude conhecer várias personalidades ligadas à criação e desenvolvimento da Internet, pude me conectar com pessoas de diversos países e descobrir quais os problemas em comum que possuíamos no que dizia respeito a Governança da Internet e também conhecer projetos excelentes aplicados em outros países que poderiam ser aplicados aqui. Mesmo na perspectiva de Governança na Internet, eu foquei nos temas que envolviam gênero e empoderamento de meninas; tendo em vista que essa é a minha maior área de trabalho. Atualmente eu sou Embaixadora Jovem do Dia da Internet Segura 2018 (Youth@SIDBR) e elaboro ações de sensibilização de jovens sobre segurança na Internet em vários aspectos.

*Saiba mais sobre o IIDAC: https://www.iidac.org/

Letícia e o embaixador Benedicto Fonseca Filho, diretor do Departamento de Temas Científicos e Tecnológicos do Ministério das Relações Exteriores; o primeiro diplomata negro do Brasil

-O que a levou até a ONU na Suíça?
Letícia: O que me levou à ONU na Suíça foi o meu engajamento quanto aos temas de Governança da Internet e experiências de participação anteriores. Me motivei a me inscrever para o processo de seleção do Youth@IGF 2017 e foram duas semanas de intensa discussão sobre os mais diversos temas para que enfim fosse feita a seleção dos participantes para o evento.

-Qual foi sua atuação neste evento?
Letícia: Minha atuação no IGF foi principalmente voltada aos workshops de gênero; entendendo os problemas enfrentados por mulheres na rede (a internacionalidade desses problemas), dando sugestões sobre soluções, estabelecendo contatos com projetos que conheci sobre empoderamento de mulheres no setor das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) e com pessoas interessadas nas mesmas questões de gênero. Eu elaborei um relatório de informações sobre as principais dificuldades levantadas no evento sobre o empoderamento de mulheres na rede, e ainda irei divulgar os resultados.

*Saiba mais sobre o Dia da Internet Segura: http://www.safernet.org.br/site/sid2018/hub

-Qual foi a sensação de representar o Brasil e as meninas brasileiras em um evento tão grande?

Letícia: A sensação foi indescritível, é claro! O protagonismo sempre traz esse efeito, e conhecer o Palácio das Nações foi uma experiência única. Não havia prazer maior que estar em cada sala trocando conhecimentos e participando da melhor forma possível. Dos workshops que participei, creio que a sessão principal sobre gênero foi a mais incrível de todas; pois a grandiosidade do tema e do evento tornou-se ainda mais perceptível. Acima de tudo; conhecer a sala onde as decisões mais importantes do mundo são tomadas, onde são julgados as maiores ofensas aos Direitos Humanos foi sensacional. Um lugar tão belo, dedicado as discussões de temas por vezes tão tristes.

-Como você acha que os organismos governamentais podem motivar o protagonismo juvenil de meninas?

Letícia: Muito se discutiu durante o próprio evento sobre maneiras de se incentivar a participação juvenil (de modo geral) em eventos como esses. Acredito que a existência de programas como o PJM são essenciais para incentivar o protagonismo. Especialmente no que diz respeito a meninas; o incentivo à participação e a seleção de participantes com parâmetros de equidade para garantir a representação feminina é muito importante. Programas voltados apenas ao incentivo da participação feminina (como o empoderamento de meninas) também são essenciais. É preciso relembrar que os efeitos desses programas não são apenas para os protagonistas que participam deles; uma vez que estes tem a função de estender seus conhecimentos e aprendizados à sua esfera local. Empoderar meninas é algo que deve ser feito a todo momento, em qualquer oportunidade.
Por parte das organizações governamentais, aumentar os recursos para tais projetos e o apoio aos participantes no nível local; bem como ampliar a divulgação sobre a existência de tais programas seria um passo a ser dado.

-Levando em consideração o problema atual (e histórico) do cenário de baixa representatividade feminina na política e parlamentos, qual você acha que é o melhor caminho a ser seguido para motivar meninas a ingressarem na carreira política?

Letícia: A imagem da política no Brasil tem afastado todos de modo geral. O que as pessoas precisam entender é que se engajar na política talvez seja exatamente o que o Brasil precisa para melhorar sua imagem; no sentido de trocar os representantes do país.
A escassez de representatividade feminina na política nada mais é que reflexo da perspectiva machista que a sociedade ainda tem de que política não é coisa de mulher. Aqui no meu Estado, por exemplo, a cota de mulheres na política é preenchida apenas com pessoas despreparadas, intencionando justamente só completar tal número. Mesmo quando elas vencem a eleição, deixam que os homens assumam o poder nos bastidores. É preciso superar essa visão. É preciso entender que a política é lugar de mulher SIM (e onde mais ela quiser estar). Garantir que as mulheres tenham vez e voz para participar não é algo fácil, mas é certamente possível. Para motivar meninas a entrar nessa carreira seria preciso sensibilizá-las sobre a importância da representatividade feminina na política e empoderá-las a se sentirem capazes de serem protagonistas por si só.

-O que você diria para meninas que querem seguir carreiras políticas/internacionalistas? Quais oportunidades elas devem buscar?

Letícia: Eu diria para que não desistissem! Precisamos de representatividade feminina nessas áreas (e muito!). Elas devem se engajar em qualquer projeto que tiverem a oportunidade, e terem muita persistência quanto à participação e reconhecimento. Existem muitas barreiras a serem quebradas; e em nenhuma delas o cadeado foi soldado.

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