Série de entrevistas: Meninas Protagonistas — #4 Bruna Lopes — Parlamento Jovem Brasileiro, Yale Young Global Scholars

Raphaele Godinho
Resgatando e Valorizando a Mulher
9 min readAug 2, 2018

Como os leitores do blog “Resgatando e Valorizando a Mulher” já estão cansados de saber, a presença feminina é extremamente escassa em alguns ambientes. Duas áreas de atuação que muito raramente possuem representação feminina são, não surpreendentemente, a política e a ciência. Por mais chocante que pareça, durante muito tempo a presença de mulheres nesses espaços era proibida legalmente. Hoje, por conta da herança machista que tais setores ainda carregam consigo, as mulheres continuam fora tanto da política quanto da ciência. Claro que é necessário ressaltar que, quando digo “as mulheres estão fora destes espaços”, nos referimos a baixa representatividade, e não a nula representatividade.

Exemplos da falta da presença feminina, por exemplo, na política são mostrados pelos seguintes dados, divulgados em 2015 pela “Women in National Parliament” e expostos no livreto “+ Mulheres na Política”, publicado pelo Senado Federal, Câmara dos Deputados e Procuradoria Especial da Mulher:

-”A participação das mulheres nos Parlamentos Unicamerais ou em suas Câmaras Baixas no Mundo”. Dentre 188 países no ranking, o Brasil ocupa 158ª posição.

-”A participação feminina nos Parlamentos das Américas”. Dentre 32 países no ranking, o Brasil ocupa 29ª posição.

-”A participação feminina nos Parlamentos da América do Sul”. O Brasil está em ÚLTIMO LUGAR.

*Baixe o livreto “+ Mulheres na Política” aqui: https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/2a-edicao-do-livreto-mais-mulheres-na-politica

Sobre a falta de mulheres no campo científico, a iniciativa Meninas Olímpicas fez um infográfico maravilhoso, que além de expressar dados, mostra os motivos pelos quais tais dados existem:

*Saiba mais sobre o Meninas Olímpicas: https://pt-br.facebook.com/meninas.olimpicas/

Quando nós, mulheres, tentamos nos inserir em espaços com dominação masculina, o medo, o machismo, a misoginia e o assédio, são constantes. Tais fatores, geralmente, fazem com que muitas mulheres desistam de suas carreiras e, por essa razão, quando uma menina decide bater de frente com situações machistas e dominar, ao mesmo tempo, a ciência e a política, ela merece ser resgatada e valorizada!

O papo de hoje é com a protagonista Bruna Lopes, estudante da ETEC de Jaraguá, deputada jovem brasileira 2017, gremista e olímpica!

-Qual é a sua história como protagonista juvenil dentro da ETEC?

Bruna: O sentimento de poder ser uma protagonista juvenil começou assim que entrei na ETEC, após passar no Vestibulinho. Ser admitida na instituição após um teste de conhecimentos foi algo que me motivou, pois senti que era capaz de fazer outras coisas e ir além do que a minha antiga escola, que também era pública, poderia proporcionar. Porém, foi a partir de uma condecoração como Aluna Destaque que fiquei motivada num nível que me fez acreditar ser possível conquistar tudo o que eu quisesse. Mesmo assim, no começo do segundo ano letivo, ainda não tinha entendido por completo a importância que a participação em projetos extracurriculares poderia ter na minha vida.

Baseado no incentivo do meu professor de História e Filosofia, consegui pensar além do que me era convencional. Após participar do Parlamento Jovem Brasileiro e conhecer diversos programas diferentes que tinham como objetivo, de fato, a elevação do protagonismo nas ações dos jovens, parei de pensar apenas na bolha que envolvia minha escola. Comecei a questionar tudo o que acontecia na minha comunidade, tendo o desejo de levar todo o conhecimento adquirido com a experiência em Brasília para meus colegas de classe. Posso afirmar que a simulação parlamentar não durou apenas 5 dias, ela continua acontecendo, mesmo que não em seu significado concreto. O mandato dura um ano, mas serei sempre uma deputada federal jovem, com uma visão mais cidadã e humanizada. Trazendo uma visão de mundo maior, a participação nas aulas e nos debates, levantando questões diferenciadas originários de um senso crítico, foi enriquecida. Dessa forma, os estudantes da minha classe entenderam que a experiência pôde transformar meu pensamento, além de compreenderem que, se a pessoa que convive com eles todos os dias conseguiu algo que parece ser tão distante, também é possível que isso aconteça com o restante da sala.

Ainda, notei que há mais motivação nos alunos da ETEC, que agora entendem que existem oportunidades e chances para todos. Participo atualmente do Grêmio Estudantil, com projetos que buscam a inserção de todos os alunos nas Olimpíadas Científicas e nos programas oferecidos pelas mais variadas instituições. Dessa maneira, a experiência extracurricular não refletirá somente nas minhas atitudes, mas também impactará a vida de outros jovens que, devido o sistema educacional atual, precisam de inspirações. Nada melhor, portanto, se inspirarem em alguém tão próximo a eles.

“Comecei a questionar tudo o que acontecia na minha comunidade, tendo o desejo de levar todo o conhecimento adquirido com a experiência em Brasília para meus colegas de classe”.

- Qual seu histórico com Olimpíadas e demais projetos extracurriculares?

Bruna: Durante todo o meu ensino fundamental, só tive conhecimento de uma olimpíada: a OBMEP. Tal fato pode ser explicado pela ausência de divulgação e preparação para as demais olimpíadas científicas vista, majoritariamente, nas escolas públicas, já que não enxergam a importância da participação em projetos diferenciados. Infelizmente, essa falta de engajamento reflete diretamente nas atitudes do aluno, que passa a ser menos protagonista de sua própria vida.

*Saiba mais sobre a OBMEP: http://www.obmep.org.br/

Depois do PJB, entendi a importância que as olimpíadas e outros projetos extracurriculares têm na formação cidadã e acadêmica do jovem. A partir dessa reflexão, parei de achar que não tinha capacidade intelectual em matérias que envolvem exatas e, com essa desmistificação de paradigmas, passei nas primeiras fases de duas olimpíadas: a regional de Química e a Olimpíada Brasileira do Saber.

*Saiba mais sobre a Olimpíada Regional de Química: https://ceiq4.webnode.com/

**Saiba mais sobre a Olimpíada Brasileira do Saber: http://obssaberes.org/

No que diz respeito aos projetos extracurriculares, sempre busquei fazer cursos gratuitos que pudessem, de alguma forma, aumentar meu grau de conhecimento. O curso de inglês foi um dos motores principais para a minha admissão no programa Yale Young Global Scholars Program, oferecido pela Yale University. Sem a dominação do idioma, não teria conseguido, de nenhuma forma, desenvolver minha aplicação.

*Saiba mais sobre o Yale Young Global Scholars Program: https://globalscholars.yale.edu/

É de tamanha relevância as formações acadêmicas já que, segundo o que é disseminado, quem não as possui está um degrau abaixo dos outros. Tal afirmação é verdadeira, ainda que totalmente segregacionista. Levemos pelo meu próprio exemplo que, se tivesse permanecido na escola de estrutura educacional inferior, não chegaria nem a sonhar nas oportunidades que pude ter.

“Parei de achar que não tinha capacidade intelectual em matérias que envolvem exatas e, com essa desmistificação de paradigmas, passei nas primeiras fases de duas olimpíadas”.

-Você acha importante a participação, principalmente de meninas, nessas atividades?

Bruna: O reconhecimento de feitos por meio de medalhas ou condecorações tem uma importância enorme na maneira com que as meninas verão o mundo. Sendo constantemente taxadas como burras e impossibilitadas de exercer papéis de liderança, a participação em programas que exaltam a figura da mulher na sociedade, além de olimpíadas de conhecimento, que têm o poder de transformar mentalidades, é mais do que essencial para a diminuição das hierarquias motivada pelo gênero. As meninas, quando engajadas em ambientes que, na prática, são preenchidos pela imagem masculina, conseguem entender que não existem limitações e nem estereótipos que as definam. Eu, ao lado de outras mulheres fortes, vindas de todos os cantos do Brasil, com diferentes culturas e vivências, pude perceber a relevância que a representatividade feminina tem no modo de pensar e agir. Esse empoderamento deve atingir não apenas uma parcela restrita de jovens, sendo, portanto, necessária a disseminação de projetos expressivos, como é o caso do Resgatando e Valorizando a Mulher, que ajuda a tornar um mundo mais justo para as meninas.

-Você acha que as escolas públicas atualmente não fornecem oportunidades para que meninas (e jovens, de modo geral) construam carreiras científicas?

Bruna: É mais do que visível a falta de investimentos, no Brasil, nas múltiplas áreas da ciência. É triste ver as escolas públicas sendo sucateadas e deixadas à mercê do descaso governamental. Nesse cenário, não há espaço para a construção de carreiras científicas, sem que haja um esforço e dedicação muito maior por parte dos estudantes carentes. Não há como comparar as oportunidades que são oferecidas nas escolas privadas com as públicas. Mesmo que tenha o incentivo, não há estrutura e amparo necessário para o desenvolvimento, como é visto nos locais de maior concentração econômica. Assim, tendo consciência das barreiras que os jovens têm na formação científica, é mais do que explícito que existem ainda mais obstáculos para as meninas.Estas necessitam provar constantemente que estão aptas às funções, já que, pela visão patriarcal, a existência de um órgão genital feminino as impossibilita intelectualmente de desenvolverem uma pesquisa científica, ou ainda, trabalharem como líderes nos diversos âmbitos.

“Não há como comparar as oportunidades que são oferecidas nas escolas privadas com as públicas”.

-Como foi sua participação no PJB2017?

Bruna: A experiência parlamentar na Câmara dos Deputados foi mais do que enriquecedora, ela moldou meu pensamento e, por conseguinte, minhas ações perante o mundo. Passar 5 dias ouvindo diversos sotaques, conhecendo realidades completamente distintas umas das outras e podendo observar de perto o epicentro da democracia representativa no Brasil, exerceram grandes influências nas minhas atitudes posteriores. Ter a oportunidade de defender um projeto que era completamente meu, poder levantar minhas opiniões, de modo a ouvir as de outras pessoas, ser elogiada pela minha criação e, ainda, entender o processo legislativo e suas ramificações me fizeram pensar: como eu, estudante de escola pública, moradora de um comunidade sem recursos e investimentos, consegui chegar tão longe, ao cabo de poder realizar refeições ao lado de deputados e sentar nas mesmas cadeiras onde importantes figuras nacionais definem o andamento do país? O Parlamento Jovem Brasileiro, com toda certeza, é um programa que define muito a vida de quem participa. Pude quebrar paradigmas, sair do óbvio e pensar criticamente ao decorrer da semana inteira. Ver que a juventude atual é tão engajada, ainda que restrita, levantou um olhar mais democrático e sensibilizado para o mundo. Ser representada por uma menina na presidência da mesa diretora, ouvir discursos feministas empoderadores pelas presidentes das comissões e estar ao lado de gente que apoia a causa, proporcionou uma atmosfera de luta e resistência, ambiente este que, infelizmente, não é o predominante.

“Ser representada por uma menina na presidência da mesa diretora, ouvir discursos feministas empoderadores pelas presidentes das comissões e estar ao lado de gente que apoia a causa, proporcionou uma atmosfera de luta e resistência”.

Meu projeto de lei é voltado à área de educação, consistindo na diminuição dos índices de analfabetos funcionais no Brasil. É entendido que o lugar onde ocorre a principal formação educacional se encontra na educação básica, ou seja, nos ensinos fundamental I e II, então, as propostas são voltadas a essas áreas do aprendizado. Não há nada mais triste do que se sentir inapto a resolver um problema de matemática ou interpretar um texto, por não possuir um sentido aguçado para tal. A escola nos ensina, basicamente, a usar algoritmos e estruturas pré-estabelecidas para a solução das mais variadas questões. Entretanto, nada disso é posto em prática, fazendo com que o conhecimento não se expanda e, consequentemente, seja esquecido e mal desenvolvido. Dessa forma, as medidas de solução para o problema são baseadas em formas diferenciadas para a absorção de conhecimento e sua posterior aplicação, que formarão um aluno capaz de buscar resoluções, além das convencionais.

-Quais são suas expectativas para o YYGS 2018?

Bruna: Toda vez que eu leio a sigla “YYGS” meu coração começa a bater mais forte. Não há palavras que definam quão ansiosa estou para essa experiência que, provavelmente, marcará a minha vida inteira. Apesar de estar receosa quanto ao uso da língua inglesa, acredito que o significado de ir para um outro país e estudar por 2 semanas em uma das melhores universidades do mundo consegue combater qualquer preocupação. Ser admitida no YYGS foi, com toda certeza, uma consequência do PJB. Primeiramente, só pude conhecer o programa graças aos meus amigos, que contaram ser essa uma grande oportunidade para os estudantes do mundo todo. Já, de início, sabia que não conseguiria pela grande concorrência e por não acreditar que meus feitos demonstrariam algum interesse para a universidade. Dessa forma, após ser aceita, vejo que a redação que escrevi sobre o Parlamento Jovem e as consequências advindas da simulação, foram fatores primordiais para a aprovação, reforçando, mais uma vez, a enorme importância que o engajamento e a inspiração têm no processo de protagonismo juvenil.

Espero que a história da Bruna motive muitos jovens pelo nosso Brasil! Parabéns, garota! ❤

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