Uma nota sobre Carlos Marighella

O comum no dossiê da Veja e as notícias da Folha de SP e do Correio da manhã sobre seu assassinato

Matheus Carvalho
Resista!
4 min readNov 6, 2020

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A manchete do dia 05 de novembro no jornal carioca Correio da Manhã anuncia: Marighella morto em São Paulo. A reportagem narra o suposto conflito entre o guerrilheiro e os policiais que participaram da operação na Alameda Casa Branca, do qual saíram mortos além do alvo da operação, uma investigadora da polícia, um civil e deixou o delegado ferido. A operação Bandeirantes, comandada pelo Delegado Sérgio Fleury, famoso líder do esquadrão da morte relata, de acordo com o noticiado no jornal Folha de São Paulo, como se deu a emboscada:

Marighella recebeu ordem de prisão, mas correu para o carro, ‘momento em que fez menção de sacar, de dentro de uma pasta, dois revólveres que estavam nela’. O guerrilheiro foi alvo de uma rajada de metralhadora e morreu, ‘caindo morto dentro do carro’. (Folha de SP, n. 14,752)

Primeira página da edição n. 14, 752 da Folha de São Paulo. Foto: Reprodução. Fonte: Arquivo Folha

Essa versão, difundida pelo DOPS na sequência do assassinato, permaneceu por muito como a versão real do ocorrido. O terrorista reage aos policiais e não resta outra alternativa senão alvejá-lo. Entretanto, o dossiê da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, do Ministério da Justiça, de 1996 demonstrou a partir da avaliação do laudo cadavérico de Marighella, que ele foi morto com tiros a queima roupa, contestando a versão da ditadura, divulgada pelos veículos de imprensa.

O chamado inimigo nº 1 do Brasil, foi caçado por mais de um ano, quando foi capa da veja em 20 de novembro de 1968, no melhor estilo forasteiro de filme de velho oeste.

A Veja, em dossiê, diz que a última vez que foi visto na praia de Copacabana, Marighella, que todos os dias tomava banho ali, sempre acompanhado de um copo de batida, dizia que a seleção brasileira estava fraquinha naquele ano. Com mais de 2 mil policiais à sua caça Marighella seria então assassinado em São Paulo. O curioso no dossiê da revista Veja é que é traçado um perfil do “vilão” em tom claramente racista e carregado de ironia ao enfatizar que em sua visita a Havana esteve hospedado em quarto de luxo, além de uma vida amorosa agitada e assaltos a bancos que somavam mais de 1 milhão de cruzeiros novos.

Foto: Reprodução. Fonte: Acervo Veja

Dessas três fontes, se extrai a vitória pública contra um inimigo. O que é curioso é notar como ainda nos dias de hoje diversas dessas narrativas sobre Carlos Marighella ainda vem à tona. Ao completar 51 anos de sua morte no último dia 04 de novembro, a memória de Marighella permanece viva e em disputa. Seu biógrafo, Mário Magalhães afirma que aqueles que ousam dizer que o ex-deputado tinha como prática de guerrilha a tortura, rebaixa-se ao ponto em que os órgãos de perseguição da ditadura não ousaram, e completa dizendo que prefere não julgar a decisão pela luta armada, mas que nunca se deve equiparar torturado e torturador. Como versado por Caetano Veloso:

O baiano morreu
Eu estava no exílio
E mandei um recado:
“eu que tinha morrido”
E que ele estava vivo

Mas ninguém entendia

O guerrilheiro que incendiou o mundo continua vivo.

REFERÊNCIAS

CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, 05 nov. 1969. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_07/105313?pesq=Marighella. Acesso em: 06 nov. 2020.

FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 05 nov. 1969. Disponível em: https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=3468&anchor=5172343&origem=busca&originURL=&pd=6692a95e392db7f1b91244fe71b89e56. Acesso em: 06 nov. 2020.

FOLHA DE SÃO PAULO (São Paulo). 1969: Carlos Marighella, líder da ALN, é morto em São Paulo pela Operação Bandeirante. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/banco-de-dados/2019/11/1969-carlos-marighella-lider-da-aln-e-morto-em-sao-paulo-pela-operacao-bandeirante.shtml?origin=folha#. Acesso em: 06 nov. 2020.

VEJA. São Paulo: Abril, 20 nov. 1968. Semanal. Disponível em: https://veja.abril.com.br/acervo/#/edition/34545?page=1§ion=1. Acesso em: 06 nov. 2020.

016 Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo. Entrevistado: Mário Magalhães. Entrevistador: Icles Rodrigues. [S.I.], dez. de 2019. Podcast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/2T11j1tmMPbOxeetsw1jiW?si=CNU4PL-AS3GqmuRK62ud0Q. Acesso em 05 nov. de 2020.

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