A ação civil ex delicto

Um Universitário
Resumos de direito
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6 min readFeb 27, 2019
por Um Universitário

3.1 Generalidades

No que diz respeito ao bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora, Eugênio Pacelli discorre que a lesão causada pelo crime tanto pode atingir, diretamente, a coletividade do corpo social sem a completa particularização da vítima, tal como ocorre com o tráfico de drogas, como pode também afetar mais intensamente o patrimônio (moral e econômico) de determinada pessoa.

Na segunda hipótese, tais condutas darão ensejo a intervenções judiciais distintas da resposta penal, diante da diversidade e pluralidade de graus de ilicitude que as acompanham. Nessas situações, quando a repercussão da infração houver de atingir também o campo da responsabilidade civil, terá lugar a chamada ação civil ex delicto, que é o procedimento judicial voltado à recomposição do dano civil causado pelo crime.

Nesse sentido, o art. 186 do Código Civil preceitua que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Na mesma linha, por força do art. 927 do mesmo código, “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

3.2 Sistema de independência

Nosso Código de Processo Penal adota o sistema da independência das instâncias, o qual informa que as duas ações, penal e cível, podem ser propostas de maneira independente, uma no juízo cível, outra no âmbito penal. Isso porque, enquanto ação cível versa sobre questão de direito privado, de natureza patrimonial, a outra versa sobre o interesse do Estado em sujeitar o suposto autor de uma infração penal ao cumprimento da pena cominada em lei.

Mais especificamente, no Brasil dizemos que funciona o sistema de independência relativa (ou mitigada), em que fica estabelecida a separação entre as jurisdições penal e civil, embora exista mecanismos de influência da ação penal, que é predominante, sobre a civil.

Art. 935 (Código Civil). A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Para que o julgamento criminal exerça primazia sobre a questão civil, devem verificar-se, necessariamente, as seguintes condições:

I — Sentença criminal deve ser anterior à sentença civil: se a sentença civil já tiver sido prolatada, não sofrerá nenhuma influência da decisão criminal superveniente. É por isso que a lei, com o escopo de evitar a coexistência de decisões contraditórias, faculta ao juiz civil suspender o curso do processo, até o julgamento definitivo da ação penal, pelo prazo de 1 ano (art. 64, parágrafo único do CPP e art. 256 do CPC).

II — A sentença deve condenar ou absorver o acusado: nenhuma influência exercerá sobre a jurisdição civil a decisão que não tenha decidido, de modo certo, sobre a existência do fato e sobre quem seja seu autor. Daí porque algumas decisões, embora tenham caráter definitivo, não geram reflexo para o julgamento civil, como a decisão que declara extinta a punibilidade, por exemplo.

III — Sentença não pode estar sujeita a recurso: apenas a sentença transitada em julgado exerce predomínio sobre o julgamento civil.

Portanto, a sentença condenatória que atender a essas condições sempre vinculará o desfecho do processo civil relativo ao mesmo fato, desde este esteja pendente de julgamento. Diversamente, somente em algumas hipóteses permitirão a influência da decisão absolutória na coisa julgada cível.

A primeira hipótese, prevista no art. 65 do CPP, é a de reconhecimento pelo juízo criminal da existência de alguma das causas excludentes de ilicitude, como ato praticado em legitima defesa, estado de necessidade etc., não podendo mais o assunto ser discutido no âmbito civil. Alguns autores defendem que a decisão absolutória fundada na existência dessas excludentes tem influência na pretensão reparatória até mesmo se a sentença civil estiver transitada em julgado, pois representa causa extintiva da obrigação.

As demais hipóteses em que a sentença penal absolutória faz coisa julgada no cível são as de (I) reconhecimento categórico da inexistência material do fato (art. 386, I, do CPP) e de reconhecimento da existência de prova de que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, IV, do CPP).

3.3 Objeto

Frequentemente, a doutrina procura distinguir em restituição e ressarcimento para danos de natureza econômica, reparação para danos de natureza moral, e indenização, sendo termo utilizado para definir modalidade de recomposição patrimonial do dano causado por ato lícito do Estado (desapropriações etc.).

O fato é que a legislação brasileira, incluindo a própria Constituição, não obedece às definições anteriormente apontadas, tratando por indenização qualquer pedido de natureza ressarcitória ou reparatória (por ex. art. 5º, V, CF e art. 68, CPP).

3.4 Execução civil da sentença condenatória

Apesar de ser facultado ao ofendido postular no juízo cível seu direito à indenização, não é necessário que ingresse com a ação civil de conhecimento para ver reparado o prejuízo que sofreu, pois a sentença penal condenatória constitui título executivo.

Pode o ofendido, portanto, aguardar o desfecho do processo penal, e, em caso de condenação, promover no cível a execução da sentença proferida pelo juiz criminal. Tal possibilidade aparece expressamente prevista nos arts. 63 do CPP e 515, VI, do CPC. Assim, conforme preceitua o art. 387, IV do CPP, o juiz, ao proferir a sentença condenatória, deverá fixa valor mínimo para reparação dos danos causados ao ofendido pela infração.

Valendo lembrar que não está impedido o ofendido de dar início a uma ação civil, com vistas à reparação do dano, antes do início ou desfecho da ação penal.

a. Legitimidade ativa

Pode a ação civil ser ajuizada pelo ofendido/representante legal ou por seus herdeiros. A lei prevê ainda que, quando o titular do direito à reparação do dano for pobre, a execução da sentença condenatória ou a ação civil será promovida, a seu requerimento, pelo MP. Considera-se pobre, nesse sentido, o indivíduo que encaixar-se nas determinações do art. 32 do CPP.

Art. 32, §1º Considerar-se-á pobre a pessoa que não puder prover as despesas do processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família.

§2º Será prova suficiente de pobreza o atestado da autoridade policial em cuja circunscrição residir o ofendido.

b. Legitimidade passiva

A ação civil de conhecimento pode ser proposta “contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil”, nos termos do art. 64 do CPP.

A execução direta da sentença penal, por sua vez, só poderá ser ajuizada em face de quem foi réu no processo criminal, não gerando efeito em relação ao terceiro, pois não lhe foi facultado exercer o direito ao contraditório e à ampla defesa.

c. Competência Nos termos previstos pelos arts. 515, §1º e 516, III do CPC, a ação executiva ex delicto deve ser proposta no juizado cível, perante o qual deve tramitar, também, eventual ação de conhecimento, com observância das regras de competência estabelecidas pela lei processual civil.

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Todo o conteúdo aqui agrupado foi retirado das doutrinas mencionadas abaixo e não há qualquer intenção deste organizador se fazer passar pelo autor de tais passagens e explicações.

1 Pacelli, Eugênio

Curso de processo penal / Eugênio Pacelli. — 21. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo: Atlas, 2017.

2 Távora, Nestor

Curso de direito processual penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar — 12. ed.rev. e atu<~L- Salvador: Ed. JusPodivm. 2017. 1.840p.

3 Reis, Alexandre Cebrian Araújo

Direito processual penal esquematizado® / Alexandre Cebrian Araújo Reis, Victor Eduardo Rios Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. — 5. ed. — São Paulo: Saraiva, 2016. — (Coleção esquematizado®)1. Processo penal — Legislação — Brasil I. Gonçalves, Victor Eduardo Rios. II. Lenza, Pedro. III. Título. IV. Série.

4 Lima, Renato Brasileiro de

Manual de processo penal: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5. ed. rev .. ampl. e atual.- Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.1.856 p.

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