Da cessão de crédito

Um Universitário
Resumos de direito
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8 min readMar 8, 2019
por Um Universitário

Durante o seu curso, a relação obrigacional admite algumas alterações em seus elementos essenciais, sendo eles o seu conteúdo (ou objeto) e sujeitos (ativo e passivo). Isso porque, sendo a obrigação um bem que integra o patrimônio do credor, poderá ser objeto de transmissão (assim como podemos vender um carro ou uma casa, podemos dispor de um crédito, pois são todos bens patrimoniais). Essa transmissão pode, ainda, ocorrer em qualquer um dos polos da obrigação, o que quer dizer que, tanto pode o credor ceder o seu crédito para outrem como pode o devedor repassar sua dívida.

O ato determinante dessa transmissibilidade denomina-se cessão, que significará a transferência negocial, de maneira gratuita ou onerosa, de um direito, dever ou o que quer que seja a obrigação, surgindo a figura do cedente, como aquele que repassa o vínculo obrigacional e a do cessionário, como aquele que adquire (adquirente) a obrigação e exerce posição jurídica idêntica à do indivíduo anterior.

Aqui é preciso tomar cuidado com os termos utilizados. Cessão só poderá ser utilizado quando se referindo a uma transmissão de bens imateriais (intangíveis), enquanto, para nos referirmos à transmissão de bens corpóreos (materiais) utilizaremos o termo alienação. É possível alienar um carro, ao passo que podemos ceder direitos autorais (ou créditos).

Vejamos agora quais as espécies possíveis de transmissão de uma obrigação.

Cessão de crédito

Podemos conceituar a cessão de créditos como um negócio jurídico bilateral pelo qual o credor transfere a terceiro a sua posição na relação obrigacional, sem que com isso resulte em uma nova situação jurídica. Transmitir um crédito (que as vezes significa ‘ter um dinheiro para receber’) é uma operação bastante interessante quando se pensa que isso significa antecipar uma receita financeira.

No contexto obrigacional, a cessão de crédito se apresenta como um negócio jurídico que envolve 3 personagens e dois consentimentos: o cedente e o cessionário, já mencionados anteriormente e o cedido, que é o devedor da obrigação. Perceba que apesar de a obrigação ter de ser prestada a credor diverso daquele inicial (outro indivíduo) o seu conteúdo permanece o mesmo, o que permite que o cedido não sofra prejuízos. Terá de prestar exatamente a mesma coisa que deveria prestar ao indivíduo anterior. Por esse motivo, seu consentimento não é necessário.

Há de se lembrar que, apesar de não ser necessário o consentimento do cedido, deverá ele ter conhecimento quanto à realização da cessão, para fins de que possa prestar a obrigação em favor da pessoa correta. É o que determina o art. 290 do CC ao dizer que “a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificado”.

É comum a confusão entre a cessão de crédito e o pagamento com sub-rogação. Na cessão, ocorre uma substituição do credor, de maneira que na sub-rogação ocorre o pagamento da dívida por terceiro, que, de maneira indireta (em consequência do seu ato, que não era exatamente o de adquirir o crédito, mas o de liberar determinada pessoa da obrigação) assume a posição de credor. Ou seja, em resumo, a diferença entre esses dois institutos é que na cessão, a finalidade do ato é exatamente adquirir o crédito e assumir a posição de credor, enquanto na sub-rogação, assumir a posição de credor é uma mera consequência de um ato praticado com outra finalidade.

Requisitos da cessão de crédito

Vejamos agora alguns campos que precisam ser preenchidos para que a cessão do crédito seja possível e ocorra sem problemas.

a. Objeto da cessão

O art. 286 do CC diz que “o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor”. De qualquer forma, em regra qualquer crédito pode ser cedido, devendo haver regra expressa que diga o contrário para que isso não ocorra.

A cessão pode ser total ou parcial, a medida que se transmita o crédito de maneira integral ou não e abrange todos os acessórios do crédito, como juros, direitos de garantia etc. Assim, se determinado pagamento de dívida estiver garantido por uma hipoteca, o novo credor (cessionário) terá também direito a essa garantia, assim como o credor inicial (cedente).

Há créditos que, todavia, não podem ser cedidos, conforme:

(I) Sua natureza: relações jurídicas de caráter personalíssimo e as de direito de família não podem ser objeto de cessão.

(II) A lei: não pode, da mesma forma, haver cessão do benefício da justiça gratuita, por exemplo, pois assim determina a lei que regula esse instituto. Recebido o direito de usufruir da gratuidade da justiça, não poderá o indivíduo transferir sua posição para outro. A título de informação, há muitos outros direitos que não podem ser cedidos, devendo isso ser estabelecido expressamente pelo texto legal.

(III) Convenção das partes: estabelecida a impossibilidade de cessão do crédito entre as partes, de maneira expressa no instrumento da obrigação, não estará nenhum dos indivíduos permitidos a cederem seu posto na relação.

b. Capacidade

Como a cessão importa uma transferência de uma posição em determinada relação civil, o cedente há de ser pessoa capaz de praticar atos de alienação. Assim sendo, é necessário que o indivíduo que esteja cedendo um crédito seja o seu titular, para poder dispor dele. Da mesma forma, deve a pessoa que adquire esse crédito ser indivíduo no gozo da capacidade plena.

c. Legitimação

Mesmo sendo dotadas de capacidade, alguns indivíduos carecem de legitimação para adquirir certos créditos. O tutor, por exemplo, não pode adquirir um crédito que tenha como devedor o seu pupilo, assim como curador não pode adquirir crédito contra seu curatelado. Por sua vez, os pais, no exercício da administração dos bens dos filhos menores, não podem efetuar a cessão sem prévia autorização judicial (art. 1691 do Código Civil).

Espécies de cessão de crédito

Convencional — é aquela que resulta, em regra, da declaração de vontade entre cedente e cessionário.

Legal — aquela que ocorre por força de lei (ipso jure). Basicamente, a cessão que ocorre por força legal é o que chamamos de sub-rogação, pois a ocupação do posto de credor decorre de uma determinação legal (indiretamente) e não da exata prática do indivíduo.

Judicial — determinação de transmissão por juiz, em sentença judicial.

É importante analisar a cessão do ponto de vista da responsabilidade do cedente em relação ao crédito. O assunto será tratado em outro momento, mas, a título de informação, mesmo após a cessão, podem restar algumas responsabilidades para o cedente. Isso significa que a cessão pode ser pro soluto, quando o cedente apenas garante a existência do crédito, mas não responde pela solvência do devedor ou pro solvendo, quando o cedente ficar também obrigado a pagar caso o devedor cedido seja insolvente.

Formas

Em regra, não é exigida nenhuma forma especial para que a cessão convencional tenha validade entre as partes, salvo se tiver por objeto algum dos direitos em que a escritura pública faça parte da substância do ato, caso em que a cessão será efetuada também por escritura pública.

Há também uma ressalva, feita pelo art. 288 do CC, exigindo “instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do §1º do art. 654” para que a cessão tenha validade contra terceiros.

Notificação do devedor

Dispões o art. 290 do CC:

Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.

A notificação do devedor, como já mencionado anteriormente, é medida destinada a preservá-lo do cumprimento indevido da obrigação, evitando-se assim certos prejuízos decorrentes do pagamento ineficaz.

Tanto o cedente quanto o cessionário têm qualidade para efetuar a notificação do devedor. Contudo, o maior interessado é o cessionário, pois, caso o devedor, sem ser avisado, cumpra a obrigação em favor do credor anterior, estará liberado da obrigação, o que pode configurar um prejuízo ao cessionário em determinadas ocasiões.

Se pensarmos em uma obrigação que consiste em simples entrega de algum objeto, é fácil contornar a ineficácia da prestação, bastando o credor antigo repassar o objeto ao credor atual. No entanto, em obrigações de entregar mais complexas ou em obrigações de fazer, a prestação ineficaz pode acarretar grandes prejuízos, motivo pelo qual é importante a notificação. Por outro lado, sendo notificado, deverá o devedor proceder à prestação correta, arcando com as responsabilidades decorrentes de não o fazer.

Exceções opostas pelo devedor

O devedor tem, no momento da notificação da cessão, a oportunidade de opor ao cessionário (o novo credor) as exceções que lhe competirem (art. 294), ou seja, opor ao novo credor todas as exceções que tinha com o antigo. No entanto, se assim não fizer, passado o momento da notificação, não mais poderá arguir contra o cessionário essas exceções (como a compensação, por exemplo). Também poderá opor essas exceções nos casos em que não for notificado.

Responsabilidade do cedente

Estabelecem os arts. 295 e 296 do Código Civil:

Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.

Todavia, se ficar convencionado de maneira expressa que o cedente responde pela solvência do devedor, sua responsabilidade ficará limitada ao que recebeu do cessionário. Não cabe discutir aqui, mas vale saber que muitas são as situações que podem influenciar uma cessão de crédito. Tomemos um exemplo:

Suponhamos que A tenha emprestado 10 mil reais a um amigo B, para que este lhe pagasse 14 mil reais dentro de 2 anos. Faltando um ano para o adimplemento, A se envolve em algumas dívidas e o valor passa a lhe fazer falta, de maneira que valha mais a pena retomar os 10 mil reais agora do que receber 14 mil dentro de um ano. Assim, procede a cessão do crédito por 10 mil reais, ficando responsável pela solvência.

Imaginando um cenário onde B não efetue o adimplemento da obrigação e não pague os 14 mil reais, A ficará responsável por essa solvência, mas com base nos 10 mil reais que recebeu e não nos 14 mil reais que constituía a obrigação original.

Ressaltando que, garantir a existência do crédito significa assegurar a titularidade e a validade ou a consistência do direito adquirido. Quando a transferência opera por força de lei, no entanto, o credor originário não responde pela realidade da dívida, nem pela solvência do devedor.

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Todo o conteúdo aqui agrupado foi retirado das doutrinas mencionadas abaixo e não há qualquer intenção deste organizador se fazer passar pelo autor de tais passagens e explicações.

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