Contratos em espécie — Da compra e venda

Um Universitário
Resumos de direito
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12 min readFeb 19, 2019
por Um Universitário

O contrato de compra e venda é aquele em que um dos contratantes (vendedor) se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro (adquirente), a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de cerca coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

Em relação aos bens móveis, o art. 1267 informa que a “propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”. Já em relação aos bens móveis, o art. 1245 dispõe que “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. O seu §1º, aliás, ainda determina que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.

Para o direito brasileiro, o contrato, por si só, é inábil a gerar a translação da propriedade. É indispensável a realização de um daqueles atos a que a lei reconhece o efeito translatício: a tradição (entrega) do objeto, tratando-se de coisa móvel; ou a inscrição do título aquisitivo no registro, tratando-se de imóvel. Assim, o contrato de compra e venda possui caráter meramente obrigatório, já que para o vendedor gera uma obrigação de entregar a coisa, proporcionando ao comprador a faculdade de acioná-lo caso não o faça.

1) Natureza jurídica

A compra e venda é contrato: a) bilateral ou sinalágmatico, uma vez que gera obrigações recíprocas: para o comprador, a de pagar o preço em dinheiro; para o vendedor, a de transferir o domínio de certa coisa; b) consensual, visto que se aperfeiçoa com o acordo de vontades, independentemente da entrega da coisa, conforme o art. 482; c) oneroso, pois ambos os contratantes obtêm proveito, ao qual corresponde um sacrifício; d) comutativo, uma vez que, em regra as prestações são certas e as partes podem antever as vantagens e os sacrifícios, que geralmente se equivalem, transformando-se em aleatório quando tem por objeto coisas futuras ou coisas existentes mas sujeitas a risco; e) não solene, em razão da sua forma livre, com exceção da alienação de imóveis, em que se exige a escritura pública.

2) Os elementos da compra e venda (pressupostos de existência)

Os elementos essências da compra e venda são: coisa, preço e consentimento. A forma só aparece como quarto elemento obrigatório em determinados contratos, como acontece na venda de imóveis de valor superior a 30x o salário mínimo vigente no país.

a) Consentimento (ou consenso)

É a declaração volitiva das partes contratantes que representa a vontade de um sujeito em adquirir e a vontade de outra pessoa em alienar determinada coisa por certo preço. Através dessas vontades, o pacto é firmado, surgindo para um as obrigações de pagamento e entrega desse objeto. Essa, aliás, é a razão da bilateralidade do contrato, já mencionada acima.

As partes contratantes devem possuir capacidade genérica para a realização do ato jurídico. As incapacidades previstas nos arts. 3º e 4º do CC/02, todavia, não impedem a realização do negócio jurídico, devendo, contudo, ser supridas pelos institutos jurídicos da representação e da assistência, ou pela autorização judicial.

Lembrando que o consentimento deve ser livre e espontâneo, sob pena de anulabilidade do negócio jurídico, recaindo sobre os outros dois elementos. Também será anulável a venda se houver erro sobre o objeto principal da declaração ou sobre as suas qualidades essenciais.

b) Coisa

A coisa é o objeto da relação jurídica contratual. Assim, deve atender a determinados requisitos:

I) Existência: é nula a venda de coisa inexistente. A lei se contenta coma existência potencial da coisa, como a safra futura, por exemplo. São suscetíveis de venda as coisas atuais e as futuras, corpóreas e incorpóreas. A venda de coisa incorpórea, como crédito, nós conhecemos por cessão. Tratando-se da venda de coisas futuras, duas são as possibilidades: o risco pode estar relacionado à própria existência da coisa (emptio spei) ou em relação à quantidade da coisa esperada (emptio rei speratae), sendo atribuído consequências distintas para a realização em cada um desses formatos. Vejamos:

Art. 458 — trata do contrato aleatório ou venda da esperança. Aqui, refere-se o código às situações em que um dos contratantes assume o risco de a coisa não vir a existir, terá o outro contratante o direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que não tenha agido com dolo ou culpa. Exemplificando: uma pessoa, através do contrato aleatório, adquire de um fazendeiro toda a safra de tomates do ano seguinte. Neste momento, essa pessoa (comprador) assume o risco da possibilidade de inexistência da referida safra de tomates, e, ainda assim, terá de cumprir com o pagamento do preço ajustado.

Art. 459 — diz respeito à quantidade maior ou menor da coisa esperada. Determina que “se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada (e desde que o alienante não tenha agido com culpa). O parágrafo único do artigo, todavia, determina que se nada vier a existir, então ficará o alienante responsabilizado pela restituição do preço recebido. Portanto, nessa hipótese o risco está relacionado à quantidade e não à existência da coisa.

II) Individualização: a coisa deve ser individuada, determinada ou determinável. É possível, em alguns casos, que o objeto contratual possua uma indeterminação relativa, devendo ser indicado, ao menos, o gênero e a quantidade.

III) Disponibilidade: A coisa deve encontrar-se disponível, isto é, não estar fora do comércio. Encontram-se nessa situação as coisas insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis, seja por força de lei ou devido a clausula de inalienabilidade colocada em doação ou testamento. São igualmente inalienáveis os valores e direitos da personalidade, bem como os órgãos do corpo humano. Em resumo, o objeto não pode ser impossível (natural, física ou juridicamente).

c) Preço

Para que exista o contrato de compra e venda, além da coisa, é necessário que haja preço. Preço é o valor em dinheiro dado em contraprestação pela entrega da coisa, ou seja, o preço é uma espécie de medição da coisa comprada. O preço deve ser sério, justo e verdadeiro.

É nulo o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço (art. 489). Como na cláusula “pagarás o que quiseres”, deixando ao arbítrio do comprador a taxação do preço. Vários outros modos de determinação futura do preço, contudo, no entanto, podem ser escolhidas pelos contraentes.

A lei permite, por exemplo, que a fixação odo preço seja deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar (art. 485). Se o terceiro não aceitar a incumbência, no entanto, ficará sem efeito o contrato, salvo quando entrarem em acordo e designarem outra pessoa que aceite.

O preço também pode ser convencionado, ainda a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua determinação, ficando entendido, nesses casos, que as partes se sujeitam ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor caso não haja um tabelamento oficial (art. 488).

4) Efeitos da compra e venda

Os principais efeitos da compra e venda são: 1) gerar obrigações recíprocas para os contratantes: para o vendedor, a de transferir o domínio de certa coisa; e para o comprador, a de pagar-lhe certo preço em dinheiro; 2) acarretar a responsabilidade do vendedor pelos vícios redibitórios e pela evicção. Há, ainda, outros efeitos que podem ser chamados de secundários ou subsidiários, como:

a) A responsabilidade pelos riscos

Até o momento da tradição dos móveis e o registro dos imóveis, a coisa pertence ao vendedor. Os riscos de a coisa perecer ou se danificar, até esse momento, correm, portanto, por sua conta, enquanto os do preço ficam por conta do comprador (art. 492). Quando o comprador está em mora de receber a coisa adquirida, já colocada a sua disposição conforme foi ajustado, todos os riscos correrão por sua conta (art. 492, §2º).

b) Direito de reter a coisa ou o preço

Na compra e venda à vista, as obrigações são recíprocas e simultâneas. No entanto, cabe ao comprador o primeiro passo, pagando o preço. Antes disso, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa, podendo retê-la, ou negar-se a assinar a escritura definitiva, até que o comprador satisfaça a sua parte. Se, por outro lado, o vendedor não está em condições de entregar a coisa, deve o comprador se precaver, consignando o preço.

5) Limitações à compra e venda

Algumas pessoas sofrem limitações. Decorrentes da falta de legitimidade, em razão de determinadas circunstâncias ou da situação em que se encontram, que não se confundem com incapacidade. Só não podem vender ou comprar de certas pessoas.

a) Venda de ascendente a descendente

É anulável (não nulo nem inexistente) a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Art. 496. É anulável a venda de ascendente e descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

O fundamento é o Princípio da Isonomia entre os herdeiros, sendo uma espécie de fiscalização prévia com a finalidade de evitar uma doação trajada de compra e venda. Quando houver recusa injustificada do cônjuge ou de descendentes para a realização do ato ou hipótese de impossibilidade de manifestação de vontade de qualquer deles, o interessado poderá se socorrer do Poder Judiciário com a finalidade de possibilitar a realização do negócio jurídico.

A exigência, contudo, não se restringe apenas aos descendentes que estiverem na condição de herdeiros, abarcando, por exemplo, a venda de avô para neto. A lei foi incisiva ao referir-se a todos os descendentes.

Sendo o art. 496 omisso quanto à forma, aplica-se a regra geral constante do art. 220, pelo qual a “anuência, ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento”. Ou seja, sendo o ato que se espera validar realizado na forma escrita, deverá também a anuência ser escrita.

Supondo a venda de um imóvel que necessite de escritura pública, por exemplo, deverá também a anuência ser concedida por instrumento público.

A venda realizada com inobservância do disposto no art. 496, como já se sabe é anulável, estando legitimados para a ação anulatória os descendentes preteridos. Quanto ao exercício desse direito, prescreveu a súmula 494 do STF que “A ação para anular venda de ascendente a descendente, sem consentimento dos demais, prescreve em vinte anos, contados da data do ato”. Por último, lembremos que a anulabilidade permite a convalidação do ato, ocorrendo através da ratificação ou confirmação pelo descendente omisso junto da prova de que a venda era real.

b) Aquisição de bens por pessoa encarregada de zelar pelos interesses do vendedor

Determinados sujeitos não podem figurar como comprador em determinadas relações jurídicas de compra e venda, conforme determinação expressa do art. 497 do CC/02.

Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I — pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;

II — pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;

III — pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender sua autoridade;

IV — pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.

Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se a cessão de crédito.

Assim, as pessoas elencadas nos incisos I a IV do dispositivo acima não estão legitimadas a praticar o negócio jurídico contratual de compra e venda (não chega a ser questão de incapacidade, mas de legitimidade para a prática do ato).

Aqui, a lei comina a pena de nulidade, não produzindo qualquer efeito jurídico o negócio realizado por tais pessoas. O fundamento desta norma é de cunho moral e ético, já que tais pessoas poderiam obter vantagens na compra e venda. Portanto, é caso de nulidade absoluta.

c) Venda entre cônjuges

O art. 499 do CC/02 considera “licita a compra e venda entre cônjuges, com relação aos bens excluídos da comunhão”.

Na verdade, no regime da comunhão universal, tal venda mostra-se inócua, visto que o acervo de bens do casal é comum e não é possível alguém adquirir algo que já lhe pertence. É inadmissível, todavia, a doação entre cônjuges casados no regime da separação legal ou obrigatória, dor desvirtuar as suas características e finalidades.

6) Vendas especiais

A compra e venda que ocorre sem a dependência de condições suspensivas ou resolutivas, ou seja, que se considera perfeita com a simples celebração do contrato, é tida como pura. Havendo questões especiais quanto ao negócio, teremos então as vendas especiais.

a) Compra e venda mediante amostra, protótipos ou modelos

O contrato de compra e venda pode ser realizado à vista de amostras […], devendo o vendedor assegurar as qualidades correspondentes entre a amostra e o produto específico, como determina no nosso Código atual.

Art. 484. Se a venda se realizar à vista de amostras, protótipo ou modelos, entender-se-á que o vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem.

Parágrafo único. Prevalece a amostra, o protótipo ou modelo, se houver contradição ou diferença com a maneira pela qual se descreveu a coisa no contrato.

Amostra é o pedaço pequeno de mercadoria, apresentado ao freguês para dar uma ideia do todo; protótipo é uma espécie de exemplar a ser alienado e modelo é uma representação em pequena escala de algo que se pretende executar em grande.

b) Venda “ad corpus” e venda “ad mensuram”

Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço. Trata-se da venda ad mensuram.

Decai o direito de propor as ações que objetivam sanar a diferença no prazo de um ano, a contar do registro do título. Havendo atraso na posse do imóvel, atribuível ao alienante, a partir dela fluirá o prazo de decadência.

Na venda ad corpus a área é irrelevante para o preço, ou seja, as metragens do imóvel não influem na fixação e aceitação do preço. Daí que uma eventual diferença na área do imóvel não importará na extinção do contrato, nem permitirá a redução do preço. Neste caso, o imóvel é vendido como coisa verta e discriminada, tendo sido apenas enunciativas a referência às suas dimensões.

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Todo o conteúdo aqui agrupado foi retirado das doutrinas mencionadas abaixo e não há qualquer intenção deste organizador se fazer passar pelo autor de tais passagens e explicações.

1 Gonçalves, Carlos Roberto

Direito civil esquematizado®, v. 2 / Carlos Roberto Gonçalves ; coordenador Pedro Lenza. — 4. ed. — São Paulo : Saraiva, 2016. — (Coleção esquematizado®)

2 Farias, Cristiano Chaves de

Curso de direito civil: contratos I Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenva!d- 7. ed.rev~ e atual.- Salvador; Ed. JusPodivm, 2017.

3 Mello, Cleyson de Moraes

Direito civil: contratos / Cleyson de Moraes Mello. — 2. ed. — Rio de Janeiro : Freitas Bastos Editora, 2017. 606 p.; 23cm.

4 Gagliano, Pablo Stolze

Novo curso de direito civil, volume 4 : tomo II : contratos em espécie / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. — 10. ed. — São Paulo : Saraiva, 2017.

5 Donizetti, Elpídio

Curso didático de direito civil / Elpidio Donizetti, Felipe Quintela — 6. ed. — São Paulo: Atlas, 2017.

6 Tartuce, Flávio

Direito civil, v. 3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie / Flávio Tartuce; 12. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense, 2017.

7 Nader, Paulo

Curso de direito civil, v. 3: Contratos / Paulo Nader. — 8. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense, 2016.

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