Do contrato de doação — Espécies de doações

Um Universitário
Resumos de direito
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12 min readFeb 26, 2019
por Um Universitário

Com base nos seus elementos integrativos, a doação pode ser classificada entre vários tipos, analisados a seguir.

a. Doação pura e simples

É aquela que não está sujeita a nenhum tipo de encargo, ou seja, representa a essência do contrato de doação com o empobrecimento do doador e enriquecimento do donatário. Também não apresenta qualquer ônus ao recebedor.

b. Doação onerosa, modal, com encargo ou gravada

É aquela em que o doador impõe ao donatário uma incumbência ou dever. Assim, há doação onerosa, por exemplo, quando o autor da liberalidade sujeita o município donatário a construir uma creche ou escola na área urbana doada. O encargo (podendo traduzir a doação com a obrigação de) não suspende a aquisição nem o exercício do direito, diferentemente da condição suspensiva (se) que subordinaria o efeito da liberalidade a evento futuro.

Esses encargos podem se apresentar através de benefício ao doador, benefício a terceiro ou ainda em benefício do interesse geral. O seu cumprimento, em caso de mora, pode ser exigido judicialmente, salvo quando instituído em favor do próprio donatário. Nessa linha, será legítimo para exigir o cumprimento tanto o doador, quanto o terceiro (se, eventualmente, o benefício for em favor de algum terceiro).

c. Doação remuneratória

A doação remuneratória é uma espécie de recompensa a serviços ou favores prestados pelo donatário ao doador. É o caso, por exemplo, do cliente que paga serviços prestados por seu médico, já estando prescrita a ação de cobrança.

Não deixa de ser uma liberalidade, já que o doador, por um sentimento de gratidão, procura gratificar o donatário. Neste caso, não há que se falar em pagamento, já que inexiste contraprestação e não pode ser confundida com dação em pagamento.

Sendo o motivo determinante recompensar os serviços ou favores prestados ao doador, na parte correspondente à retribuição dos serviços, o ato, em verdade, não é doação, mas pagamento. Nesse caso, o doador responde pela evicção na parte equivalente ao serviço prestado.

d. Doação mista

A doação mista ocorre no momento da inserção da liberalidade em um ato jurídico oneroso (outra modalidade de contrato). Embora haja a intenção de doar, existe um preço fixado, caracterizando a venda. Ocorre, por exemplo, na realização de um contrato de compra e venda com preço irrisório.

Embora sustentem alguns que o negócio deve ser separado em duas partes, aplicando-se a cada uma delas as regras que lhe são próprias, a melhor solução é verificar a preponderância do negócio, se oneroso ou gratuito, levando-se em conta o art. 112 do Código Civil.

e. Doação em contemplação do merecimento do donatário

Configura-se quando o doador menciona, expressamente, o motivo da liberalidade, dizendo, por exemplo, que a faz porque o donatário tem determinada virtude, ou porque é seu amigo, consagrado profissional ou renomado cientista. Não tem como pressuposto a recompensa de um favor ou de um serviço prestado, como no caso da remuneratória.

f. Doação em forma de subvenção periódica

É uma espécie de contrato, através do qual o doador, de forma reiterada, se compromete a realizar uma liberalidade em benefício do donatário. Em regra, esta doação se manifesta através de auxílios pecuniários ao donatário, cuja periodicidade é acordada entre as partes contraentes. Um exemplo prático seria a “mesada”, ou seja, um auxílio pecuniário mensal acordado entre familiares.

O pagamento, nessa modalidade, encerra-se com a morte do doador, não se transferindo a obrigação a seus herdeiros, salvo se o contrário houver sido estipulado.

g. Doação em contemplação de casamento futuro

Constitui liberalidade realizada em consideração às núpcias próximas do donatário com certa e determinada pessoa. Segundo prescreve o art. 546, “só ficará sem efeito se o casamento não se realizar”. A sua eficácia subordina-se, pois, a uma condição suspensiva: a realização do casamento. Dispensa-se aceitação expressa, uma vez que se presume da celebração.

O código permite tal espécie de doação quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro. Portanto, pode também ser beneficiada a prole eventual do futuro casal (nesse caso, o nascimento com vida deste filho considera-se uma condição suspensiva adicional).

Não se resolve pelo divórcio, nem podem os bens doados serem reivindicados pelo doador por ter o donatário ficado viúvo ou ter se divorciado.

h. Doação de ascendente a descendente, ou de um cônjuge a outro

O art. 544 prescreve que “a doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança”. Tal regra evita problemas, presumindo como adiantamento do que lhe couber na herança, pois iguala os quinhões hereditários, quando aberta a sucessão. Ou seja, evita prejuízo aos outros descendentes ou ao cônjuge pois, o que está sendo recebido na doação seria recebido de qualquer maneira, em momento posterior.

i. Doação conjuntiva (feita a mais de um donatário)

A doação conjuntiva, como já se pode imaginar, é aquela realizada em favor de mais de um indivíduo. Esclarece o art. 551 que “salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual”. Dessa maneira, consideram-se os donatários cotitulares do bem dado em doação.

j. Doação inoficiosa

Prevista pelo art. 549, a doação inoficiosa é caracterizada pela prática de uma liberalidade ultrapassando a metade disponível do patrimônio líquido do doador, ao tempo da prática do ato.

Isto porque toda e qualquer alienação gratuita que ultrapasse a metade disponível (invadindo a legítima parte pertencente aos herdeiros necessários, que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivente, a teor do art. 1845) será passível de nulificação por estes interessados.

Depende, portanto, da concorrência de dois elementos distintos: (1) a existência de herdeiros necessários; e (2) doação ultrapassando o limite disponível. A intenção do legislador, claramente, é proteger esta categoria de parentes (herdeiros necessários), garantindo um mínimo patrimonial, impedindo o autor da herança de dispor, a título gratuito, da integralidade de seus bens.

A nulidade, todavia, abarca somente a parte que exceder a disponível. Trata-se, assim, de nulidade parcial, também tida por ineficácia relativa em que se aproveita a parte não contaminada do contrato, que continua, íntegra, na sua essência, inclusive quanto ao animus donandi.

l. Proibição de doação ao cônjuge adúltero

Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

Segundo Cristiano Chaves, trata-se de disposição legal excessivamente moralista e preconceituosa, explicitando uma exacerbada preocupação com o adultério e ignorando as novas formas de composição de núcleos familiares, baseada no afeto.

Proíbe-se uma pessoa casada de dispor, gratuitamente, de seu patrimônio em favor de seu concubino ou sua concubina. Com isso, o sistema termina promovendo uma interdição parcial de uma pessoa plenamente capaz, pois retira do titular o direito de livre dispor de seu patrimônio, como se fosse incapaz para tanto.

De qualquer maneira, não se invalidará, evidentemente, o negócio jurídico se o doador, apesar de ainda ser caso, já estiver separado de fato, independentemente do prazo. Isto porque, harmonizado com o §1º do art. 1723 também do Código Civil, é de se notar que a simples separação de fato já permite a caracterização de união estável, uma vez que a convivência e o afeto já cessaram.

m. Doação com cláusula de reversão

Estabelece que com a morte do donatário os bens devem retornar (reverter) ao patrimônio do doador. É uma condição resolutiva estabelecida entre doador e donatário que deve constar expressa no instrumento contratual. O Código Civil brasileiro trata da referida doação em seu art. 547.

Nada impede que o donatário aliene o bem doado (salvo se for estipulada cláusula em sentido contrário), mas o caráter resolutivo da propriedade se manterá vigente. Portanto, caberá ao doador, no caso de a coisa estar em poder de terceiros, ingressar com uma ação reivindicatória, com o firme propósito de reaver a coisa doada (prazo prescricional de 2 anos). Dessa maneira, o terceiro que vier adquirir o bem, verificada a condição resolutiva, perderá o imóvel para o doador.

n. Doação manual

A doação é contrato solene e consensual, porque a lei exige a forma pública, quando tem por objeto os bens imóveis, e o instrumento particular, quando versa sobre bens móveis de grande valor, aperfeiçoando-se com o acordo de vontades, independentemente da entrega da coisa. Entretanto, a doação manual constitui uma exceção à regra, porque pode ser feita verbalmente, desde que se lhe siga a tradição.

A regra aplica-se a bens móveis de pequeno valor. Como a lei não fornece critério para se aferir o que seria pequeno valor, leva-se em consideração o patrimônio do doador. Em geral, considera-se de pequeno valor a doação que não ultrapassa dez por cento (10%) do patrimônio do doador. Tal critério, todavia, não pode ter aplicação generalizada, por não corresponder, em muitos casos, à intenção do legislador.

Se o patrimônio for de valor muito elevado, o denominado pequeno valor poderá perder essa conotação.

o. Doação feita a entidade futura

Dispõe o art. 554 do Código Civil que a doação a “entidade futura” e, portanto, inexistente, “caducará se, em dois anos, esta não estiver constituída regularmente”. Nessa espécie, sendo a entidade inexistente no momento do ato, presume-se a aceitação. Lembrando que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro (art. 45).

Evidentemente, as entidades a que alude o dispositivo mencionado podem ser tanto as pessoas jurídicas de direito privado/público (sociedades, associações, fundações particulares etc.) como os entes não personificados, como condomínios edilícios, massa falida, espolio etc.

6.1 Outras vedações legais

Embora se trate de um ato de liberdade, decorrente da vontade do titular de um patrimônio, o ordenamento jurídico estabelece algumas proibições para a realização da doação, com o intuito de proteger os envolvidos. A justificativa dessas vedações repousa, portanto, ou no interesse pessoal do doador, ou no interesse social (da coletividade ou de terceiros).

Vejamos outras vedações, haja vista que algumas já foram levantadas anteriormente, como a da doação inoficiosa e a doação ao cônjuge adultero.

a. Proibição da doação universal

Conforme estabelece o art. 548 do Código Civil, é nula a doação universal, ou seja, a disposição de todos os bens, sem reserva de parte ou renda suficiente para a manutenção do próprio benfeitor. Aqui, a nulidade da doação universal decorrer de uma compreensão subjetiva da doação, considerada a dignidade do doador.

O ato será nulo, portanto, quando o volume do patrimônio doado, mesmo que não se trate da sua integralidade, comprometer a subsistência do doador. Nessa linha, também será considerado válido o ato mesmo que a doação abranja integralmente o patrimônio do doador, se houver reserva de renda ou parte idônea para a sua subsistência. É o caso da pessoa que, apesar de ter doado todo seu patrimônio, gravou-o com cláusula de usufruto vitalício em seu favor.

b. Proibição de doação pelo devedor insolvente

Outra limitação à liberdade de doar diz respeito à sua prática pelo devedor insolvente, buscando fundamento na proteção dos credores. Dessa maneira, permite-se a invalidação da doação feita pelo devedor, mesmo antes do reconhecimento de sua insolvência, com o intuito de evitar fraude contra credores, caso o doador não mantenha um volume patrimonial suficiente para honrar com todas as dívidas que possuía no momento do ato.

Bastará ao interessado a prova do estado de insolvência, na ação pauliana, para que seja anulado o negócio jurídico.

6.2 Da revogação da doação

Tendo se tornado perfeito, acabado, irretratável e irrenunciável o contrato de doação, através da aceitação do donatário, não pode as partes desfazê-lo pela simples manifestação de vontade. Em outras palavras temos que o direito brasileiro não autoriza a revogação da doação por arbítrio do benfeitor, sendo necessária uma decisão judicial nesse sentido, nas situações especificadas pelo nosso sistema legal.

Por tradição histórica, todavia, permite-se a revogação da doação em casos de ingratidão ou inexecução do encargo, sendo o bem doado revertido ao patrimônio do doador ou de seus herdeiros, se for o caso.

a. Casos comuns a todos os contratos

Tendo natureza contratual, a doação pode contaminar-se de todos os vícios do negócio jurídico, como erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, sendo desfeita por ação anulatória (art. 171, II).

Pode também ser declarada nula como os demais contratos, se o agente for absolutamente incapaz, o objeto ilícito, impossível ou indeterminável, ou não for observada a forma prescrita no art. 541, caput e parágrafo único.

b. Revogação por ingratidão

Vejamos o que diz o código.

Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações:

I — se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele;

II — se cometeu contra ele ofensa física;

III — se o injuriou gravemente ou o caluniou;

IV — se, podendo ministra-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava;

Art. 558. Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido, nos casos do artigo anterior, for o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador;

Importante ressaltar que o direito à revogação por ingratidão não admite renúncia, reputando-se nula qualquer cláusula contratual nesse sentido. Ademais, a revogação por ingratidão não prejudica direito de terceiros nem obriga o donatário a restituição dos frutos percebidos antes da citação válida, embora se obrigue a restituir os posteriores.

Quanto ao prazo, estabelece o art. 559 que a ação de revogação por ingratidão tem de ser ajuizada no prazo decadencial de um ano, sendo o termo a quo (inicial) para sua fluência aquele em que o doador tiver a convicção de que o donatário praticou um dos fatos elencados no art. 557.

Por fim, quando a restituição da coisa doada em espécie não for possível, o donatário terá de indenizar o doador pelo meio-termo do seu valor.

Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio termo do seu valor.

c. Revogação por descumprimento do encargo

A inexecução do encargo imposto ao beneficiário da doação modal abre duas distintas possibilidades para o doador: a uma, pode enseja a sua imediata execução em juízo, através de tutelas específicas, com o propósito de garantir o implemento da obrigação imposta ao beneficiário; a duas, lhe é possível, comprovada a mora do devedor, pleitear ao juiz a revogação da doação, com base no art. 562 do Código Civil.

Note-se que não são duas alternativas contrapostas, haja visto que nada impede a execução judicial do encargo inicialmente, para, depois, se o cumprimento ainda se mostrar frustrado, ajuizar ação revocatória. Para exemplificar, imaginemos uma doação feita em favor de uma entidade não lucrativa, com o encargo de prestação de serviços comunitários. Havendo descumprimento do encargo, será possível a execução judicial do modo ou, em se for o caso, a revogação.

A legitimidade para requerer a execução judicial do encargo não é, apenas, do doador, mas, identicamente, (1) dos seus herdeiros, se morta a pessoa que praticou o ato de disposição, (2) do terceiro-beneficiário do encargo e, finalmente, (3) do Ministério Público, quando for constituído em prol da coletividade.

Por outro lado, a legitimidade para requerer a revogação da doação por violação do encargo é exclusiva do doador, podendo os herdeiros apenas darem continuidade à demanda já iniciada por ele, após a sai morte. Trata-se, portanto, de uma ação personalíssima.

Em casos de a execução do encargo se tornar impossível, sem culpa do devedor, decorrendo de caso fortuito ou força maior, a doação permanecerá válida e eficaz, mantida em sua inteireza, com a consequente exoneração do beneficiário em relação ao cumprimento do encargo.

Quanto à definição do prazo extintivo para a propositura da ação, embora não haja consenso, entende-se através da jurisprudência do STJ que a natureza da demanda judicial de revogação da doação por descumprimento de encargo seja condenatória, tendo, dessa maneira, prazo de natureza prescricional e não decadencial. Assim, fica entendido ser caso de aplicação da cláusula geral de prescrição, trazida pelo art. 205.

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Todo o conteúdo aqui agrupado foi retirado das doutrinas mencionadas abaixo e não há qualquer intenção deste organizador se fazer passar pelo autor de tais passagens e explicações.

1 Gonçalves, Carlos Roberto

Direito civil esquematizado®, v. 2 / Carlos Roberto Gonçalves ; coordenador Pedro Lenza. — 4. ed. — São Paulo : Saraiva, 2016. — (Coleção esquematizado®)

2 Farias, Cristiano Chaves de

Curso de direito civil: contratos I Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenva!d- 7. ed.rev~ e atual.- Salvador; Ed. JusPodivm, 2017.

3 Mello, Cleyson de Moraes

Direito civil: contratos / Cleyson de Moraes Mello. — 2. ed. — Rio de Janeiro : Freitas Bastos Editora, 2017. 606 p.; 23cm.

4 Gagliano, Pablo Stolze

Novo curso de direito civil, volume 4 : tomo II : contratos em espécie / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. — 10. ed. — São Paulo : Saraiva, 2017.

5 Donizetti, Elpídio

Curso didático de direito civil / Elpidio Donizetti, Felipe Quintela — 6. ed. — São Paulo: Atlas, 2017.

6 Tartuce, Flávio

Direito civil, v. 3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie / Flávio Tartuce; 12. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense, 2017.

7 Nader, Paulo

Curso de direito civil, v. 3: Contratos / Paulo Nader. — 8. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense, 2016.

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