Jurisdição

Um Universitário
Resumos de direito
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9 min readFeb 17, 2019
por Um Universitario

A jurisdição, primeiro instituto fundamental do direito processual civil, deve ser compreendida como a parcela de poder exercitada pelo Estado-juiz (o Poder Judiciário), a sua função típica.

A primeira tarefa que se põe em relação ao seu estudo é distingui-la das demais funções típicas do Estado (de elaborar as leis, pelo Poder Legislativo, e de administrá-las, pelo Poder Executivo). É responder a seguinte questão: o que o ato jurisdicional contém que o distingue suficientemente do ato administrativo e do ato legislativo?

A resposta que parece mais adequada, para Cássio Scarpinella Bueno, é a apresentação de alguns elementos, verdadeiras características do ato jurisdicional que, somados, distinguem-no dos demais atos estatais e, também por isso, dos atos praticados pelos particulares. Esses elementos caracterizadores são os seguintes:

I) Substitutividade

Como já explanado anteriormente, sendo vedada a autotutela, é necessária a intervenção do Estado-juiz para resolver os conflitos de interesse que surgirem ou que estão na iminência de surgir diante da “multiplicidade de interesse” que se verifica sob um mesmo bem da vida.

A jurisdição, portanto, é compreendida na medida em que ela se impõe à vontade dos litigantes, SUBSTITUINDO suas vontades pela “vontade funcional” do Estado-juiz, que representará, após o devido processo, a vontade do próprio ordenamento jurídico para o caso concreto levado a conhecimento.

II) Imperatividade

Um desdobramento da afirmação anterior, uma vez que a substituição promovida pela jurisdição, leva, necessariamente, à compreensão de sua imperatividade.

Para que o Estado-juiz consiga realizar suficiente e adequadamente o seu maior objetivo de pacificar os litigantes, o resultado que entender aplicável mediante o devido processo deverá ser imposto, independentemente da concordância dos litigantes. A atuação jurisdicional, portanto, é ato de autoridade e como tal deve ser acatada e observada na exata medida.

Os litigantes, dessa forma, devem se sujeitar ao que for decidido e caso não o façam, o próprio Estado-juiz poderá lançar mão de determinados atos voltados para que isso ocorra.

III) Imutabilidade

Uma vez prestada a atividade jurisdicional e substituída a vontade e os interesses dos litigantes pela “vontade funcional”, as vezes até de forma imposta, a decisão daí decorrida tende a tornar-se imutável, no sentido de impedir que seja rediscutida por quem quer que seja, inclusive pelo próprio Estado-juiz. É este o selo de imutabilidade que chamamos de “coisa julgada material”.

É certo que para o direito brasileiro, apenas algumas decisões adquirem este status de imutabilidade. Contudo, o que ocorre é que as decisões que adquirem este grau, são, justamente, as decisões que viabilizam a prestação da tutela em sua maneira mais extensa, resolvendo o problema levantado. São as decisões que, após o exaurimento do “devido processo legal” e respeitado todos os momentos do contraditório e ampla defesa, têm condições de solver, com segurança, os contornos do litígio, encerrando a situação de ameaça.

Logo, a imutabilidade justifica-se para evitar a eternização dos litígios, evitando que situações já suficientemente apreciadas pelo Estado-juiz sejam levantadas novamente, oferecendo também segurança jurídica às partes envolvidas.

IV) Inafastabilidade

Por “inevitabilidade da jurisdição” deve ser entendida a circunstância de não ser legítimo recusar-se a atividade jurisdicional por qualquer que seja a justificativa. Desde que ela seja provocada, sua atuação e sua imperatividade da solução daí decorrente é inevitável.

É dizer que, rompida a inércia da jurisdição, o Estado-juiz tem que dar alguma resposta ao jurisdicionado, mesmo que seja contrária a seus interesses, mas não pode se esquivar e deixar de exercer a função jurisdicional, independentemente de lacunas e obscuridades da lei.

V) Indelegabilidade

A Indelegabilidade deve ser entendida no sentido de que os órgãos que podem exercer a função jurisdicional, atuar jurisdicionalmente, são única e exclusivamente aqueles que a Constituição Federal cria e autoriza. É vedado que haja alguma forma de “delegação” (ou “”” terceirização ”””) da função jurisdicional a outros órgãos ou pessoas que não previamente autorizados na nossa carta constitucional.

A Indelegabilidade da jurisdição pressupõe, igualmente, determinados atributos às pessoas físicas que agem em nome do Poder judiciário, como seus verdadeiros “representantes”, que exercem, em nome dele, a função jurisdicional, que são os magistrados dos diversos níveis.

VI) Inércia

A jurisdição é inerte no sentido de que ela não é prestada de ofício. Os interessados em sua prestação devem requerê-la, provocando o Estado-juiz. A inércia da jurisdição é a garantia da necessidade de imparcialidade que deve presidir o exercício da função. Se pudessem os próprios magistrados atuar por suas vontades próprias, certamente o valor da imparcialidade seria rompido.

Consequentemente, a inércia impõe também que o autor, o réu e eventualmente terceiros intervenientes provoquem o exercício da atuação jurisdicional ao longo do processo e não só em seu início. Caso não o façam, a tendência é a de que a prevaleça o estado inicial de inércia.

Veja que a inércia significa que o objeto sobre o qual ela age tende a se manter no estado em que foi colocado. Como uma bola, que em movimento, tende a continuar em movimento, até que alguma força a segure, momento a partir do qual a sua tendência é permanecer parada. Por outro lado, imagine que a bola pudesse mover-se sozinha. Em algum ponto, eventualmente ela se aproximaria do gol de alguma das partes. O processo é semelhante. Se não for constantemente provocado pelas partes, sua tendência é parar e até mesmo extinguir-se. E imagine que o processo se move por conta. Eventualmente aproximar-se-ia de beneficiar uma ou outra parte, rompendo com a ideia de imparcialidade.

Será ato jurisdicional aquele que, praticado pelo Estado-juiz, ostentar estas seis características ou, quando menos, puder ostenta-las. Algumas decisões jurisdicionais podem não ficar sujeitas a imutabilidade, mas nem por isso (e pelas demais características, além da aptidão) deixarão de ser um ato jurisdicional típico.

Para além dessas questões, importa também sublinhar ser incorreto associar a função jurisdicional com o papel de o Poder Judiciário “dizer o direito”, como se o magistrado se limitasse a revelar o direito preexistente ao caso concreto. A concepção do “juiz como boca da lei” não resiste às atuais escolas hermenêuticas, acolhidas pelo CPC. Ademais, para além de “dizer o Direito”, cabe ao Estado-juiz concretizá-lo no sentido de realiza-lo concretamente, no que é suficientemente claro o art. 4º do CPC de 2015.

a. Jurisdição contenciosa e voluntária

A classificação que distingue esses dois formatos de jurisdição tem como critério o modo pelo qual o juiz comporta-se diante do conflito.

O que caracteriza a jurisdição voluntária é a circunstância de já se saber a qual das partes a tutela poderá se apresentar. Nesse âmbito, o juiz não aplica o direito controvertido ao caso concreto, substituindo a vontade das partes. Pratica, diferentemente, atos integrativos da vontade dos interessados, de negócios jurídicos, que nestas condições, passam a ser administrados pelo Poder Judiciário. Trata-se muito mais de administração pública de interesses privados, uma vez que inexiste litígio entre as partes. Nesse sentido, são os procedimentos que se utilizam da jurisdição voluntária aqueles previstos entre os arts. 720 e 770 do CPC 2015, como por exemplo a alienação judicial (art.730), o divórcio e a separação consensual (art. 731) e a interdição (art. 747).

Por exclusão, temos então a jurisdição contenciosa como aquela que se apresenta no momento em que é necessária a composição de determinado litígio, seguindo todos os passos do devido processo legal e apresentando uma solução que pacifique as partes, impondo suas determinações.

b. A tutela jurisdicional

Como explica Elpídio Donizetti, o Estado, por meio do exercício da função legislativa, regula abstratamente algumas das relações desenvolvidas pelos membros da sociedade, estabelecendo juridicamente posições de vantagem e desvantagem, isto é, direitos e obrigações.

Essa tutela legal conferida pelo ordenamento jurídico aos indivíduos e à coletividade permite que o titular ou os titulares de um direito subjetivo ou potestativo invoquem, diante de uma situação concreta, a norma estabelecida a seu favor. Pode ocorrer, porém, de a lei não ser suficiente para evitar os conflitos de interesses, que na conhecida concepção de Carnelutti são caracterizados pela resistência de uma parte à pretensão da outra.

Surgido um conflito de interesses, a parte cujo direito é ameaçado ou violado deve buscar uma outra lei, uma lei específica para o caso concreto, representada pela decisão judicial que resolve o conflito de interesses ou, simplesmente, soluciona a lide. Para esse ofício, o Estado disponibiliza aos jurisdicionados a via processual, “cuja finalidade é garantir que a norma substancial seja atuada, mesmo quando o destinatário não o faça espontaneamente”.

Independentemente de ser titular ou não do direito material invocado, o indivíduo, ou a coletividade, pode acionar o Judiciário para que a(o) controvérsia/conflito de interesses seja dirimido. É o direito de ação abstrato e autônomo, já mencionado, cuja existência não está vinculada à do direito material que se busca proteger pela via do processo.

O direito de ação também não provoca, necessariamente, um provimento positivo ou negativo acerca da situação jurídica material controvertida. Para que haja tal provimento, devem estar presentes determinadas condições, sem as quais a prestação jurisdicional não definirá situação jurídica material alguma, devendo o órgão julgador extinguir o processo sem resolução do mérito.

Por outro lado, se presentes os requisitos necessários à admissibilidade do processo, o Estado-juízo terá o poder e a obrigação de prover a jurisdição, isto é, de resolver a lide, o conflito de interesses submetido à sua apreciação. A essa prestação jurisdicional que define ou satisfaz o direito material, dá-se o nome de tutela jurisdicional.

Importante não confundir a prestação jurisdicional com a tutela jurisdicional, haja vista que esta só será concedida àquele que efetivamente seja titular do direito subjetivo, ao passo que aquela é inexorável, desde que haja provocação do Estado para tal fim. Em outras palavras, todos têm direito à prestação jurisdicional (função do Estado estabelecida constitucionalmente), mas não necessariamente terão direito à tutela jurisdicional, só concedida ao efetivo titular do direito material invocado.

Por fim, a noção de tutela jurisdicional é bem resumida por José Roberto dos Santos Bedaque

Assim, tutela jurisdicional tem o significado de proteção de um direito ou de uma situação jurídica, pela via jurisdicional. Implica prestação jurisdicional em favor do titular de uma situação substancial amparada pela norma.

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Todo o conteúdo aqui agrupado foi retirado das doutrinas mencionadas abaixo e não há qualquer intenção deste organizador se fazer passar pelo autor de tais passagens e explicações.

1 Theodoro Júnior, Humberto.

Curso de Direito Processual Civil — Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum — vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense, 2018

2 Donizetti, Elpídio

Curso didático de direito processual civil / Elpídio Donizetti. — 20. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo: Atlas, 2017.

3 Gonçalves, Marcus Vinicius Rios

Direito processual civil esquematizado® / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. — 8. ed. — São Paulo : Saraiva, 2017. (Coleção esquematizado® / coordenador Pedro Lenza).

4 Bueno, Cassio Scarpinella

Manual de direito processual civil : inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4–2–2016 / Cassio Scarpinella Bueno. 2. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo : Saraiva, 2016.

5 Wambier, Luiz Rodrigues

Curso Avançado de processo civil [livro eletrônico] : teoria geral do processo, volume 1 / Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini, — 5. Ed. — São Paulo ; Editora Revista dos Tribunais, 2015.

6 Didier Jr., Fredie

Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento / Fredie Didier Jr. — 19. Ed. — Salvador; Ed. Jus Podium, 2017.

7 Neves, Daniel Amorim Assumpção

Manual de direito processual civil — Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves — 9. Ed. — Salvador. Ed. Jus Podium, 2017.

8 Santos, Ernane Fidélis dos

Manual de direito processual civil, volume 1 : processo de conhecimento / Ernane Fidélis dos Santos. — 16. ed. — São Paulo : Saraiva, 2017.

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