Noções introdutórias de processo civil

Um Universitário
Resumos de direito
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6 min readFeb 16, 2019
por Um Universitario

Viver em sociedade implica viver em conflitos. Os bens disponíveis são limitados — ou assim parecem -, e as necessidades, aspirações, interesses e pretensões são ilimitadas. Daí surgir o Direito como conjunto das normas gerais e positivas, disciplinadoras da vida social. Contudo, não basta traçar a norma de conduta. O equilíbrio e o desenvolvimento sociais só ocorrem se a observância das regras jurídicas fizer-se obrigatória.

Nesse contexto, o direito processual civil é o ramo do direito que se volta a estudar a forma de o Poder Judiciário (Estado-juiz) exercer a sua atividade-fim, isto é, prestar a tutela jurisdicional a partir do conflito de interesse (potencial ou já existente) que exista entre duas ou mais pessoas. Como é vedada que as pessoas envolvidas nesse conflito imponham, umas às outra, suas próprias soluções, elas devem dirigir-se ao Judiciário para tanto.

Para cumprir essa tarefa, o Estado utiliza um método próprio, que é o processo, que recebe denominação de civil, penal, trabalhista, administrativo etc., conforme o ramo do direito material perante o qual se instaurou o conflito de interesses. Para regular esse método de composição dos litígios, cria o Estado normas jurídicas que formam o direito processual, servindo de forma ou instrumento de atuação da vontade concreta das leis de direito material e, posteriormente, solucionando o conflito de interesses estabelecidos entre as partes, sob a forma de lide.

Esse caminho, portanto, estabelecido entre o acesso ao Judiciário e a obtenção da solução para o conflito, além da sua concretização prática — impositiva se for o caso — é de que se ocupa o direito processual civil e aquele que o estuda.

Trata-se, por isso, de ramo do direito público, porque se volta, em primeiro plano, ao estudo da própria atuação do Estado (o exercício da sua função jurisdicional). E esta análise merece ser feita tanto na perspectiva organizacional, ou seja, da estrutura do Poder Judiciário no Brasil, como na perspectiva funcional, isto é, como ele deve atuar para atingir aquela finalidade.

Norma jurídica processual

Costuma-se dizer que o direito opera regulando o comportamento humano. E não está errado. Uma parte substancial das normas jurídicas tem essa função. São normas impositivas de condutas. Elas proíbem ou autorizam (facultam) comportamentos, estabelecendo sanções para quem praticar as condutas proibidas ou para quem impedir que os outros pratiquem as condutas autorizadas. Assim, a norma que proíbe matar impõe uma conduta. O mesmo fazem as normas que asseguram a prosperidade, a liberdade de culto, de manifestação etc. Essas são as normas de conduta (ou primárias).

Mas elas não exaurem todo o universo de normas jurídicas. Elas, por si só, não seriam suficientes para que o direito (no sentido de ordenamento jurídico como um todo) se constitua. Para que o direito tenha dinamismo e efetividade não bastam normas que disciplinem as condutas das pessoas. São indispensáveis normas que regulem o próprio direito (a própria criação). Essas são as normas estruturais (ou secundárias). As normas de direito processual civil incluem-se entre as normas estruturais.

Em termos bem simplificados, pode-se afirmar que as normas jurídicas de direito material tratam das relações jurídicas que se travam no mundo empírico, na vida cotidiana, antes e independentemente de haver um processo.

O grau de obrigatoriedade das normas processuais

Pelo critério do grau de obrigatoriedade, as normas jurídicas podem ser classificadas em cogentes e dispositivas.

São cogentes, imperativas ou de ordem pública, as normas jurídicas que devem ser cumpridas, independentemente da escolha daqueles que lhes deva cumprimento e, mesmo, independentemente da escolha daquele que em princípio será beneficiado por tal cumprimento. Trata-se de regras inderrogáveis pela vontade das partes. Assim, por exemplo, são cogentes as regras relativas ao casamento. Aqueles que pretendem casar devem necessariamente observar o conjunto de regras que disciplinam a matéria, não havendo qualquer possibilidade de dispor diferentemente do que prevê, a respeito, o comando imperativo da lei. De nada valeria, por exemplo, a estipulação, entre os indivíduos pretendentes ao casamento, que dispusesse acerca de um prazo de validade da união.

Já as normas facultativas, ou dispositivas, embora também devam ser cumpridas, podem ser afastadas, nos limites permitidos pela própria lei, pela vontade das partes. Exemplo: a regra relativa ao casamento prevê que, se não houver prévia manifestação de vontade em contrário, no sentido da escolha do regime de bens desejado por aqueles que vão se casar, o regime legal será o da comunhão parcial (art. 1640, caput do CC). Todavia, desejando os noivos a adoção de outro regime de bens, podem, mediante pacto antenupcial, afastar o regime legal, isso é, da regra geral, e optar por outro regime. O próprio art. 1639, §2º do CC admite até alteração posterior, mediante autorização judicial, do regime de bens inicialmente escolhido.

Aplicação da norma processual no tempo

As normas processuais novas aplicam-se aos processos pendentes, conforme estabelecido através dos arts. 14 e 1046 do CPC/15.

O art.14 é mais completo, pois ressalva que a aplicação imediata da nova norma processual deve respeitar “os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”. Segundo Fredie Didier, o dispositivo é muito bem escrito. Para ele, o artigo esclarece que não há nada de especial na aplicação de uma norma processual.

Para concluir, dois exemplos:

I) Publicada a decisão, surge para o vencido o direito ao recurso. Se a decisão houver sido publicada ao tempo do Código revogado e contra ela coubessem, por exemplo, embargos infringentes (recurso que deixou de existir), a situação jurídica ativa “direito aos embargos infringentes” teria se consolidado; essa situação jurídica, portanto, tem de ser protegida. Assim, mesmo que o novo CPC comece a viger durante a fluência do prazo para a parte interpor os embargos infringentes, não há possibilidade de a parte perder o direito a esse recurso, pois se trata de uma situação jurídica processual consolidada.

II) No CPC revogado, o Poder Público possuía prazo em quádruplo para contestar; no CPC atual, o prazo é dobrado. Com a citação, surge a situação jurídica “direito à apresentação da defesa”. Assim, mesmo que o novo CPC comece a viger durante a fluência do prazo de apresentação da contestação, que se iniciou na vigência do código passado, será garantido ao Poder Público o prazo em quádruplo.

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Todo o conteúdo aqui agrupado foi retirado das doutrinas mencionadas abaixo e não há qualquer intenção deste organizador se fazer passar pelo autor de tais passagens e explicações.

1 Theodoro Júnior, Humberto.

Curso de Direito Processual Civil — Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum — vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense, 2018

2 Donizetti, Elpídio

Curso didático de direito processual civil / Elpídio Donizetti. — 20. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo: Atlas, 2017.

3 Gonçalves, Marcus Vinicius Rios

Direito processual civil esquematizado® / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. — 8. ed. — São Paulo : Saraiva, 2017. (Coleção esquematizado® / coordenador Pedro Lenza).

4 Bueno, Cassio Scarpinella

Manual de direito processual civil : inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4–2–2016 / Cassio Scarpinella Bueno. 2. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo : Saraiva, 2016.

5 Wambier, Luiz Rodrigues

Curso Avançado de processo civil [livro eletrônico] : teoria geral do processo, volume 1 / Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini, — 5. Ed. — São Paulo ; Editora Revista dos Tribunais, 2015.

6 Didier Jr., Fredie

Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento / Fredie Didier Jr. — 19. Ed. — Salvador; Ed. Jus Podium, 2017.

7 Neves, Daniel Amorim Assumpção

Manual de direito processual civil — Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves — 9. Ed. — Salvador. Ed. Jus Podium, 2017.

8 Santos, Ernane Fidélis dos

Manual de direito processual civil, volume 1 : processo de conhecimento / Ernane Fidélis dos Santos. — 16. ed. — São Paulo : Saraiva, 2017.

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