Petição inicial

Um Universitário
Resumos de direito
Published in
11 min readMar 7, 2019
por Um Universitário

Como a jurisdição não age de ofício (art. 2º), é necessário que o autor a provoque, o que é feito por meio da petição inicial, instrumento adequado à propositura da ação. Protocolada a petição inicial, a ação considera-se proposta e a partir de então, forma-se uma relação linear entre autor e juiz.

Feita a citação do réu, a relação processual que antes era linear, passa a ser angular, estabelecendo vínculos jurídicos entre o autor e o juiz, o juiz e o réu bem como entre o juiz e os demais sujeitos do processo.

Petição inicial e demanda

A relação entre a petição inicial e a demanda é a mesma que se estabelece entre a forma e o seu conteúdo. Do mesmo modo que o instrumento de um contrato não é o contrato, a petição inicial não é a demanda. A petição inicial é o instrumento pelo qual se apresenta a demanda, revelando a lide ao juiz e apresentando um pedido de providência jurisdicional. O autor, portanto, faz duas manifestações na inicial:

(I) A demanda da tutela jurisdicional do Estado, que causará a instauração do processo, com a convocação do réu;

(II) O pedido de uma providência contra o réu, que será objeto do julgamento final da sentença de mérito;

Por isso, petição inicial e sentença são os atos extremos do processo. Aquela determina o conteúdo desta.

a. Requisitos da petição inicial

A petição inicial, que só pode ser elaborada por escrito e que, salvo a exceção do art. 103, há de ser firmada por advogado legalmente habilitado, constituído representante judicial do demandante, deverá conter os seguintes requisitos, indicados pelo art. 319 do CPC:

(I) O juízo a que é dirigido: indica-se o órgão judiciário e não o nome da pessoa física do juiz.

(II) Os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de CPF ou CNPJ, endereço eletrônico, domicílio e a residência do autor e do réu: são dos dados relativos à qualificação as partes, necessários para a perfeita individualização dos sujeitos da relação processual e prática dos atos de comunicação (citações e intimações).

Caso não disponha dos dados relativos ao réu, poderá o autor, na petição inicial, requerer diligências necessárias à sua obtenção (art. 319, §1º);

Não será indeferida se, mesmo com a falta de alguma informação, for possível a citação do réu. Na verdade, em nenhum caso será justificado o indeferimento da petição inicial por incompletude dos elementos identificadores do réu, “se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça (art. 319. §3º);

(III) O fato e os fundamentos jurídicos do pedido: todo direito subjetivo nasce de um fato, que deve coincidir com aquele que foi previsto, abstratamente, pela lei como capaz de gerar a faculdade de que o agente se mostra titular. Daí que, ao postular a prestação jurisdicional, o autor tem de indicar o direito subjetivo que pretende exercitar contra o réu e apontar o fato do qual ele decorre. Incumbe-lhe, assim, descrever não só o fato material ocorrido como atribuir-lhe um nexo jurídico capaz de justificar o pedido que está apresentando.

(IV) O pedido com as suas especificações (causa de pedir): é a revelação do objeto da ação e do processo. Demonstrado o fato e o fundamento jurídico, conclui o autor pedindo duas medidas ao juiz; 1ª, uma sentença (pedido imediato) e 2ª uma tutela específica ao seu bem jurídico que considera estar sendo ameaçado ou violado (pedido mediato), consistindo em condenação do réu, declaração ou constituição de estado ou relação jurídica, conforme a sentença pretendida seja condenatória, declaratória ou constitutiva.

(V) O valor da causa: a toda causa o autor deve atribuir um valor certo (art. 289).

(VI) As provas com que pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados: não basta ao autor alegar os fatos que justificam o direito subjetivo a ser tutelado. Deve também, sob pena de sucumbência na causa, o ônus de provar todos os fatos pertinentes à sua pretensão. Daí a necessidade de indicar, na petição inicial, os meios de prova de que vai se servir. Basta indicar a espécie, como testemunhas, perícia, depoimento pessoal etc.

(VII) A opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou mediação: Finalmente, de acordo com o art. 106, I, deve o advogado declarar, quando postular em causa própria, na petição inicial, o endereço em que receberá as intimações no curso do processo.

Despacho da petição inicial

Chegando a petição às mãos do juiz, caberá a este examinar seus requisitos intrínsecos e extrínsecos antes de despachá-la positiva ou negativamente. Após o devido exame, proferirá uma decisão que pode assumir quatro naturezas:

(I) De determinação da citação: se a petição estiver em termos, o juiz a despachará, ordenando a citação do réu para responder;

(II) De saneamento da petição: quando a petição inicial se apresentar com lacunas, defeitos ou irregularidades, mas esses vícios forem sanáveis, o juiz não a indeferirá de plano. “Determinará que o autor, no prazo de 15 dias (quinze dias), a emende, ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado” (art. 321).

(III) De indeferimento da petição: do exame da inicial, ou do não cumprimento da diligência saneadora de suas deficiências pelo autor, pode o juiz ser levado a proferir uma decisão de caráter negativo. Trata-se de uma decisão meramente formal ou de rito, o que não impede o autor de voltar a propor a mesma ação, evitando, logicamente, os defeitos que inutilizaram sua primeira postulação.

Se ao analisar os fatos narrados pelo autor e o pedido, o juiz concluir que este não decorre logicamente dos fatos que foram levantados, poderá proferir decisão ao indeferir a inicial (art. 330, §1º, III), o que ocasionaria a perda da faculdade de propor a mesma ação novamente, uma vez que o mérito já foi resolvido.

(IV) De improcedência liminar do pedido: o juiz profere julgamento de rejeição do pedido, mediante julgamento de mérito negativo imediato, independente de citação do réu. São casos excepcionais apontados de forma taxativa pelo art. 332.

a. Indeferimento da petição inicial

O indeferimento da petição inicial é decisão judicial que obsta liminarmente o prosseguimento da causa, pois não se admite o processamento da demanda. Somente ocorre no início do processo: só há indeferimento da liminar antes da ouvida do réu. Após a citação, o juiz não mais poderá indeferir a petição inicial. A inépcia, por exemplo, pode ser reconhecida a qualquer tempo, mesmo após a contestação, mas, nesse caso, não implicará indeferimento da petição e sim, extinção do processo sem análise do mérito (art. 485, IV).

O indeferimento ocorrerá apenas na observação dos itens do art. 330, ou seja: (I) quando a inicial for inepta; (II) quando a parte for manifestamente ilegítima; (III) quando o autor carecer de interesse processual; (IV) não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321;

b. Inépcia

O art. 330 do CPC traz as hipóteses de inépcia:

- Ausência de pedido ou causa de pedir (inciso I): sem um pedido ou alguma demonstração de que o pedido é valido, será impossível ao órgão jurisdicional saber os limites da demanda e por consequência, os limites da sua atuação. A parte não pode expor suas razões de modo genérico, nem alegar a incidência de algum conceito jurídico sem demonstrar as razões da sua aplicação ao caso.

- Pedido indeterminado (inciso II): o pedido tem de ser determinado (art 324, caput), salvo em algumas hipóteses excepcionais. Sendo indeterminado fora dessas hipóteses, o caso é de inépcia.

- Quando da narração dos fatos não decorrer logicamente o pedido (inciso III): a petição tem de ser coerente. Se o pedido não resulta logicamente da causa de pedir, há contradição, ocasionando hipótese de inépcia.

- A cumulação de pedidos incompatíveis entre si (inciso IV): a compatibilidade dos pedidos é requisito para que se permita a cumulação, não podendo um pedido aniquilar o outro. Nessa situação o órgão julgador deverá determinar que o autor a corrija, escolhendo um dos pedidos ou trocando um deles por outro, agora compatível.

Observação importante

O art. 331, por sua vez afirma que, se for indeferida a inicial, o autor poderá apelar. Se de fato apelar, o juiz terá um prazo de 5 dias para se retratar e retomar a análise do processo (caput). Se o juiz não se retratar, deverá mandar citar o réu para responder o recurso (§1º).

Se a sentença que determinou o indeferimento for reformada, o tribunal devolverá os autos, sendo que a sua chegada ao órgão primitivo inicia a contagem do prazo para que o réu conteste (§2º). Por último, se o autor não apelar, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença (§3º).

O pedido

O núcleo da petição inicial é o pedido, que exprime aquilo que o autor pretende do Estado frente ao réu. É a revelação da pretensão que o autor expressa ver acolhida e que, por isso, é deduzida em juízo. Nele, portanto, se consubstancia a demanda, sem a qual não pode atuar a jurisdição.

Possui dupla finalidade: obter a tutela jurisdicional do Estado e fazer valer um direito subjetivo frente ao réu. Assim, é possível distinguir um objeto imediato e um objeto mediato. Imediato sendo a providência jurisdicional que se pretende (a condenação, constituição de nova situação jurídica etc.), sempre determinado e mediato sendo o bem da vida que o demandante espera ver atingido pela providência do poder judiciário, que pode ser genérico nos casos do art. 324.

a. Requisitos do pedido

Recomendam os arts. 322 e 324 do NCPC que o pedido deve ser certo e determinado, lembrando que a certeza e a determinação não são sinônimas nem requisitos alternativos. Devem os dois serem cumpridos individualmente.

Entende-se por certo o pedido expresso, pois não se admite que possa o pedido do autor ficar apenas implícito, salvo exceções definidas pela lei. Já a determinação se refere aos limites da pretensão. O autor deve ser claro e preciso naquilo que espera obter da prestação jurisdicional, bem como ao explicar qual a espécie de tutela jurisdicional está solicitando.

b. Cumulação de pedidos

O código de processo expressamente autoriza o cúmulo de pedidos no art. 327, e ela se configura quando mais de um pedido for formulado dentro de um único processo.

A cumulação pode ser simples, quando o acolhimento ou a rejeição de um pedido não afeta o outro. Pode ainda ser sucessiva, quando o acolhimento de um pedido pressupõe o acolhimento de um pedido anterior (ex: rescisão do contrato e consequentes perdas e danos). Pode ainda ser alternativa ou eventual.

A primeira, aliás, só impropriamente pode ser considerada modalidade de cumulação, pois a pluralidade que se mostra não é de pedidos, mas de objetos (mediatos). A diferença entre os dois é que, em caso de procedência, no pedido alternativo é a parte quem determina qual dos possíveis resultados serão aproveitados, enquanto na cumulação eventual essa decisão fica por parte do órgão judicial.

  • Requisitos para a cumulação

A cumulação de pedidos deve preencher alguns requisitos, sob pena de não ser admitida.

Como já salientado, a cumulação indevida de pedidos não pode implicar indeferimento da petição inicial sem que se dê ao demandante uma oportunidade de corrigir o vício. Vejamos os requisitos:

(I) Compatibilidade dos pedidos: também é requisito para a cumulação de pedidos que eles sejam compatíveis entre si (art. 327, §1º, I). A incompatibilidade dos pedidos decorre do direito material, razão pela qual alguns autores usam a expressão “incompatibilidade substancial”.

(II) ompetência: somente é possível a cumulação se o juízo tiver competência absoluta para conhecer de todos os pedidos formulados (art. 327, §1º, II). Caso tenha competência para um e não tenha para o outro, poderá haver cumulação. Deverá o magistrado, no entanto, admitir o processamento do pedido que lhe é pertinente, rejeitando o prosseguimento daquele que é estranho à sua parcela de jurisdição.

(III) Identidade de procedimento: exige-se ainda, para a admissibilidade da cumulação, uma compatibilidade procedimental entre os pedidos formulados. Todos devem tramitar pelo mesmo procedimento (art. 327, §1º, III). Ainda que os pedidos correspondam a procedimentos diversos, será possível a cumulação se puderem ser todos processados pelo procedimento comum.

c. Pedidos implícitos

Em regra, o pedido tem de ser certo e determinado (arts. 322 e 324), o que repele a viabilidade de pedido oculto, indeterminado ou implícito. Todavia, o Código admite alguns pedidos que dispensam formulação expressa pela parte

O pedido implícito é aquele que, embora não explicitado no instrumento da postulação, compõe o objeto litigioso do processo em razão de determinação legal. Mesmo que a parte não peça, deve o magistrado examiná-lo e decidi-lo.

São exemplos de pedido implícito: a) os juros legais (art. 322, §1º); b) ressarcimento das despesas processuais e dos honorários advocatícios (art. 322, §1º); c) correção monetária (art. 322, §1º); d) pedido relativo a obrigações com prestações periódicas, pois o autor está desobrigado a pedir as obrigações que ainda não venceram. Sendo assim, o magistrado deve inclui-las na decisão, assim como as prestações não pagas.

d. Ampliação da demanda

Salvo os casos em que se admite pedido implícito, incumbe ao autor formular na petição inicial todos os pedidos que puder contra o réu. Poderá o autor, contudo, aditar a petição inicial antes da citação, desde que arque com as despesas do aditamento (art. 329, I).

Após a citação do réu e até o saneamento do processo, o autor pode aditar a demanda, desde que o réu autorize — há aqui um negócio processual típico: ampliação negociada do objeto litigioso do processo. Obviamente, garante-se ao réu o direito de defender-se em relação ao novo pedido (art. 329, II).

Há, porém, algumas ponderações importantes:

Se o novo pedido for conexo ao pedido originário, não há razão para impedir o aditamento, mesmo após o saneamento do processo. Isso porque, em razão da conexão, se o pedido for apresentado em demanda autônoma, os processos haveriam de ser reunidos.

Autor e réu podem acrescentar, em eventual auto composição, lide que não componha o objeto litigioso originário (art. 515, §2º).

A regra do Código é a da liberdade de alteração do pedido, que pode ser feita pela vontade exclusiva do autor, se o fizer até a citação. Sendo possível a modificação do pedido após a citação, deve-se observar se o réu é, ou não, revel. Continua sendo necessária a renovação da citação no caso do réu que não contestou a ação, pois é impossível alguém responder processualmente por pretensão que não tenha sido objeto de prévia citação.

Após o saneamento, é vedada qualquer alteração objetiva promovida pelo autor, mesmo com o consentimento do réu. Em razão disso, não se pode alterar objetivamente o processo em fase recursal.

CLIQUE AQUI

Todo o conteúdo aqui agrupado foi retirado das doutrinas mencionadas abaixo e não há qualquer intenção deste organizador se fazer passar pelo autor de tais passagens e explicações.

1 Theodoro Júnior, Humberto.

Curso de Direito Processual Civil — Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum — vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. — Rio de Janeiro: Forense, 2018

2 Donizetti, Elpídio

Curso didático de direito processual civil / Elpídio Donizetti. — 20. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo: Atlas, 2017.

3 Gonçalves, Marcus Vinicius Rios

Direito processual civil esquematizado® / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. — 8. ed. — São Paulo : Saraiva, 2017. (Coleção esquematizado® / coordenador Pedro Lenza).

4 Bueno, Cassio Scarpinella

Manual de direito processual civil : inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4–2–2016 / Cassio Scarpinella Bueno. 2. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo : Saraiva, 2016.

5 Wambier, Luiz Rodrigues

Curso Avançado de processo civil [livro eletrônico] : teoria geral do processo, volume 1 / Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini, — 5. Ed. — São Paulo ; Editora Revista dos Tribunais, 2015.

6 Didier Jr., Fredie

Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento / Fredie Didier Jr. — 19. Ed. — Salvador; Ed. Jus Podium, 2017.

7 Neves, Daniel Amorim Assumpção

Manual de direito processual civil — Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves — 9. Ed. — Salvador. Ed. Jus Podium, 2017.

8 Santos, Ernane Fidélis dos

Manual de direito processual civil, volume 1 : processo de conhecimento / Ernane Fidélis dos Santos. — 16. ed. — São Paulo : Saraiva, 2017.

--

--