óbvio ululante

a lista besta (e óbvia) de fim de ano

Ricardo Silva
Retalhos de Tudo

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Dois mil e dezessete talvez seja sido o ano da obviedade. Nunca se repetiu tanto o óbvio para tantas pessoas e tantas delas não se atentaram para o que estava ali, embaixo do nariz. Essa nossa conversa não é de novidades, não tem nada novo aqui e talvez você consiga completar minhas frases ao mesmo tempo que vai, parágrafo a parágrafo, fazer aquela cara entediada de “eu já sei”. Mas estava eu cá com os botões meus fazendo a tradicional pesagem do ano e me vi listando algumas obviedades necessárias para o próximo ciclo e talvez não haja grande mal em compartilhá-las numa conversa informal e mais íntima.

Mesmo sabendo tanto sobre tantas coisas, ainda nos enrolamos em armadilhas visíveis e depois nos atordoamos ao tentar compreender como caímos nelas e nos dá uma tontura ainda maior ao perceber que, ao sair de uma complicação, já nos preparamos (in)voluntariamente para entrar em outra. Esse é um processo cansativo que nos empurra para uma maré de culpa que aparenta ser interminável. Mas deixa eu te dizer o óbvio: não é. Pode ser que com algumas noções a gente evite certos caminhos e permita que o novo ciclo de dois mil e dezoito seja, pelo menos, um tantinho mais descomplicado e menos confuso.

Sim, eu sei, vai parecer uma lista inútil de resoluções de final de ano. E, de uma forma ou de outra, é mesmo. Mas corte esse bloqueio e vamos acertar alguns ponteiros para os próximos trezentos e sessenta e cinco dias:

- Entenda o seu tempo: eu não disse que seriam obviedades? A gente cansa de ouvir isso, mas parece que entra num ouvido e sai pelo outro. Dedicar-se a compreender como você funciona pode permitir que as suas relações com o mundo externo sejam mais amenas e mais transparentes. Não force a barra consigo, e tente estabelecer um período de calma. Sei que na pressa cotidiana isso soa meio irrealizável, mas se permita. Esqueça os ruídos de fora e tente ler, com honestidade, o que acontece aí dentro, no barulho da sua cabeça.

- Não tenha pressa: e isso aqui diz muito sobre como você lida com o tempo dos outros. Paciência é o elemento fundamental aqui nesse lance inteiro. As pessoas seguem suas próprias estruturas mentais e desenvolvem seus próprios métodos de lidar com as coisas. Respeite isso. Se respeite também no meio disso tudo, porque às vezes a gente se atropela pela impulsividade, mete os pés pelas mãos e depois que já está tudo completamente embaralhado, temos o dobro de trabalho para descomplicar. Fique calmo, não é o fim do mundo e dá para esperar. Espere o desenrolar das coisas e veja o que você pode fazer. Tenha calma.

- Não carregue pesos sozinho: por vezes estamos tentando dar conta de demandas internas nossas que são intricadas demais para que só uma pessoa resolva. Não tente ser herói de si, evite se sobrecarregar emocionalmente. Divida os pesos. Converse com alguém, fale dos problemas de forma aberta e sincera. Sei que você pode dizer que é uma pessoa solitária e que não tem amigos para conversar, mas pense até que ponto isso não é um indicador de um bloqueio que você possa ter desenvolvido que te empurrou para uma solidão compulsória. Sei que é doloroso e arriscado estabelecer relações com os outros seres humanos — eles sempre parecem estar conspirando contra a gente — , mas é no Outro que existe um certo alívio para os processos mais pesados da vida. Não tenha medo de dividir seus pesos com quem tenha disposição para carregá-los.

- Compreenda o seu espaço e não se isole nele: deixe bem claro para todos que existe um espaço na vida que é só seu, que ali só você transita, faz o que prefere, se comporta como quer, e toma suas próprias decisões. É o seu espaço de isolamento seguro, onde você fica com os seus botões e ninguém pode entrar nele. É só seu. Nem namorado, nem amigos, nem família, nem ninguém. Esse espaço é seu. Se você ainda não consegue enxergar com muita clareza esse ambiente, talvez seja hora de moldá-lo, construí-lo. Não é algo de um dia ou uma semana, mês ou ano, demanda tempo. Mas vá por mim: depois de pronto, ali vai ser uma zona segura. Porém, uma cautela é necessária: não se isole no seu espaço. Ele é para ser uma zona de segurança, não de completo isolamento. Não se feche em si. Exercite o equilíbrio.

- Perceba a natureza das suas cobranças: o que você cobra do Outro diz o quê sobre você? Não se apresse em responder essa pergunta, mas procure a resposta para ela.

- Deixe o encanto acontecer: são muitas as experiências negativas que nos colocam numa defesa automática. É compreensível. Mas não deixe que isso te impeça de se chocar — não de ficar chocado — , de se deslumbrar com o que pode te acontecer. Existem pessoas terríveis, mas existem também as incríveis, as poderosamente apaixonantes. Não fique com medo de dar mergulhos profundos, só se certifique antes se a piscina está cheia. E não esqueça que “mistério sempre há de pintar por aí”. O mistério é o que nos define, não se feche para ele.

- Estabeleça uma relação de independência com as redes: não serei o último a dizer isso, e estou longe de ser o primeiro, mas as redes sociais, a internet, é um lugar bastante perigoso por várias e múltiplas razões. Nenhuma delas é saudável. Fique menos tempo ali na rede azul, na outra de microblog, ou naquela verdezinha que te inferniza o dia inteiro. Tire um tempo para estar fora disso, desligar o wifi e fazer qualquer outra coisa fora desse lugar — existe muito a ser feito fora da tela. Não dependa disso pra se conectar com o mundo, porque essa conexão não tem internet no mundo que faça.

- Respeite sua dor e seu luto: luto não é apenas sobre morte literais. Existe várias mortes simbólicas, de relações amorosas e afetivas, de amizades que se rompem, de afastamentos dolorosos, e também de mortes reais. Você vai ter que lidar com as perdas durante o próximo ciclo. É das poucas certezas que temos. Por isso, respeite o tempo da perda, do luto disso. Não se force a uma superação apressada, sem que as cicatrizes não estejam aparecendo no tempo delas e nem se prenda no luto e fique paralisado por ele.

- Tudo bem não ser feliz o tempo todo: pode ser — não conte para ninguém — que o carinha que está escrevendo esse texto não seja lá muito partidário da ideia de felicidade, mas sei que você acredita nela e é baseado nisso que sugiro que você seja feliz. Mas tudo bem não se sentir encaixado no modelo de felicidade que é buzinado no nossos ouvidos todo santo dia. Tudo bem mesmo. Chore quando for pra chorar — e se for em público, não tem problema ou se for no ombro de um desconhecido, está tudo certo. Tristeza não é o fim do mundo, chorar sem motivo idem. Nem todo mundo nasce feliz, não é? Nem precisa ser feliz, mas só de estabelecer uma relação saudável consigo que as coisas vão se equilibrando.

- Aposte alto: aquela situação que te dá um medo tenebroso, que te congela só de pensar nela, que você tem medo de avançar e descobrir o que tem do outro lado da porta, do outro lado do “sim”. Pois é, vai lá e diga “sim”. Pode dar super errado, e você quebrar a cara. Mas ainda não vi ninguém ficar bem na vida — não é de ­vida, ok? — sem uns hematomas. E olha só como a vida pode ser: o risco pode dar certo. Você nunca cogita essa possibilidade, não é? Mas ela está lá, existente e esperando a oportunidade de ser. Permita que seja.

O novo ciclo não vai alterar em nada o circuito da sua existência. Não é um calendário que vai mudar isso. Mas certas determinações fazem toda diferença e enquanto estivermos respirando amadurecer é o objetivo. Só que isso você já sabe, não é? É óbvio que sabe!

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