Presos a nós: Encontros e Desencontros

Leonardo Lopes
Retroativo
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3 min readMay 15, 2018

Longa de Sofia Coppola assimila a incompreensão característica do século XXI.

Lost in Translation, 2003.

“You’re not lost.”

As palavras que Bob Harris (Bill Murray) diz para Charlotte (Scarlett Johansson), enquanto se permite adormecer ao seu lado, representam um alento inestimável para qualquer um que as ouça enquanto proferidas com sinceridade.

Sentimo-nos absolutamente perdidos. Este sentimento é, muito provavelmente, a principal característica do indivíduo do século XXI. Desamparados quanto aos nossos próprios sentimentos, órfãos das convicções que nos guiaram, indecisos quanto ao que desejamos e, sobretudo, perdidos com relação ao outro — e, como membros de uma espécie de hábitos necessariamente coletivos, estamos, portanto, condenados.

Ao entrar no elevador, Bob percebe-se absolutamente isolado. O semblante daqueles que o cercam soa irreversivelmente distinto do seu, e as barreiras comunicativas existentes entre ele e todos os que estão à sua volta são essencialmente intransponíveis. Bob está preso a si; encarcerado à própria consciência. Forçado a um tão contemporâneo individualismo consequente do desencontro com a possibilidade de compreensão por parte do outro — seja quem ele for.

O idioma, fruto primordial da comunicação, fora arbitrariamente desenvolvido para o estabelecimento de compreensão e troca entre diferentes seres humanos. Que diferença há, entretanto, entre ver-se desacompanhado, num território desconhecido, onde ninguém é capaz de entendê-lo, ou estar no próprio país, cercado de quem compartilhe de sua linguagem e referências culturais, mas sem jamais sequer aproximar-se de encontrar outro indivíduo capaz de, verdadeiramente, compreendê-lo?

Se a comunicação constrói-se a partir de uma relação de compreensão, podemos considerá-la, atualmente, uma impossibilidade concreta.

“- Do I need to worry about you, Bob?

- Only if you want to.”

Não nos encontramos órfãos de quem compartilhe conosco semelhantes experiências, hábitos, angústias, indecisões, anseios e sentimentos apenas quando estamos em território estrangeiro. Ao reagir de forma melancolicamente indiferente à pergunta de sua esposa, Bob parece realizar-se, enfim, de que nem a pessoa que tem como mais próxima em sua vida é capaz de aproximar-se verdadeiramente de suas angústias. O Japão de Bob, o Japão de Charlotte, em todas as suas estranhezas comportamentais e culturais, peculiaridades gastronômicas e experiências excessivamente maquinizadas, é meramente metafórico — a sensação de “estrangeirismo” nos toma mesmo nas mais estreitas e familiares localidades.

Bob e Charlotte perceber-se-iam tão ou mais solitários caso estivessem em suas regiões de origem. Como também nos percebemos. Relegados à orfandade de confiança, notam-se emocionalmente distantes mesmo de quem acreditavam-se, outrora, mais próximos. Têm, em seus sentimentos, um arcabouço comprometido a ponto de não conseguirem mais alcançar sensações legítimas com nenhuma experiência. Estão enclausurados a si. Como temos apenas o “eu”.

Exceto por quando encontram um ao outro. As indecisões e o desamparo que compartilham os aproximam imediatamente. Voltam a experimentar a legitimidade das experiências vitais apenas por dividirem a mesma companhia. Encontram, um no outro, a tão distante compreensão — e os basta, numa realidade onde ninguém mais fora capaz de ouvi-los, de aproximar-se de suas angústias e incertezas. De oferecê-los um sorriso em meio a uma multidão de semblante indiferente. E pouco os importa que saibam ser breve, passageiro — têm a consciência de que, sendo verdadeira, aquela experiência os valerá como a que muitos poderão não alcançar por toda a sua existência. A brevidade do que compartilham nada significa perto da verdade da experiência. Não abraçá-la, por maior que seja a dor de seu iminente e próximo fim, seria um erro irreversível.

É uma pena que erramos tanto. E permanecemos perdidos.

Originalmente publicado em 25 de setembro de 2017.

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Produzindo comunicação contemporânea.

Leonardo Lopes
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Written by Leonardo Lopes

Jornalista graduado pela FAAP/SP, pós-graduando em Sociopsicologia pela FESP/SP.