Jurassic World: Reino Ameaçado

Leonardo Lopes
Retroativo
Published in
4 min readJul 2, 2018

Retroativo aborda o blockbuster que ocupa as salas de cinema brasileiras.

Se o projeto fosse parte da realidade, história de Jurassic Park seria a história de um geneticismo cego pela própria capacidade e noção de avanço. Uma ciência isenta da percepção, no instrumento de progresso que representa, de que a matéria-prima com a qual lida são vidas; incapaz de atravessar a epiderme na qual a ciência é apenas “ciência”, experimento, sem incidir sobre o vital. Um modus operandi já adotado em criações existentes.

À história de “Jurassic Park” (1993), de Steven Spielberg, credita-se um criador em direção oposta àquela lógica. Além da superfície, o cineasta carrega a virtude da sensibilização da mesma ameaça — a criatura — que somos naturalmente levados a temer. A compreensão de que, transformada em criatura, a gênese manifesta a responsabilidade de seu criador. Um que a explorou até que este, inevitavelmente, fosse seu destino — e, com ela, também se condena. A humanização do temor atribui dubiedade ao suspense — e, entre outros fatores, anexou à produção o selo de obra-prima.

Responsável por “Jurassic World: Reino Ameaçado” (2018), em cartaz no circuito cinematográfico nacional, o catalão J.A.Bayona manifesta ter assimilado algumas das ideias do “mentor involuntário” para a franquia — até a margem que esta última palavra e seu peso comercial permitisse. A exemplo do demonstrado em “O Impossível” (2012), a habilidade para incitar emotivamente o espectador permanece nas mãos do realizador. Naquela ocasião, o fazia a partir de uma natureza a provar seu poder inconteste, devastador e fugaz do controle antrópico. E não é possível dizer que este não seja o mote da narrativa jurássica. Com um quê de revanchismo, nesta oportunidade a natureza retoma para si a criação que a ela originalmente pertencera — em todas as suas contraindicações quanto ao convívio humano. De forma distinta, a matéria-prima para a comoção permanece.

A transição entre o sofrimento de Blue e os momentos de parceria com seu treinador, Owen Grady (Chris Pratt), mérito, também, do montador Bernat Vilaplana — parceiro habitual do diretor — , denota a intenção de expor, na obra, a afetividade carregada como herança da relação — para ambos os envolvidos. A sequência na qual um braquiossauro, aos poucos ofuscado pela fumaça, “clama por socorro” nos momentos finais da Ilha Nublar, entretanto, é suficiente para oferecer a noção emocional alcançada por Bayona no longa-metragem. Afora sua grandiosidade visual, o instante nos sensibiliza quanto a cada um dos animais que, ali, encaram a inevitabilidade de sua trágica morte, enquanto impacta pela capacidade humana de desenvolver vidas e, a certo ponto, selecioná-las — nas espécies “salvas” — diante de sua finitude. Não há salvação para aquele animal, que ainda a espera, em vão, num derradeiro grito aos que o fizeram viver e, enfim, o deixaram para trás.

Lamentável que, contudo, os sensíveis esforços da direção constantemente sejam sabotados pelo texto de Derek Connolly e Colin Trevorrow, inibido por um gesso franquiado que parece obrigar este capítulo a, constantemente, remeter à existência de “O Mundo Perdido: Jurasic Park” (1997), segundo título da trilogia original e último dirigido por Steven Spielberg. Desta maneira, assim que iniciamos a visita final à Ilha Nublar, uma relação de antagonismo entre duas equipes, a “cientista/ecológica” e a “militar”, nos é forçada sem que hajam episódios precedentes de conflitos entre seus membros — exceto se decidirmos por considerá-los reencarnações de Dr.Ian Malcolm (Jeff Goldblum), Peter Ludlow (Arliss Howard) e seus respectivos e contrastantes grupos, que há mais de duas décadas pudemos conhecer. A falta de contextualização atribui artificialismo à situação e, posteriormente, quando, de fato, o lado belicista expõe sua truculência e a perversidade de suas intenções e incomoda os protagonistas, já não há mais espaço para que possamos encará-la com autenticidade. Pouco a pouco, a trama de exploração corporativista, que carregaria seu simplismo sem maiores danos à obra, afoga-se na falta de originalidade que precisa reproduzir a sequência da “primeira vista” de um braquiossauro — sem o mesmo impacto, evidentemente — e, afinal, carregar os grandiosos animais até um navio que fatalmente (em todos os sentidos do termo) os coloque no “mundo real” — mais uma vez, chamando para si a referência reprodutiva d’“O Mundo Perdido: Jurassic Park”.

Alcunhas de uma franquia que, enganosamente recicladas por um novo roteiro, podem amaldiçoar seus novos caminhos; alcunhas de um cinema que, do ponto de vista do entretenimento, ainda oferecem muito. Neste sentido, “Jurassic World: Reino Ameaçado” acerta as contas com o espectador num terceiro ato que nos leva ao ponto de encontro marcado: aquele no qual as criaturas tomam para si o protagonismo, punindo sadicamente as fanfarrônicas figuras humanas verdadeiramente más — aqui, nas interpretações assumidamente cafonas de Toby Jones, Ted Levine e Rafe Spall — e lutando vorazmente entre si, na esperada ocasião do tradicional clímax. Preocupa que, em sua segunda investida, os herdeiros de Jurassic Park voltem a investir numa fórmula que fatalmente nos leva a discutir centralmente os elementos da trilogia original — e não me refiro apenas à boa nostalgia que, por vezes, decorre da experiência. Conquanto, seus últimos instantes oferecem a perspectiva razoável de novos caminhos para uma série que, esperamos, ainda poderá oferecer boas histórias para o imaginário jurássico de seus admiradores.

Convido-lhes a ler, também, meu texto sobre “Jurassic World — O Mundo dos Dinossauros”, publicado na época de lançamento da produção (2015), neste link.

02/07/2018.

--

--

Leonardo Lopes
Retroativo

Jornalista graduado pela FAAP/SP, pós-graduando em Sociopsicologia pela FESP/SP.