41ª Semana da Comunicação FAAP

Leonardo Lopes
Retroativo
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9 min readSep 22, 2018

Os destaques de 2018 do tradicional evento da faculdade paulista.

Entre os dias 17 e 21 de Setembro, a Faculdade de Comunicação da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) realizou, em São Paulo, a 41ª edição de sua tradicional Semana da Comunicação. Por cinco dias, a instituição proporcionou aos estudantes — e ao público externo, mediante inscrição — uma gama de atrações que percorreram a atualidade de diferentes segmentos do campo de atuação — palestras de profissionais destacados, mesas de discussão e exibições de filmes com a presença de seus realizadores. Fazendo jus à programação, o evento deste ano preencheu o vácuo percebido em 2017 e retomou, de fato, a abrangência plural de temáticas, abordagens e conhecimentos da comunicação, a partir da proposta de cercar os caminhos ainda indefinidos para o futuro da área, que atravessa um desafiador período de transformação. Participamos do evento e, neste texto, estão nossas observações sobre algumas de suas principais atrações.

“Como se preparar para a era dos dados na comunicação”

A palestra de abertura, na manhã de segunda-feira, teve apresentação de Ana Cester, responsável pelo agency measurement lead do Facebook no Brasil. Cada vez mais instrumentalizada para fins publicitários, a rede social representa, hoje, uma incógnita para marcas e comunicadores que desejam crescer dentro dela — uma indefinição que permanece, ainda que com certos indicativos da estratégia para saná-la.

O tal “targetting” buscado pelo uso dos meios de promoção da plataforma é, ainda, um cenário nebuloso em território nacional — segundo Cester, mais de 40 institutos de pesquisa auxiliam a empresa de Zuckerberg nos EUA para a construção de dados de público, ao passo que, no Brasil, há escassez neste sentido. Todavia, ainda não há outro ambiente digital que nos ofereça tantos recursos de direcionamento — desde que, conforme indicação da própria, saibamos quais são nossos objetivos na coleta das informações. A máxima do “tudo está mudando”, já conhecida, impõe exigências ainda mais criteriosas ao mercado publicitário digital — mesmo o Facebook, até há pouco uma aposta certeira para quem estivesse disposto a pagar pela disseminação de seu conteúdo na web, hoje é uma teia muito mais entrelaçada, cabendo ao profissional da comunicação empenhar-se para desvendá-la. Por enquanto, algumas lições oferecidas: aprofundar-se na visualização de dados e estatísticas, gerir projetos e estabelecer objetivos, investir no autoconhecimento e no trabalho colaborativo e atentar-se ao “feedback”.

“65 anos da Rede Record”

Em seguida, o Centro de Convenções da FAAP acolheu os jornalistas Adriana Araújo e Heródoto Barbeiro. O título da atividade sugeria uma celebração corporativa da emissora, mas o que houve, de fato, foi a mais prolífica conversa da Semana, com algumas preciosas lições para aspirantes ao jornalismo.

Primeira a falar, a âncora do “Jornal da Record” ilustrou, por meio de efetivos exemplos de sua prática, o compromisso de ser “funcionária da notícia”. No relato, a jornalista compartilhou sua experiência na recente greve dos caminhoneiros, onde, numa cobertura repleta de plantões — o chamado hard news — , o que nomeia “tribunal do Twitter” (ou o anseio da audiência) não abalava ou pautava, em nenhum momento, uma abordagem calcada exclusivamente sobre a necessidade de informar os ocorridos e consequências do episódio.

Por sua vez, o veterano da Record News relata uma proposta jornalística distinta, em seu diário “Jornal da Record News”, onde a análise, a explicação e a interpretação dos fatos são os principais objetivos. Enquanto os meios digitais oferecem a informação imediata, Barbeiro descreve a intenção diária de seu “programa de notícias”, como intitula o jornal, em oferecer esclarecimentos mais profundos ao público, por meio da audição de especialistas com opiniões dissonantes. “Nós informamos, e vocês fazem a cabeça de vocês.”, complementa o âncora e editor-chefe.

Quando questionada pelos professores da mesa e pelo público presente, a dupla de jornalistas ainda tocou em temas de extrema relevância e atualidade para o ofício, tais como fake news “Sempre duvide da fonte” é a lição deixada por Barbeiro — , a responsabilidade da imprensa ao denunciar — “Você vê o canhão que tem em suas mãos”, pondera Adriana, ao narrar um caso com fortes consequências reportado ainda no início de sua carreira — e o dano que pode ser causado pela ânsia da descoberta, do furo e da divulgação rápida no processo de apuração da notícia.

“Revisitando a película”

A data de abertura do evento ainda reservou, à tarde, a exibição do clássico “Cidadão Kane” (1941), de Orson Welles, em formato 16 mm, no Auditório 1 do campus. Para apaixonados pelo cinema, a experiência analógica desperta sentimentos de difícil descrição. Paralelamente, as discussões sobre ganância, obsessão e comprometimento da mídia levantadas pelo longa-metragem, eternizado pela história, permanecem substanciais e presentes.

“A destruição de Bernardet”

Na manhã de quarta-feira, a Semana abrigou a projeção d’“A Destruição de Bernardet” (2016), filme de Claudia Priscila e Pedro Marques — presentes na exibição. Em contraposição ao profundo e quase cômico amargor de Bernardet, no auge de seus 82 anos, a obra é sensível e incide sobre temas como a memória, o despropósito, a linearização artística da vida, e a morte, implacável. Uma das mais corajosas sequências do longa, a “autoentrevista” coloca um dos mais respeitados pensadores e intelectuais do cinema nacional para, nas etapas quase finais de sua existência, confrontar algumas de suas mais encarnadas convicções e crenças — e, segundo o próprio, celebremente presente no Auditório 1 da Fundação, a iniciativa da cena foi sua, como forma de evitar “Ser entrevistado e bajulado por alguém”. No bate-papo após a sessão, Bernardet ainda pôde verbalizar observações sobre sua descrença no registro, revelando as fitas e gravações presentes na obra como “farsas” idealizadas pelos diretores e dando cabo à tradicional discussão acerca da encenação no documental — e, na afirmação “pedimos para que ele mentisse”, do diretor Pedro Marques, a assunção do discurso torna seu objeto de estudo ainda mais fascinante. Não à toa, também no relato do realizador, este destaca a decisão de adotar uma equipe reduzida para estender o período das filmagens, sugerindo que, para começar a debruçar-se sobre a figura de Bernardet, doze meses ainda podem ser pouco.

“Algoritmos: Nós sabemos o que é bom para você!”

Outra atração a discutir processos intrigantes e ainda indefinidos da atualidade da comunicação, a mesa reuniu um conjunto de estimados professores da casa, responsáveis pelo desenvolvimento em trânsito de um livro sobre o tema.

Primeiro orador, o professor José Corrêa Leite situou algumas das transformações socioeconômicas já efetivadas pela tecnologia, a exemplo do fato de que, hoje, sete das dez empresas mais valiosas do mundo estão neste campo. O encerramento da fala do cientista social verbaliza uma provocação quanto aos próximos passos deste mundo digitalizado, onde surgimento e emergência dividem espaço com destruição e catástrofe, sugerindo que talvez não estejamos diante de um futuro utópico ou distópico, mas um misto de ambos. Seguindo o raciocínio, a professora Gabriela Tessitore partiu da referência à teoria da Esfera Pública, do filósofo alemão Jürgen Habermas, para colocar à prova a disseminada concepção das redes sociais enquanto uma extensão contemporânea desta esfera — e questionou: se o espaço da cidadania pressupõe como normas a contrariedade e a liberdade de expressão, como um ambiente ordenado por algoritmos e limitações impostas aos discursos produzidos poderia reproduzi-lo?

Na terceira fala, coube a André Gatti, professor do curso de cinema da FAAP, abordar a produção cultural dentro deste cenário. “Quem migrou para a internet foi o capital, e os meios o seguiram”, afirmou de início. Em seguida, ressaltou a precarização do trabalho nas corporações digitais, uma vez que a frequência adotada no meio virtual tornaria o modelo tradicional de equipes de produção insustentável, e a maneira de lidar, ética e legalmente, com estas novas questões que se apresentam. Ainda neste espectro temático, o professor Thiago Costa indaga sobre o futuro criativo das obras audiovisuais desenvolvidas neste ambiente: até que ponto pautar roteiros pelos algoritmos, orientados pelo potencial de público e retorno, não será prejudicial para a criação narrativa? O coordenador da pós-graduação em Comunicação e Marketing Digital da instituição ainda mencionou exemplos nos quais esta “fórmula” falhou, indagando a capacidade de sustentação da mesma.

Na aspecto do impacto dos algoritmos sobre as relações humanas, o professor Diogo Bornhausen abriu os trabalhos recordando que a consciência do obsessivo fascínio tecnológico não nos previne ou livra dele — afinal, reforçou, este instrumento das redes as transforma em ambientes absolutamente agradáveis, dos quais dificilmente conseguimos nos afastar. Direcionadas pela economia da atenção, as plataformas digitais insistem nesta estratégia a ponto de sedimentarem espaços redundantes, nos quais a “cultura da semelhança” impera e, caso transborde para o real, poderá semear a intolerância. Buscando assimilar o princípio motivador desta natureza, a professora Mariana Paula Oliveira o coloca sob o guarda-chuva do on demand, interpretando este conceito do mercado digital enquanto uma reprodução do nosso narcisismo primário: um sistema que promete a abolição do nosso tempo de espera pela obtenção de satisfação e a exclusão do divergente, oferecendo-nos a ilusão de que toda a realidade gira em torno do que desejamos.

“Novos modelos de negócio no jornalismo”

Supervisor executivo do Grupo Globo, Rafael Sbarai foi o encarregado de discorrer sobre as alternativas para o provável setor da comunicação mais afetado pelo processo de transição: o jornalismo. Professor de Pesquisa em Jornalismo da FAAP, o palestrante estabeleceu um termo-chave para a discussão: valor. Tendo em vista que a internet é coletivamente encarada como um “universo gratuito”, a maioria dos veículos jornalísticos nacionais ainda não soube atravessar o limiar que os permite prosperar sem o faturamento da mídia física, cada vez mais próxima do insustentável — e, sendo assim: como cobrar pelo que é digital?

Para Sbarai, o profissional do ofício encara, hoje, o desafio de passar a pensar o conteúdo enquanto produto, algo anteriormente inimaginável na profissão. A partir de exemplos norte-americanos, ligados especialmente ao “Washington Post” e ao “The New York Times”, apontou a efetividade alcançada pela exploração de múltiplas plataformas virtuais para oferecer ao público iniciativas e empreendimentos de prestação de serviço. Associando-se cada vez mais a profissionais de outras áreas — tais como designers e publicitários — para levar suas ideias adiante, acrescentou, o jornalista pode encarar o futuro com otimismo.

“O cinema de Glauber Rocha no exílio”

Na data derradeira do evento, um dos maiores nomes do cinema brasileiro teve a fase mais obscura de sua carreira examinada pelos professores Martin Cezar Feijó e Humberto Silva, da FAAP, e Maurício Cardoso, da USP, com direito a calorosas participações do público — estudantes e outros professores. Partindo do longa-metragem “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1969), a análise da mesa levantou perguntas instigantes acerca da figura histórica do cineasta: quais são os riscos corridos por um artista que recusa a submissão às convenções tradicionais da arte e da cultura? O que desloca os maiores artistas e pensadores da chamada realidade lúcida e racional?

A perseverança das incertezas quanto à natureza de Glauber Rocha é um dos fatores mais fascinantes no estudo da vida e obra daquele que, afirma Feijó, “é um dos maiores ícones da cultura brasileira”. E o seu folclórico e emblemático desencaixe da realidade ou das expectativas sociais — “A insanidade de Glauber está presente em todas as suas biografias, com este nome ou não”, reitera Cardoso — acrescenta mais uma camada de eternidade à tão breve quanto marcante existência do estimulante artista.

“Encontro com Ailin Aleixo, do Gastrolândia”

Em mais uma necessária discussão a respeito dos novos paradigmas da criação jornalística, a professora Nathalie Hornhardt proporcionou aos alunos de Jornalismo um encontro com a fundadora e autora do Gastrolândia, reconhecido portal de jornalismo gastronômico. Na mesa, Ailin Aleixo relatou suas experiências no tato com as contradições do mercado midiático. Ao mesmo tempo em que impôs ao profissional a necessidade de cumprir múltiplas funções e, por vezes, assumir uma “personagem” para alcançar propagabilidade — fatores que podem causar a decadência do produto — , o cenário digital também passou a tratar com maior seriedade segmentos como o jornalismo gastronômico, cultural e de entretenimento, oferecendo maior pluralidade de espaços para o desenvolvimento de conteúdo, além de ser menos contaminado pela necessidade de uma produção pautada pelos anunciantes, o que era muito frequente na mídia impressa, relata Aleixo. A jornalista também aconselhou os aspirantes da área a “rodarem a cidade” em busca de novos espaços e ideias fora do meio ao qual se habituaram, evitando a comum lógica do “pautar-se por release” para, assim, alcançarem a produção de conteúdo relevante.

22/09/2018.

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Leonardo Lopes
Retroativo

Jornalista graduado pela FAAP/SP, pós-graduando em Sociopsicologia pela FESP/SP.