Crítica | O Último Duelo resgata Idade Média para abordar assunto contemporâneo

Duelo travado por personagens de Matt Damon e Adam Driver é baseado em história real sobre estupro.

Victor Malveira
Reviews on Time
3 min readJul 20, 2022

--

Matt Damon e Adam Driver, em cena do filme O Último Duelo (Divulgação) — Reviews on Time
Matt Damon e Adam Driver, em cena do filme O Último Duelo (Divulgação) — Reviews on Time

Quando se lê a sinopse ou assiste aos minutos iniciais de O Último Duelo, a sensação é de que o filme será mais um sobre rivalidades por territórios ou por questões religiosas institucionais. Ele faz uma quebra de expectativa quanto ao que vai ser a história de O Último Duelo.

No entanto, o filme de Ridley Scott utiliza-se de características e elementos da época para discutir um tema socialmente contemporâneo.

Baseado em uma história real do século 14, o embate entre Jacques Le Gris (Adam Driver) e Jean de Carrouge (Matt Damon) mostra o duelo por suas honras, vidas e por suas verdades sobre o relato de Maguerite de Carrouge (Jodie Comer), esposa de Jean.

Maguerite é a personagem por qual a premissa de O Último Duelo passa. Ela relata ter sido estuprada por Le Gris e precisa provar que seu relato é verdadeiro, porém não é ela que tem de fazer isso. O fator religioso é fundamental para o desenrolar da situação.

Embora o pano de fundo da história seja a Idade Média, o assunto é contemporâneo e pode ser facilmente relacionado com os dias que vivemos agora. A violência contra a mulher, a palavra dela posta em dúvida, a exposição e o julgamento compõem o cenário costumeiro nesse tipo tema. E a edição do filme apresenta muito bem como o tema é em sua realidade.

Temos três versões apresentadas em capítulos chamados de A Verdade Segundo Jean de Carrouge, A Verdade Segundo Jacques Le Gris e, por último, A Verdade Segundo Maguerite, sendo que ‘verdade’ é a última palavra a sumir, ficando mais tempo na tela. É a indicação, sútil, de que a versão de Maguerite é a correta.

As versões de Carrouge e de Le Gris mostram versões boas, ou quase isso, de si mesmos e, embora tenham suas desavenças, ambos se tratam com cordialidade no relato um do outro. Há um pacto não escrito de masculinidade entre eles. Os relatos dos dois cavaleiros apresentam visões muito benevolentes de si próprios.

Jean de Carrouge não é um homem tão honrado e compreensivo, segundo a versão de sua esposa Marguerite, apesar de ele achar aquilo de si próprio. Violento, ele dúvida do relato de Maguerite e escolhe um duelo contra Le Gris para provar, ou limpar, sua masculinidade.

O caso de Le Gris é ainda pior. O relato expõe toda a culpa dele, ou seja, que ele estuprou Marguerite. Da mesma forma que ocorre nos dias de hoje, o homem que estupra nunca é considerado culpado sozinho. O personagem de Adam Driver culpa seus instintos de homem, um amor incontrolável por Maguerite e, segundo ele, um possível flerte correspondido por ela.

Os acontecimentos de 1386 não ficam distantes do que ocorre hoje, e a competência de O Último Duelo explicitar isso é evidente. A crítica é clara. É bem fácil para quem assiste entender a mensagem passada e relacionar com o presente.

No fim das contas, o duelo entre Jean e Le Gris não se trata sobre Maguerite, mas sobre a disputa pela masculinidade de cada um deles. De um lado o marido que se sente traído por sua esposa e do outro, o galã conquistador de mulheres que é desafiado quando uma a rejeita.

É um embate para ver quem é mais homem. Maguerite fica refém do acaso, sem amparo, dependendo de uma força maior para livrá-la da morte. O Último Duelo é, na verdade, mais um dos vários duelos travados desde sempre quando ocorre um estupro.

Nota: 4/5 (Muito Bom)

Direção: Ridley Scott
Roteiro: Nicole Holofcener, Matt Damon, Ben Affleck
Elenco: Matt Damon, Adam Driver, Jodie Comer, Ben Affleck, Alex Lawther

--

--

Victor Malveira
Reviews on Time

Um quase jornalista que tenta ser cinéfilo. O objetivo aqui é escrever resenhas de filmes, séries e de outras coisas aleatórias. Amante de futebol.