100 dias de Esperança

Brenda Jacques Souza
Revista 2021/1
Published in
8 min readJun 22, 2021

A vacinação em Porto Alegre trouxe a expectativa de dias melhores, entretanto, metade das mortes pela infecção respiratória na capital ocorreu cem dias após a primeira dose.

A vacinação ocorreu por Drive Thru, Unidades de saúde e Unidade móvel. Fotos: Brenda Jacques e Felipe Cardoso.

Por Brenda Jacques, Émerson dos Santos e Felipe Cardoso

A capital recebeu o primeiro lote de vacinas contra a covid-19, CoronaVac, no dia 18 de janeiro de 2021, mesmo dia em que a vacinação começou em todo o país. Assim, surgia na cidade uma perspectiva de dias melhores. Contudo, os cem dias após essa data, finalizado em 27 de abril, os porto-alegrenses vivenciaram o pior momento da pandemia; aumentando 233% o número de mortos, em comparação com o período sem vacina, de março de 2020 a janeiro de 2021. O mês de março de 2021 foi o período em que tivemos recordes de óbitos, vindo assim ser o “Março Letal”, pois tiveram 7.344 mortes contabilizadas. Além de os hospitais chegarem a ter mais de 115% dos leitos ocupados, gerando desgastes e sobrecarregando os profissionais de saúde. Levando todo esse processo em conta, alguns especialistas avaliaram se a capital gaúcha está se saindo bem nessa luta contra a covid-19.

A vacinação ocorreu por Drive Thru, Unidades de saúde e Unidade móvel. Fotos: Felipe Cardoso

Os cem primeiros dias de vacinação em Porto Alegre foram marcados pelo alívio de alguns por receber a primeira dose, mas pela tristeza de muitos pelo número altos de óbitos. Nesse período, a capital gaúcha vacinou com a primeira dose, 34% da população total. Inicialmente, o foco foi a população-alvo (profissionais de saúde, população Indígena e Quilombola, idosos e pessoas com deficiência) que consta com 100% vacinada.

Para obter esse resultado, o prefeito de Porto Alegre Sebastião Mello (MDB) destacou o trabalho realizado e as parcerias estabelecidas desde o início: “Desde que chegou a primeira vacina, ela foi ‘pro’ braço. Operamos sábado, operamos domingo, tivemos parcerias com universidades, com o Exército Brasileiro”, relatou.

Com relação à segunda dose, que teve início em 10 de fevereiro, 17% da população total já foi vacinada e o público-alvo consta 68% imunizado. A capital gaúcha se destaca na vacinação comparada a outras capitais. Para Gerson Junqueira, presidente da Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), o resultado é satisfatório até o momento: “Estamos de parabéns, afinal de contas, proporcionalmente Porto Alegre é a capital brasileira que mais aplicou a primeira dose da vacina contra a covid-19; temos 33,23% da população vacinada”, comemorou.

O ritmo da vacinação na capital gaúcha se destaca, por isso o prefeito Sebastião Melo prevê que toda a população de Porto Alegre seja vacinada antes de novembro: “Temos uma expectativa: final de setembro e início de outubro, se as vacinas que estão prometidas chegarem, vacinar nossa população vacinável, hoje, de 1,1 mil pessoas”, projetou.

O gráfico abaixo mostra o percentual de vacinados na cidade, considerando a população total que pode ser vacinada (Maiores de 18 anos), primeira e segunda doses aplicadas:

Gráfico: Felipe Cardoso.

Outro efeito da vacinação em Porto Alegre é a segurança que os profissionais da saúde têm para realizar o seu ofício. Mais de 92% do público alvo da área da saúde recebeu a primeira dose nos cem primeiros dias. Segundo a enfermeira da UTI covid-19 do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Amanda Fragoso, a vacinação foi importante para o desempenho da sua profissão: “Particularmente, trabalho mais tranquila estando vacinada. As chances de eu desenvolver a forma grave (da doença) são mínimas”, confessou.

O drive-thru na zona norte da capital foi o local que mais aplicou vacinas até o momento, contabilizando quase 50 mil doses entre a primeira e a segunda dose. O mapa abaixo mostra a quantidade de vacinas aplicadas em todos os locais de vacinação em Porto Alegre:

Mapa: Felipe Cardoso.
Gráfico: Felipe Cardoso.

Contraditoriamente, neste período Porto Alegre viveu o seu pior momento na pandemia. Até o centésimo dia de vacinação, 4.321 pessoas perderam a vida desde o início da pandemia, 53% desses óbitos ocorreram depois do dia 18 de janeiro. Outro dado que indica piora na situação é em relação aos leitos de UTI disponíveis, no dia 15 de março 117,43% dos leitos estavam ocupados na capital gaúcha.

Para o pesquisador de virologia Fernando Spilki, a velocidade da vacinação contribui para o avanço do vírus: “A vacinação tem evoluído muito lentamente, o que abre espaço para a continuidade da pandemia e da própria evolução do vírus, temos tido também um contingente de ao redor de 30% de pessoas que não volta para a segunda dose”, pontuou.

Doses da vacina são aplicadas na Praça México no Bairro Rubem Berta. Foto: Brenda Jacques

Março letal

Com a troca de gestão na capital gaúcha no meio da pandemia, a estratégia de combate a pandemia também teve mudanças. Para o infectologista Dr. Ronaldo Hallal, a forma de gestão da prefeitura não contribuiu para conter o avanço do vírus: “Especialmente a partir do início deste ano, o município de Porto Alegre não propôs ações para o aumento do isolamento para conter a pandemia. Pelo contrário, mesmo diante do colapso do sistema de saúde, o prefeito segue pressionando para ampliar a circulação de pessoas e adotando medicamentos ineficazes”, relatou.

Com hospitais operando acima da capacidade, o Rio Grande do Sul viveu em março o período mais letal da pandemia da covid-19. Em 31 dias, 7.344 óbitos foram identificados pela Secretaria Estadual da Saúde (SES). O número representa mais que o dobro do recorde anterior, que foi reportado em dezembro, com 2.090 vítimas fatais. Além de superar o dobro de dezembro de 2020, março teve mais mortes que janeiro, 1.751 e fevereiro, 1.911, somados, consequentemente se tornando o pior mês desde o começo da pandemia no RS, conforme o virologista Fernando Spilki isso é uma mescla de fatores como novas variantes, medidas de controle ineficientes e vacinação lenta.

O especialista acredita ainda que dois fatores contribuem para essa situação:

“Temos uma vacinação muito tímida e esses fenômenos estão muito associados à dinâmica do próprio vírus e da sociedade ainda. Também deve-se contar que até que se observe um efeito da vacinação é preciso tempo, tanto para o indivíduo responder, quanto do ponto de vista populacional precisa de uma cobertura ampla.”, afirmou.

Hospitais à beira do colapso

O Presidente da AMRIGS, Gerson Junqueira avaliando os hospitais no mês de Março. Foto: Luciana Corso/AMRIGS

Essa elevação nos números gera reflexos nos hospitais, no mês de abril voltou a registrar 90% das ocupações das UTIS nos hospitais. Diante deste cenário, o presidente da Amrigs, Gerson Junqueira, lamentou a situação dos últimos meses difíceis. “Nos últimos 60 dias, nosso sistema de saúde, tanto público como privado, chegou à beira do colapso, com ocupação desmesuradamente

preocupante. Gravidade maior da cepa viral P.1, demanda crescente de casos, mortalidade inquietantemente elevada. Tudo isso com ocupação acima de 110% ou mais em alguns hospitais.”, frisou.

A pior situação nos hospitais foi no período de 3 de março a 11 de abril, durante esse momento Porto Alegre ultrapassou 100% de ocupação geral dos leitos de UTI, chegando no seu ápice em 15 de março, com 116%. Conforme Gerson os pacientes que apresentam Covid-19 de forma mais grave permanecem mais tempo nos hospitais, cerca de 3 semanas ou mais, diferentes de um paciente com doença cardiovascular, por exemplo.

Com o aumento dos casos, também culminou com maior carga horária dos profissionais da saúde, que estão sendo sobrecarregados a jornadas exaustivas, conforme relatou Claudia Ribeiro, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (SERGS). “São 12h, 18h porque na grande maioria os colegas estão se afastando por sintomas e os 14 dias que ficam não são repostos. Essa jornada é um fator de erro, pensa na linha de frente você trabalhar com todos os EPIS e tu acaba não tomando água e segurando as necessidades fisiológicas ao máximo, porque comprovadamente é na desparamentação que ocorre as contaminações”, relatou.

A sobrecarga nas jornadas foi algo que os profissionais tiveram que se adaptar, porém tiveram um suporte para realizarem essas jornadas, conforme relato da Rosangela Gomes Schneider, presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (COREN-RS), onde destaca o apoio obtido: “Somente em 2020, foram distribuídos 38,8 mil máscaras N95 para colegas que estavam atuando nos leitos UTI Covid19 dos 75 hospitais de todo o estado com este tipo de atendimento. Ainda tem o projeto Enfermagem Solidária, canal online, sete dias por semana, 24 horas por dia, com enfermeiros voluntários especializados em saúde mental para prestar apoio emocional a colegas que estejam precisando”, destacou.

Rosangela, ainda destaca os procedimentos adotados por profissionais da área da saúde durante o isolamento social: “A enfermagem lida com muito zelo com familiares. Muitos profissionais ficam em departamentos da casa separados da família, mantêm roupas contaminadas em áreas isoladas e há muitas situações de profissionais que decidem viver longe dos familiares para correr o risco de contaminá-los”, relatou.

Volta ao “novo” normal

Aulas presenciais retornaram no fim de Abril em Porto Alegre. Foto: Giulian Serafim/PMPA

Mesmo com o número maior de mortes nos últimos meses, a capital, através do decreto 55.856 que coloca o Rio Grande do Sul em bandeira vermelha, liberou alguns estabelecimentos. Entre eles, o ensino presencial teve seu retorno no dia 29 de abril, a professora Denise Almeida, que voltou ao presencial no dia 3 de maio, relatou que, por enquanto, apenas 25% dos alunos retornaram às atividades normais. A professora julgou perigoso o regresso às aulas neste momento. “Um enorme descaso com a saúde pública, pois não estaremos apenas colocando nossas vidas em risco, mas de todos os nossos familiares. Isso é um absurdo, estão nitidamente com olhar único e exclusivo na economia e nem aí para vida.”, criticou.

Em live realizada, no dia 7 de maio, a secretária de Educação de Porto Alegre, Janaína Audino, informou que 80% das escolas municipais estão abertas ao retorno das aulas presenciais e mais de 10 mil alunos já retornaram. Apesar disso, professores e diretores cogitam começar greve. Na mesma live, o prefeito Sebastião Melo disse: “Se necessário, vamos requisitar mão de obra de professores da rede privada e colocar nas escolas públicas”, caso permaneça a greve.

Para o especialista Dr. Ronaldo Hallal é difícil fazer uma projeção do novo normal, por causa do método como de como a prefeitura encara a pandemia:

“O prefeito de Porto Alegre não imprime políticas baseadas em evidências, portanto não é possível responder. Somente deveria retornar com alta cobertura vacinal, taxa de transmissão comunitária < 10%, Rt < 0.7, disponibilidade de leitos de enfermaria e UTI, distribuição de máscaras adequadas”, opinou.

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