Camila Ferreira
Revista 2021/1
Published in
12 min readJun 23, 2021

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Por: Camila Ferreira e Kainan Kunzler

As mortes de pessoas mais jovens e sem comorbidades que foram contaminadas pelo coronavírus, entre 20 e 39 anos, passaram de 62 para 198 em um período de apenas 30 dias no início deste ano no Rio Grande do Sul. Até os dados em que foi divulgado o boletim da Secretaria Estadual de Saúde (SES) do dia 20 de abril, os especialistas considerados que a situação era preocupante. Para se ter uma ideia, em 15 de fevereiro, por exemplo, eram 2.176 pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) no Estado. Mas um mês depois, em 15 de março, esse número passou para 7.853 pessoas.

Mas se os casos de pessoas que não eram do grupo de risco e que enfrentavam a doença em leitos hospitalares preocupavam, a situação passou a ser considerada alarmante em relação aos óbitos. Do início da pandemia até março de 2021, ou seja, no período de um ano, 12.561 pessoas morreram. Em abril, o número de pessoas falecidas devido à covid-19 mais que dobrou, chegando a 28.225. Isso representa um aumento de 224% em pouco mais de um mês. E um dos grupos que registrou grande elevação de mortes, é justamente como pessoas sem comorbidades e com menos de 40 anos de idade. Uma alta de 319,35%

O mês de março ficou marcado como o mais letal da pandemia no Estado, afetando de forma extrema o sistema de saúde. No dia 15 de abril, por exemplo, atingiu a sua maior taxa de ocupação de leitos de tratamento intensivo, chegando ao patamar de 110,21%. Com o crescente número de internações e óbitos, o governador Eduardo Leite determinou uma bandeira preta para todas as regiões, fechando comércios e diversos setores correlacionados. A medida fez parte do sistema de distanciamento controlado, que teve como objetivo conter o avanço da contaminação. No dia 19 de abril, após o período de restrições, a ocupação já diminuiu para 86,73%. Nos primeiros dias de maio, Leite anterior e passado todo o Estado para bandeira vermelha.

Para a médica infectologista, Karin Rauber, que atua junto a Secretaria Municipal de Saúde de Alvorada, o contágio de jovens e pessoas mais velhas é o mesmo, contudo, como novas cepas podem trazer maiores problemas aos mais novos: “O que parece é que os jovens estão tendo um quadro clínico um pouco mais agravado, um quadro mais grave do que a cepa inicial tinha ”, comentou.

O período antes de um feriado é o mais comum para que jovens sejam infectados. E foi o caso de Fabiula Kuhnen, 21 anos, dona de casa e moradora da cidade de Canoas, que em março de 2020 foi infectada em uma festa rave com cerca de 20 mil pessoas. “Quando eu comai apresente os sintomas, que eram diarreia, dor de cabeça, perda de olfato, paladar e febre muito, mas muito alta mesmo, eu me isolei em casa”.

Pensamento ao pouco conhecimento na época, Fabiula foi mandada para casa pelo médico que a atendeu. Já Juliano Santos, 40 anos, relata que seu irmão teve tratamento semelhante: “Eu fui me consultar com um amigo que é médico e recebi o coquetel completo. Meu irmão foi no postinho do bairro dele e só deram remédio para dor e o mandaram embora ”. Juliano, apesar de ser um ano mais velho que o grupo com aumento de mortes, entre 20 e 39 anos de idade, tem um histórico do atleta, além de ser praticante de corridas e de levantamento de peso.

Durante o período de restrições, o governador Leite defende que esses dias podem auxiliar o Estado não enfrentamento da pandemia, contribuindo para a redução dos contágios e ocupação de leitos hospitalares. Porém, em decorrência da pressão de setores setoriais e prefeitos, em 22 de março de 2021, o Rio Grande do Sul voltou para o sistema de cogestão com os municípios, permitindo que as prefeituras adotassem medidas mais brandas. Tornado isso, foi possível o retorno das atividades comerciais. Mas mesmo com a volta destes serviços, o impacto das semanas com restrições foi visto como uma medida importante para a redução dos indicadores.

Festas Clandestinas

Após o Carnaval deste ano, os indicadores definidos a subir no Estado. Atrelado às festas clandestinas e aglomerações ocorrem em várias cidades, parte da população gaúcha acreditou, na época, que a vinda de pacientes de Manaus, no Amazonas, para tratamento nas cidades de Porto Alegre e Canoas pode ter contribuído para a expansão de novas cepas e para o crescente quadro de internações e óbitos. Para Leite, o atendimento a essas pessoas não poderia ter sido negado, como ressaltou na época durante uma entrevista coletiva: “A questão dos pacientes que recebeu de um pedido do próprio Ministério da Saúde, se não eles morreriam sufocados, sem oxigênio, sem estrutura aquele Estado ”, destacou.

Desde o início da pandemia, os especialistas alertavam para os grandes riscos de contágio de pessoas acima de 60 anos e que possuíam comorbidades. Esse alerta acabou gerando um novo problema, constatado pelo governo. Ou seja, pessoas jovens acabaram ignorando os protocolos de segurança porque acreditaram que não seriam contaminadas, ou até mesmo, se infectadas, que não apresentam túmulos.

Essa máxima instaurada em território nacional, acabou sendo desmentida com uma elevação de vários tipos de casos relacionados à covid-19, como internações e até mesmo óbitos de pessoas examinadas jovens. E isso no País inteiro. Segundo dados do boletim epidemiológico da SES, publicado em 12 de março deste ano, com indicadores impressos até o dia 9 de abril, faixa da etária do 0 aos 59 anos, sem comorbidades, havia 403 óbitos pela doença em todo o Estado. Já o levantamento com indicadores indica até o dia 20 de abril, que o número de mortes chegou a 1.171 na mesma faixa etária. Houve um aumento de 290%.

Como referenciado por especialistas, alguns dos vetores de contágios foram exatamente os eventos em geral. A jovem Fabiula, que esteve em uma festa, foi um dos casos que se enquadraram nesta situação durante toda a pandemia. Ela destacou que na época em que foi na rave não restrito, sendo o período mais rígido, em que medidas se aproximavam do bloqueio. “Iniciou, inclusive, na segunda-feira posterior à realização do evento”, disse. Ao falar sobre as primeiras medidas restritivas, Fabiula comentou que, naquele primeiro momento, ninguém respeitava os protocolos e determinações, tanto é que, durante o período inicial da sua quarentena, chegou a ir uma vez ao supermercado, mesmo que as recomendações selecionadas direcionadas ao isolamento. Porém, em decorrência dos sintomas terem piorado, ela teve de permanecer em repouso.

Para a infectologista Karin, o início do processo de vacinação dos idosos pode ter contribuído para a redução das internações deste grupo, mas também porque as pessoas mais velhas acabaram respeitando mais os protocolos de segurança e as recomendações de distanciamento, ações que, em muitos casos , não estavam sendo mantidas pelos mais jovens na época. “O que vemos é um número muito grande de jovens sendo contaminados, principalmente nos período pós-feriado, em que a gente sabe que os cuidados não são seguidos”, disse Karin.

Órgãos como a Guarda Municipal, Vigilância Sanitária e Brigada Militar intensificaram desde o último ano suas ações, ampliando o seu campo de fiscalização para festas, aglomerações em parques e praças, além de eventos dos mais variados tipos. Mesmo sendo, segundo especialistas da área da saúde, um dos principais disseminadores do coronavírus, esses tipos de aglomerações não pararam de acontecer. Um levantamento divulgado pela Guarda Municipal de Porto Alegre de março de 2020 a 20 de janeiro deste ano identificou que os agentes realizaram mais de 11 mil ações de fiscalização, com 567 autuações a lojas comerciais e pessoas.

Diferença no Tratamento

Diagnosticado com covid-19 no começo de março de 2021, Santos, que corre diariamente e faz levantamento de peso, sem histórico de comorbidades, teve todos os sintomas comuns presentes: febre, dor de cabeça, dor no corpo. Seu irmão também testou positivo para infecção de coronavírus. Santos relatou que realizou um churrasco com várias pessoas e, logo na sequência, seu irmão testou positivo para o coronavírus. Ele destacou que o atendimento médico foi diferente para ambos. Enquanto o familiarizado apenas medicamentos para dor, em consulta pelo SUS, ele teve uma recomendação de usar um coquetel de medicamentos ao ser tratado por um médico específico.

Diferentes grupos

Samuel Chapoval, 25 anos, diagnosticado na segunda quinzena de março como contaminado pela covid-19, teve poucos sintomas, apenas dor de cabeça. Mas sua namorada, que tem 21 anos, já teve falta de ar e muitas dores no corpo. Seu sogro, José Armando, foi testado positivo após tomar a primeira dose da Coronavac em Estância Velha, no Vale do Sinos. “No caso do sogro os sintomas foram moderados, muito mais fraco do que o acontecido com a Vitória (namorada), que teve muita falta de ar e dores no corpo”, disse Chapoval.

Tainara Dalvitt disse que seu avô, que foi contaminado antes de ser vacinado, teve uma doença de forma mais moderada do que em outros familiares. Ela destacou que ele não pode ser imunizado, na época em que poderia devido a sua idade, pelo fato de que todos os parentes estavam infectados. Tainara ressaltou que ele não tem condições de se locomover sozinho. Mesmo assim, com 85 anos, tendo a doença de Alzheimer e dificuldades de locomoção, não sintomas. “Entre nós, foi o único que não apresentou sintomas. Minha cunhada, que mora no andar de baixo de casa, ficou ruim, necessitando inclusive do uso de oxigênio ”, explicou Tainara.

Crianças

Levando em consideração o montante total de infectados e internações por coronavírus no Rio Grande do Sul, o número de crianças é considerado baixo. Mas há um alerta por parte dos infectologistas. A médica Karin ressaltou que, após o contágio de crianças, até mesmo como que foram assintomáticas, em um período de quatro a oito semanas, poderá ser desenvolvido a Síndrome Inflamatória Multissistêmica, que é uma sequela grave do contágio. “Um quadro grave, onde muitas delas precisam de hospitalização”.

Segundo dados do boletim epidemiológico da SES, até 20 de abril, o Rio Grande do Sul teve 88 notificações sobre casos desta síndrome. Deste total, 45 casos foram confirmados, sendo 27 fatos relacionados a meninos e 18 a meninas. Além disso, houve um óbito. Além disso, especialistas constaram uma elevação de crianças que chegaram ao tratamento intensivo. Segundo dados do mesmo boletim do governo, da faixa etária de 0 a 9 anos, foram internadas 117 crianças em UTIs, sendo que 75 possuíam comorbidades e 45 não. Os registros ainda apontam que 14 crianças morreram: 11 com outras doenças relacionadas e três sem nenhum problema pré-existente.

Vida cortada pela metade

A expectativa de vida do brasileiro é de 75 anos, mas Priscila de Luca não resistiu às complicações pós covid-19 e faleceu aos 35 anos, menos da metade deste tempo. Seu sogro, João Ferreira, relatou que os sintomas após as festas do último final de ano, quando a nora precisou ser internada. Após a alta hospitalar, Priscila ficou com diversas sequelas, inclusive dificuldades de locomoção e de visão. Mas em março, no pior momento da pandemia, ela não resistiu e faleceu em uma sessão de hemodiálise, necessária em decorrência da parada dos rins após infecção pelo coronavírus.

Com a vacinação sendo ampliada para mais camadas da população, a expectativa da SES é que o contágio diminuído e que a normalidade pode ser obtida. Até que isso ocorra, médicos e especialistas reforçam a importância de seguir os protocolos de segurança como uso de máscara, álcool em gel e cuidados em geral com a higiene das mãos. Além destes pontos, é ressaltada a importância de se evitar aglomerações para que os indicadores não voltem a subir.

Os extremos da pandemia no RS

Em Novo Tiradentes, município da região norte do Estado, os indicadores da pandemia são um dos mais controlados do RS. Na cidade, segundo dados do portal Covid-19 da Secretaria Estadual da Saúde, até 12 de junho o município registrava 87 casos de coronavírus e nenhum óbito pela doença. Em contrapartida, o município de Canoas, cidade da região metropolitana da capital, os indicadores são altos. Com 1473 mortes pelo coronavírus,

Ao longo do período de pandemia em solo gaúcho, duas realidades são evidenciadas nos indicadores deste período. Os extremos são vistos nos municípios de Nova Tiradentes e Canoas, respectivamente a cidade com zero óbitos por Coronavírus e o município com o maior número de mortes pelo vírus.

Esperança na vacinação

Com estudos sendo realizados desde os primeiros casos da covid-19 no mundo, vacinas criadas a ser desenvolvido, testadas e licenciadas no final de 2020. O Brasil iniciou seu processo de imunização em janeiro deste ano utilizando doses da Coronavac, vacina Chinesa que gerou perdeu por sua origem, debates que segundo o Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, nunca estudou ter existido: “É uma discussão que não é válida, ea gente até poderia colocar numa prova disso que o Brasil é um dos grandes produtores de vacina da Febre Amarela, imagina se algum outro país fosse questionar a qualidade da aplicação aqui ”.

Questão de grande impacto no enfrentamento da pandemia, pois vacinas estão auxiliando na proteção de idosos e pessoas com comorbidades que já estão sendo imunizados pelo país, mas como é visto nos indicadores, o contágio e internações de não imunes vem subindo e os papéis se invertendo . Para Cunha, a imunização de fato está impactando na alteração dos indicadores, contudo o descumprimento de normas sanitárias e os exemplos negativos passados ​​por governantes acabam sendo negativos para o enfrentamento: “O Ministério da Saúde não consegue comunicar nem uma campanha, nem como orientações. E aí de novo, como é que o Ministério vai orientar uma coisa, que os seus chefes pensam muitas vezes de forma diferente ”.

Segundo dados do portal Localiza SUS, até 29 de maio, mais de 66 milhões de pessoas já existentes sido imunizadas no país. No Rio Grande do Sul, um dos estados que lidera uma corrida da vacinação, até esta mesma dados foram imunizados com a primeira e segunda dose 4 milhões e 500 mil gaúchos, menos da metade da população do Estado. Um dos fatores que contribuem para esse números é a falta de vacinas e insumos para a sua produção.

A falta de investimentos na ciência nacional pode ter impactado na produção de imunizantes no país, hoje a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan, são os dois únicos laboratórios que possui a vacina no Brasil, sendo que dependente de insumos vindos de outros países. Como esclarece Cunha, especialistas atestam que a imunidade coletiva via vacinação é atingida quando entre 60% e 80% da população é imunizada, número ainda distante.

Mesmo com o avanço gradual na imunização, um alerta se acende com as variantes que podem surgir, um exemplo é uma nova cepa Indiana que já está circulando no país e que pode contribuir para uma nova onda. Cunha esclarece que enquanto o vírus segue circulando, novas variantes podem aparecer e caso a carga da doença está alta no Brasil, a tendência é que ocorra uma nova onda. Ele ainda ressalta que a falta de adesão da população a protocolos sanitários simples auxiliam na expansão do vírus, o abandono medidas, segundo o médico é um dos motivos para o deslocamento de faixa etária de internações: “Nós temos uma população mais velha que em parte está vacinada e mais protegida, e aí tem o deslocamento da faixa etária, cada vez que acometendo as pessoas mais jovens. Enquanto estiver acontecendo uma nova situação, uma nova piora nos nossos números,

É em meio a instabilidade nos indicadores e avanço na imunização dos grupos prioritários que cresce a esperança de dias melhores no enfrentamento da pandemia no país, isso está atrelado a própria produção de imunizantes como a Versamune e a Butanvac, vacinas que serão produzidas 100% no país , mas que neste ano provavelmente não estará disponível para aplicação como esclarece Cunha. Para o presidente da SBIm, a produção dos imunizantes é importante, pois o país tem elevada capacidade de imunização diária: “A gente consegue vacinar muita gente por dia, o nosso pico de vacinação covid foi de 1 milhão e 300 mil. Eu tenho certeza que a gente conseguiria vacinar 2 milhões de doses por dia, mas não conseguimos avançar porque não tem vacina ”.

Recentemente, mais um passo em busca da produção própria da vacina foi dado no Brasil. Isso ocorreu após a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para que um Butanvac, imunizante produzido pelo Instituto Butantan, inicie os testes com humanos. Os testes serão iniciados com a aplicação em 400 voluntários e com duas doses. A produção da vacina é feita de abril, por isso o instituto terá até o fim deste ano mais de 40 milhões de doses, mas uma alternativa para a imunização dos brasileiros.

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