Mães-solo na pandemia: dura jornada de trabalho das mães em meio à pandemia por Covid-19

Eduardo
Revista 2021/1
Published in
9 min readJun 30, 2021

As mães solteiras enfrentaram a jornada tripla de trabalho durante a pandemia por Covid no Brasil. Entre o trabalho que sustenta a casa, as brasileiras relatam dificuldades em lidar com a educação dos filhos.

A pandemia pelo novo coronavírus transformou a rotina de milhões de brasileiras no País. Isso porque o distanciamento social obrigou crianças de todo território nacional a permanecerem em casa para assistir as aulas via internet. Nesse sentido, mães que possuem filhos na rede pública de ensino relatam dificuldades para acompanhar os filhos nos estudos. A principal ferramenta de trabalho das mães que praticam o homem office é também o único meio para que a criança se conecte com a escola. Fora esse problema, especialistas alertam para as consequências tanto para a relação mãe e filho quanto para o comportamento da criança após o distanciamento social.

A educação a distância (EaD) passou de uma opção viável, com objetivo de reverter os danos causados ao ensino, para um pesadelo na vida dessas mulheres. Além da dupla jornada de trabalho, elas tornaram-se mediadoras entre o filho e a escola, além de serem responsáveis pelos afazeres domésticos, pela higiene e lazer da criança. Segundo a pesquisa do Datafolha, divulgada no segundo semestre de 2020, mais da metade das mulheres (57%) que passaram a trabalhar em casa disseram ter acumulado uma maior parte dos cuidados domésticos.

Sem Parar — o trabalho e a vida das mulheres na pandemia, é um estudo realizado pelo Sempreviva Organização Feminista (SOF), publicado no ano de 2020, que indica que 50% das brasileiras passaram a cuidar de alguém durante a pandemia e 72% afirmou que a necessidade de companhia aumentou. O estudo ainda indicou que, para 40% das mulheres, a sustentação financeira da casa entrou em risco com o isolamento social. A pesquisa abaixo, realizada pela Atlas Intel que ouviu 1.425 mães e pais do País, demonstra os níveis de esgotamento pela pandemia.

Fonte: Em relação as suas responsabilidades domésticas, você está sentindo cansaço por conta da situação provocada pela pandemia do coronavírus? Atlas Intel Político, 2021

Sobrecarga

Esse panorama cresce quando comparado as tarefas domésticas entre homens e mulheres. Por motivos tradicionais, as mulheres sempre tiveram papel de cuidar de filhos e da casa, na pandemia essa demanda aumentou junto com a participação delas nas necessidades de casa. A Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com a ONG WomenCount realizou uma pesquisa sobre a carga horária de trabalho para três atividades essenciais no lar: tarefas domésticas, cozinhar e cuidar dos filhos. O resultado expõe o óbvio e deixa claro: as mulheres sempre trabalharam mais dentro de casa e estão se esforçando ainda mais agora.

Fonte: Das ideias para a ação: Igualdade de gênero na esteira da covid-19

Além da preocupação dentro de casa, há a questão financeira que contribui para sobrecarregar as mães durante o período de lockdown. De acordo com indicadores do PNAD, Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio, 7 milhões de mulheres deixaram o mercado de trabalho na segunda metade do mês de março de 2020. Esses números são os mais baixos desde 1990, além de demonstrarem o racismo estrutural: 59% das mulheres desempregadas são negras.

Sendo assim, a sobrecarga de trabalho, angústia pelo fim da licença-maternidade e o medo da volta às aulas acumulou nas costas das diversas mães brasileiras. De acordo com especialistas da Organização Mundial de Saúde (OMS), as mulheres fazem parte do grupo mais vulnerável às questões relacionadas à saúde mental, como depressão e crise de ansiedade.

Há também, além das dificuldades financeiras e a sobrecarga de trabalho que as mães enfrentam, a questão técnica: as aulas remotas necessitam de equipamentos para que possam ser assistidas em casa. Telefones celulares, computadores e notebooks são essenciais para a educação das crianças e adolescentes durante o isolamento. Entretanto, nem todos puderam arcar com novos custos de um computador ou celular novo, exclusivo para videoaulas, nesse período.

A falta de equipamentos para assistir as aulas obrigou alunos do ensino fundamental e médio a usarem os mesmos computadores e celulares que as mães usam para trabalhar em casa. Com a falta de dois aparelhos, um para cada fim específico, filhos e mães perdem autonomia para estudar e trabalhar em casa. Michelly Strada, vendedora, empreendedora e residente da zona norte da capital gaúcha, tem filho matriculado em uma instituição pública de ensino e é uma das milhões de brasileiras que lideram uma família sem pai.

Questão técnica

Quando questionada sobre a questão do uso de equipamentos, Michelly afirma que é difícil conciliar as tarefas da escola do filho e do trabalho, situação ainda mais crítica na pandemia porque só possui um computador, que serve tanto para o home office quanto para o filho estudar.

“Foi difícil se acostumar no começo, era tanta coisa nova, programas para instalar, cronogramas, tive que me virar sozinha para aprender e ter chance de manter ele em contato com os estudos”, aponta Michelly.

O Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) avaliou a eficiência da educação remota em Estados e capitais do País. O índice é assustador e demonstra a grave crise educacional causada pelo recesso das aulas como medida para conter o avanço do vírus. De 0 até 10, com 10 sendo a melhor nota possível, os Estados brasileiros tiveram média de 2,38 e as médias das capitais foram 1,6.

Fonte: TIC Educação 2019

A Plug Doações é uma Organização Não-Governamental que tem o objetivo de fornecer equipamentos para democratizar o acesso à educação. A ONG atua em todo o Brasil e sobrevive por meio de doações em dinheiro em vaquinhas on-line, por doação de computadores usados com ou sem defeitos e realiza todo o conserto e distribuição para os 26 Estados brasileiros. Desde o começo do projeto em maio de 2020, o projeto já beneficiou mais de 500 estudantes e famílias de mães solteiras em todo o Brasil.

Em Porto Alegre, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) criou uma iniciativa em julho de 2020 para entregar computadores doados para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Com o objetivo de ajudar famílias e estudantes da capital gaúcha, estudantes do curso de Engenharia da Computação captaram doações por meio de grupos nas redes sociais, consertaram computadores com defeitos e distribuíram por meio de sorteio para mais de 250 famílias pobres.

Fonte: TIC Educação e Domicílios, 2019

Caroline da Silva, oficial escrevente e que também mora na zona norte de Porto Alegre, enfrenta as consequências de ter apenas um equipamento para trabalhar e para cuidar da educação da filha Sofia, de apenas 10 anos de idade. A situação é ainda mais triste: em 2021, o auxílio emergencial para mães solteiras saltou de R$ 600 para R$ 375, o que indica menor possibilidade caso a mãe deseje obter um novo equipamento para trabalho e estudo. Além da conciliação entre trabalho e educação, especialistas alertam: a crise sanitária pode gerar doenças psicológicas nas mães sobrecarregadas.

Fonte: Sindicato dos Professores no Distrito Federal (SINPRO-DF)

Instabilidade emocional

Não apenas a falta de equipamentos compromete a situação dessas mães, mas também a impacto emocional causada pelas incertezas sobre a situação em meio à maior crise da saúde pública brasileira. Na casa da Caroline, o quadro não poderia ser diferente e a mãe tenta lidar com a frustação e a solidão da filha.

Carol cita que a filha Sofia sente falta dos colegas: “É difícil explicar para ela que não dá para sair no parque e ver os amiguinhos”. Há 480 dias desde o início do isolamento social no Brasil e Estados brasileiros, a escrevente aponta as mudanças comportamentais na criança causadas pela solidão. De acordo com a psicóloga Luíza Pavanelo, especialista em terapia de famílias pela Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS), a socialização é um processo de aprendizagem importante para o desenvolvimento infantil, pois é por meio dessas interações que a criança aprende a se portar na sociedade.

O Núcleo de Ciência Pela Infância (NCPI) aponta que o afastamento das crianças dos círculos sociais pode acentuar ou fazer surgir novas dificuldades comportamentais em jovens. Esse dado científico mostra que os cérebros das crianças de 0 a 6 anos reagem ao contexto da pandemia da mesma forma que reagiria em desastres naturais. A regressão social é percebida em comportamentos fora do padrão da idade, como a dependência exclusiva materna ou não desejar sair da cama. Além de maior apego, a irritabilidade, agitação e infantilização nas falas é percebido em crianças.

Fonte: Desordens comportamentais e emocionais em crianças durante a epidemia por Covid-19, Jiao, 2020.

Pavanelo ainda cita os danos para as habilidades sociais. Essas competências garantem a interação com as outras pessoas por meio da comunicação — iniciar e manter conversas — , responder perguntas e dar feedback. A assertividade, habilidade de se expressar respeitando as próprias necessidades, sem violar a outra pessoa, e saber expressar emoções como raiva, tristeza e alegria também são pontos-chave no comportamento da criança. Com a pandemia, mães solteiras sem auxílio do pai e familiares perceberam diferenças no comportamento infantil nesse período. “A pandemia afetou o comportamento da minha filha, é uma fase crucial e é o direito dela poder brincar”, relata Carol, mãe de Sofia.

A psicóloga e especialista em comportamento humano, Letícia Pedroso, citou que a influência do distanciamento já era prevista pelos profissionais comportamentais. Esses efeitos, que abrangem a perspectiva infantil, ainda serão sentidos nos próximos anos. Letícia ainda aponta: “Seremos a primeira geração afetada pela pandemia, não sabemos os efeitos diretos, mas a projeção é de que haja mudanças na percepção do mundo exterior, principalmente nas crianças e famílias”. A profissional ainda infere que famílias mais estruturadas tendem a sentir menos esses efeitos no comportamento de seus filhos.

Na visão da psicóloga, Letícia aponta como normal a criança desenvolver certas reações a esse momento. Seja no apego maior aos pais ou também na regressão a rotinas antes abandonadas pelos pequenos. Os efeitos negativos para a saúde mental são sentidos caso haja continuação dessas ações pelos filhos, nesse momento o psicólogo infantil é essencial. Pedroso ainda cita as formas de deixar esse momento delicado mais leve para os pais e filhos; entre as dicas, a mais importante: valorizar as brincadeiras e a conversa saudável, livre de telas e videogames.

Em contrapartida aos efeitos comportamentais, há pontos positivos na nova rotina familiar. As mães solteiras, que antes trabalhavam longe de casa e realizavam diariamente movimentos pendulares de casa para o trabalho e vice-versa, hoje podem conviver mais tempo com seus filhos e acompanhar de perto a progressão da vida deles. Nem todos podem abrir mão de um dia de trabalho para ir à escola para conversar com professores sobre o desempenho do filho, ainda mais no caso das mães solteiras. Houve, durante o distanciamento, uma necessidade de as mães ficarem próximas da sua prole, acompanha-los em tempo real.

Essa necessidade, aumentou os laços familiares durante o lockdown. Uma pesquisa conduzida pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, afirmou que pais, antes longe do mundo digital e da vida pessoal dos filhos, hoje estão muito mais próximos. Quase 70% afirmou que realçou laços familiares com os jovens enquanto confinados. Ainda mais, um levantamento do governo da Inglaterra aponta que 6 em cada 10 indivíduos entrevistados reconhecem a maior proximidade com os filhos enquanto quarentenados.

Duas pesquisas, lideradas por estudiosos da Escola de Pós-Graduação em Educação de Harvard, sugerem que, nos Estados Unidos, 70% dos pais se sente mais próximos dos filhos. O estudo incluiu 1.319 adultos norte-americanos — destes, 763 são mulheres — . A outra pesquisa quis saber de que maneira os pais e mães se sentiram conectados à vida dos filhos. Dos quase 1.300 entrevistados, boa parte respondeu que obteve conversas mais significativa e compartilharam experiências pessoais.

Sinto saudade de brincar, na pandemia a gente só pôde se ver pela internet, não dava para sair”, Sofia, de apenas 10 anos.

Caroline e Sofia | Arquivo pessoal

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