TAMANHO G NÃO É PLUS SIZE

A dificuldade em encontrar roupas para pessoas que, antes de tudo, enfrentam preconceitos

Rafaela Amaro
Revista 2021/1
12 min readJun 21, 2021

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Crédito: Reproduçãp/Raw Pixel

O mundo é pouco adaptado a corpos gordos e a sociedade institucionaliza o preconceito contra essas pessoas. Apenas existir pode ser considerado um desafio de diversas naturezas, dos mais simples aos mais complexos. Entre muitos temas necessários para serem discutidos nesta área, um assunto recorrente é a vestimenta. É comum o indivíduo se expressar através de roupas e acessórios, pertencendo, assim, a grupos ou construindo uma imagem. Mas como fazer tudo isso e ainda estar na moda sem existir roupas para você, nem mesmo o básico? Isso porque o maior tamanho apresentado é o G e este não está nem perto de servir em uma pessoa considerada plus size.

Esta se torna uma experiência desgastante e frustrante — emocionalmente, inclusive. Apesar do crescente movimento de democratização da moda, que impulsiona o segmento plus size, ainda há uma grande demanda reprimida, e isto acontece por diversos fatores: seja a falta o descaso das lojas e fabricantes, de estudo de corpos gordos na moda e na confecção ou a pressão estética e a gordofobia.

Em tempos onde muito se fala sobre aceitação, body positivity, beleza real e empoderamento feminino, é inadmissível que marcas populares ainda tenham dificuldade de vestir corpos maiores. O que não falta é procura, mas o nicho permanece sendo ignorado. Segundo dados de 2018 da Associação Brasileira do Vestuário (Abravest), a moda plus size movimenta cerca de R$ 4,5 bilhões por ano, o que equivale a 5% do faturamento total do setor de vestuário.

Na imagem, Angelix Oliveira, em um fundo verde, com roupa dourada, usa maquiagem na pálpebra na cor preta, e glitter dourado na parte inferior.
O designer Angelix Oliveira. Crédito: Reprodução/Arquivo Pessoal

O designer de moda Angelix Oliveira, 29 anos, relata que na faculdade a abordagem da modelagem para corpos gordos, deficientes e gestantes foi muito superficial. Ele conta que não é um tema trabalhado de forma curricular no curso de Moda da Unisinos, onde é formado. Apesar de ser um curso que promove a diversidade e trabalhos autorais que explorem nossas individualidades, não faz parte da cultura do curso trabalhar com corpos dissidentes da norma.

Além de trabalhar com modelagem para corpos de tamanhos e formas variados, Oliveira é uma pessoa gorda. Se ele não está vestindo o maior tamanho da grade de uma loja, é porque a loja não tem o seu tamanho.

Toda indústria da moda é baseada em nos fazer sentir mal, para fazer com que se compre mais coisas para se sentir bem e nos sentirmos mal nestas coisas. É um ciclo” — o designer exemplifica a lógica do mal-estar: Ele, um homem de 115kg e 1,80m gosta muito de usar vestidos, porém, não encontra opções para seu corpo em lojas “normais”, que não sejam especializadas em corpos plus size. Se ele for ao shopping, não vai encontrar o que busca e acaba ficando frustrado porque não consegue comprar roupa e ele vai continuar se sentindo mal, pois não acha moda de forma acessível para si.

A moda plus não é acessível para a realidade do brasileiro, isso porque ela envolve uma cadeia produtiva que é muito pequena comparada a de um grande varejo. Enquanto a fast fashion tem uma cadeia produtiva do tamanho do Brasil, a compra de tecido deve ser maior, o que torna-o mais barato, fazendo o produto ser acessível, a moda autoral ou plus, tem uma demanda e cadeia produtiva muito menor, então a compra de tecido vai ser proporcional a ela, pequena, encarecendo o produto. O designer explica que as pessoas gordas representam uma parcela ínfima no faturamento das fast fashions e por isto o mercado não muda.

As lojas especializadas em peças plus size acabam sendo para um público mais velho ou mais conservador. Não só as roupas são feias por conta da modelagem e corte que não favorecem o corpo, como para Angelix as lojas que se tem acesso em shoppings, galerias e nas ruas estão paradas no tempo, parecem velhas. Não são as roupas que os influenciadores estão usando, a mais atual, da moda ou moderna. É algo antiquado.

“O corpo da pessoa gorda também tem formas e a gente não quer esconder isso, a gente só quer estar vestido. Bem vestido. Vestidos de uma maneira agradável para nós mesmos”, ressalta.

Oliveira acredita que o mundo precisa de uma mudança de paradigma social completa e uma mudança de mentalidade que, para ele, não vai ser vista a curto prazo. Ele acredita que é graças à internet e aos influenciadores de positividade corporal, que estão dispostos a serem vistos e dar a cara a tapa, é que muitas lojas do varejo estão começando a mudar suas visões. É possível ver o início do processo de uma mudança de mentalidade, mas para o designer, isto não basta. É preciso mudar a indústria, a forma como se produz roupas e as cadeias produtivas, tendo o corpo gordo como parte fundamental das marcas e não em pensamentos secundário, terciário ou até inexistente.

Entendendo o consumidor

Um levantamento foi realizado pela reportagem, por meio de redes sociais e grupos de moda, levando em conta a participação de cem pessoas. A medida foi utilizada pelo fato de que a Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda não deu retorno até o fechamento desta edição sobre o assunto.
De acordo com o trabalho, 93,3% dos consumidores não estão satisfeitos com os tamanhos de roupas encontrados nas fast fashions. A maioria dos entrevistados, ou seja, 59,6%, se diz insatisfeita com as opções de tamanhos oferecidos nas lojas de moda plus size e 84,3% apontam que os modelos de roupas oferecidas nestes locais não agradam.
O levantamento ainda aponta que 92,1% encontram dificuldades para encontrar peças específicas. As mais difíceis de serem localizadas são: vestidos (63,9%), shorts e saias curtas (56,6%), peças em jeans (54,4%) e peças íntimas (53%).

Gráfico de peças mais difíceis de encontrar, segundo levantamento feito com público plus size.

Ao serem perguntados sobre o que sentem falta no mercado plus size, os entrevistados apontam roupas da moda, isto é, peças vistas em pessoas famosas e influencers considerados padrão (87,6%), peças mais joviais (77,5%), peças que valorizem as curvas (74,2%) e cortes e modelagens diferentes (68,5%). Além disso, 60,7% dos entrevistados não se sentem confortáveis com o tamanho dos provadores nas lojas. Também foram apontadas a falta de tabelas fixas de tamanhos nas lojas, falta de tamanhos intermediários, falta de estudo de modelagens (largura x altura não serem compatíveis), falta de peças da área fitness que promovam sustentação e sejam confortáveis, a gordofobia por parte de vendedores e preços exacerbados.

O perfil dos respondentes da pesquisa é composto majoritariamente por mulheres (93,3%), de adolescentes à idosos.

A representatividade empondera

A influencer Daphne Constantinopolos. Crédito: Reprodução/Instagram

A advogada, jornalista e criadora de conteúdo Daphne Constantinopolos, 34 anos, sempre foi apaixonada por moda e beleza e esse amor era notável e admirado por todos à sua volta, quando se tratava dos assuntos, sua opinião era sempre muito requisitada na roda dos amigos. Formada em Direito, Daphne foi para a Europa estudar e durante este tempo, ficou mais próxima do mundo da moda em Milão, na Itália e da beleza em Lisboa, em Portugal, onde trabalhou como vendedora em uma perfumaria e loja de cosméticos.

Com um novo olhar sobre a vida, insatisfeita com a advocacia e muita vontade de extravasar e se divertir, em 2015, nasceu seu blog. Sua intenção era mostrar ao mundo a forma como ela enxergava moda e beleza. Intitulado “Life as Daphne” (Vida como a Daphne), nele ela fala também sobre viagens, séries, gastronomia e tudo mais que tenha na vida da influencer. Aos poucos, a influencer foi percebendo como gostava de escrever, além de cobrir eventos e acontecimentos do mundo da moda e da beleza.

Foi então que, no mesmo ano, largou o direito e decidiu cursar Jornalismo. Formada pela PUC-RS em 2019, Daphne também trabalha com Assessoria de Imprensa e hoje tem mais de 22 mil seguidores e admiradores no Instagram.

A influencer conta que percebeu a carência de representatividade na blogosfera com comentários em suas redes sociais. Ela destaca que entendeu um fato importante sobre seus seguidores: eles acompanhavam seu perfil porque queriam ver alguém fora do padrão se expressar sobre moda, sem se importar com criticas e regras pré-ditadas. “Quando o corpo é gordo, não é só na
moda que ele não se encaixa, é na vida cotidiana. Não ter acesso às coisas é um ataque enorme ao meu direito como ser humano”.

Sobre fast fashions, a jornalista diz ter desistido de procurar roupas de seu tamanho nas lojas e começou a buscar onde sabe que possa encontrar justamente porque alega que, se algo não serve em uma pessoa, a frustração é grande. Seu público tem todas as idades e para eles, Daphne é uma grande inspiração. Ela relata que recebe muitas imagens de agradecimento pela representação e pelos aprendizados.

A advogada Paula Alencar. Crédito: Reprodução/Arquivo Pessoal

A advogada Paula Alencar, 26 anos, de Fortaleza, no Ceará, conta que em sua experiência como consumidora, sempre é incômodo não existir um cuidado com pessoas gordas, como questões que vão desde a modelagem das roupas, a estampas e cores, espaços dedicado em lojas fast fashion ou modelos contratadas para publicidade das marcas. Segundo ela, isso faz com que a pessoa gorda se sinta invisível e desvalorizada. Paula ponta também que outras opções, como lojas online ou especializadas, são um assunto delicado quando o assunto é o preço e o acesso ainda é restrito.

A advogada explica que, no passado, quando vestia um tamanho menor, mas ainda assim fora do padrão, tinha certa dificuldade para achar algumas peças e acabava recorrendo para modelos que pudessem esticar, ou que tivessem modelagem maior.

Hoje em dia, usando o tamanho 54, considerado um tamanho médio dentro do mercado plus, suas opções de roupa caíram consideravelmente. Seu trabalho exige que os trajes sejam formais, e na maioria das lojas, as opções oferecidas não conversam com sua jovialidade e não entregam a formalidade que busca.

Frustração, descaso e constrangimento

Uma destas pessoas frustradas com o que é oferecido para gordos, mas que
prefere não se identificar, é P. A., 25 anos, de Recife, Pernambuco. “Quando fui comprar meu vestido de formatura, passei por cinco lojas e na única que fui atendida com respeito e, não com asco, a única roupa oferecida foi um vestido curto, todo estampado e de algodão, nada adequado para a ocasião”, desabafa. Depois de muito procurar, ela conseguiu achar um vestido que considerou decente, porém, teve de usar fita adesiva e broches para ajustes ao corpo. Segundo ela, a modelagem do vestuário era para pessoas magras, no entanto, uma peça produzida de forma grande sem que se pensasse nos possíveis cortes.
Outra pessoa que fez parte do levantamento da reportagem, mas que preferiu ter a identidade preservada, justamente devido ao preconceito, é C. S., 23 anos, moradora da capital paulista. Ela conta que, em uma determinada ocasião, teve de ir ao Centro durante uma semana e em horários diferentes para encontrar roupas. “Certa vez, passei todos os dias na mesma loja, em horários diferentes. Além das poucas opções, é geralmente o departamento onde tem mais roupa fora do lugar, desorganizado, coisas fora do cabide e,
às vezes, até amontoadas no chão. É como se a roupa plus size fosse um favor”
, relata.
A maioria das lojas especializadas é online, ou seja, também é complicado, porque não tem como experimentar e muitas não oferecem a opção de troca grátis”, diz F. P., 26 anos, também de São Paulo. Ela também não quer aparecer e destaca que considera um constrangimento entrar em provedores de lojas que não têm roupas do seu tamanho. Ela lamenta que acaba sempre por usar uma espécie de uniforme, já que sempre adquire peças iguais. Isso porque, quando encontra um local que tenha um vestuário que a deixe
confortável, a entrevistada adquire mais de uma peça.

Saúde ou preconceito?

Em 2019, a marca Nike lançou uma campanha com uma modelo gorda, o que gerou muitas críticas. O jornal “The Telegraph”, um dos mais importantes do Reino Unido, publicou, em uma coluna de opinião, um texto que acusava a empresa de incentivar a obesidade e promover um tipo de corpo que mata as pessoas. O discurso gordofóbico pode estar inserido em vários setores, até em meio a profissionais da saúde, conforme um estudo feito em 2017, encabeçado por psicólogos da Universidade de Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos. O trabalho apontou que usar o Índice de Massa Corporal (IMC) para determinar índice de saúde levou à classificação errada de mais de 50 milhões de norte-americanos saudáveis como doentes.

De acordo com a pesquisa, que cruzou dados de IMC com os de exames laboratoriais, quase metade das pessoas consideradas acima do peso padrão, conforme seus índices de massa corporal, é saudável, assim como mais de 20 milhões de gordos. Além disso, mais de 30% das pessoas com o IMC considerado normal, na verdade, não estavam saudáveis. Ou seja, os pesquisadores consideraram que estar acima do peso não é sinônimo de doença, assim como ser magro não quer dizer que se tenha saúde. O IMC
não traz dados sobre hábitos saudáveis, hormônios, taxas de colesterol e triglicerídeos, além de outros fatores que são detectados por meio de exames laboratoriais, assim como se detém mais sobre a saúde de alguém do que o tamanho do seu corpo. Tanto a Nike, quanto a sua concorrente Adidas, têm opções de peças para a prática de esportes destinadas a consumidores plus size, porém, ainda há restrições para vestuários mais acessíveis.

Em rede social, a consultora de estilo e influencer, Elaine Quinderé, 30 anos, de Fortaleza, Ceará, publicou relato expondo a falta de acessibilidade na busca por peças fitness. O vídeo já tem quase cinco mil visualizações em seu Instagram e há muitos comentários de pessoas que se identificam com a situação. Segundo ela, encontrar peças adequadas é a maior dificuldade e ainda falta um entendimento sobre como são os corpos. A consultora entende que, somente desta maneira, será possível fazer uma modelagem apropriada. “Todos os corpos têm demandas diferentes, corpos maiores têm necessidades
específicas, precisam de mais sustentação, então não é só aumentar a grade. Quando não tem a roupa adequada, você não faz atividade física”
, cita em uma das suas postagens.

A violência que deixa sequelas

Segundo a psicóloga Mariana Viviani, ao longo da vida, formamos nossa identidade através de diversos processos, dentre eles, a observação; seja por exemplos dos nossos pares ou avaliando o que é considerado positivo ou negativo pelos outros. Dessa forma, quando não se tem acesso a produtos que circulam nas vitrines, ou não se enxergam corpos similares nas campanhas, abre-se a possibilidade de uma autoimagem distorcida, que gera insegurança e outros problemas para a autoestima, que é formada através da autoimagem (como nos vemos) e nosso autoconceito (como nos avaliamos).

“A falta de acesso a esses itens da moda priva o indivíduo de obter algo desejado, ou mesmo um item essencial, já que o vestuário é necessário para diferentes contextos. Essa privação pode atuar como uma microviolência, dessas coisas cotidianas sutis que parecem inofensivas, mas que em uma sociedade gordofóbica reforça o estigma e preconceito que as pessoas gordas enfrentam” destaca Viviani. Por ser um processo de violência, isso traz sequelas psicológicas importantes, como desenvolvimento de transtornos mentais (ansiedade, depressão, automutilação, entre outros), transtornos alimentares (compulsão alimentar, bulimia e anorexia), dificuldade nas relações interpessoais e aumento da insegurança.

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Rafaela Amaro
Revista 2021/1

27 anos. Estudante de Jornalismo, tagarela, apaixonada por cultura pop, análises musicais, moda e maquiagem.