Apenas um anjo
As vozes, já abafadas ao meu redor, finalmente se calam. Minha visão turva que apenas enxerga um céu claro, avista uma sombra pairando sobre mim. Penso ser a morte vindo me buscar, como em todos os contos que já li em minha vida. Penso ser finalmente meu fim tão aguardado. Um pouco mais dramático do que eu gostaria, mas o fim.
Sinto mãos quentes contra minha pele fria, me erguendo do chão duro e apoiando minha cabeça sobre seu próprio colo. Pisco algumas vezes na expectativa de obter um foco mas a voz suave que surge apenas ordena que eu relaxe e me acalme. O faço, não vendo motivos para resistir a um comando tão simples.
Antes, a morte, agora penso talvez que seja um anjo. Vindo dos céus para me resgatar desse mundo que apelidei carinhosamente de uma amostra do inferno. Talvez tal anjo me segure em seus braços, estenda suas asas e me leve com ele para um lugar melhor.
Não, ele não o faz. Suas mãos macias acariciam meus fios e um líquido fresco molha meus lábios. Com o passar do tempo, recupero um pouco de meus sentidos e consigo enxergar mais claramente a aparência do suposto anjo. Ainda parece um anjo pra mim, mas sem as asas.
Ele acena com a cabeça em concordância e pergunta sobre meu estado assim que consigo me levantar. Respondo numa voz rouca que ele deveria ter deixado que eu partisse de uma vez por todas e sua expressão muda, agora tomando um ar de intimidação.
Palavras duras saem por entre seus lábios. Todas afirmações sobre o quão estúpido eu posso soar falando coisas do tipo. Sobre meu desejo de que a morte me busque de vez. Ele estende a mão e me ajuda a levantar. Questiona se tenho algum lugar ou alguém para onde ir e nego. Tenho andado sozinho por esse mundo a tempo demais.
O anjo fecha os olhos e estende mais uma vez a mão. Diz que me acolherá e que me proporcionará as coisas das quais preciso. Mal sabe o anjo que tudo que eu mais precisava ele me deu em tão pouco tempo.
Algumas migalhas.
Afeição.
Atenção.
Preocupação.
