Galeria

Vênus Rodrigues
OIMOI
Published in
4 min readDec 8, 2020

Estou sentado em uma calçada mais limpa do que deveria e em minha volta diversas pessoas com roupas de gala passam andando, depois de largarem seus carros com algum chofer.

A fumaça do meu cigarro se dissipando no ar é meu entretenimento no momento. Pelo menos até ele chegar ao fim, o que não vai demorar para acontecer. Mas não importa, tenho uma caixa cheia no bolso esperando por mim. Meu plano é fumar todos eles até tomar coragem de levantar daqui.

Algum tempo se passa até eu finalmente aceitar que minha coragem nunca vai vir de boa vontade. Então, me forço a levantar e ir até a entrada da galeria atrás de mim, com pessoas em uma pequena fila esperando o segurança dar permissão para que entrem.

Quando chega minha vez, recebo um olhar de julgamento do homem após falar meu nome. Sei que muitas pessoas não me queriam aqui, mas não seriam insensíveis o suficiente para proibir minha entrada. Por isso, recebo uma pulseira colorida e passo pela catraca.

Assim que entro, a primeira coisa que vejo é uma foto gigante que me obriga a parar de andar para observar. É uma garota.

A imagem está em preto e branco e é um zoom de seu rosto. Ela está sorrindo genuinamente para alguém atrás da câmera e seu cabelo é uma linda bagunça de cachos. Parece estar feliz.

Fico alguns minutos admirando e memorizando cada detalhe antes de continuar meu caminho. Ainda tinha muitas fotos para ver e pouco tempo para isso.

Passo por um corredor gigante e chego no que deve ser a área principal, já que está lotada. Vejo alguns conhecidos, que logo me dão um aceno, mas não se atrevem a se aproximar. Estão reunidos com os organizadores da exposição e Ele.

Pelo visto perdi o discurso de encerramento do tal namorado.

A próxima foto que vejo também é em preto e branco e com a mesma garota. Dessa vez ela está vestindo um pijama de frio xadrez e olha brava para a tigela de cereais espatifada no chão. É uma bela cena, e me deixa com uma pequena vontade de rir.

- Não é engraçado, eu realmente estava brava. — alguém diz ao meu lado antes de eu virar o rosto — Oi, Diego!

- Oi, Pietra. — respondo, enquanto analiso a garota do meu lado.

- Tãooo sério. — ela revira os olhos. — Senti sua falta, neném.

- Também senti a sua, Buba. — antigamente eu faria uma careta por causa dos apelidos ridículos.

- Vem, eu preciso te mostrar o que eles fizeram com minhas fotos nuas! — Pietra segura minha mão e me arrasta para a primeira das duas fotos em que ela deveria estar sem roupa alguma. — Eles colocaram um vestido por cima no Photoshop, Diego! Um vestido! Eu estava tão incrível nessa foto! — ela faz uma cara triste e eu faço um carinho leve em sua mão. Na foto original ela está deitada de lado na cama, com a cabeça apoiada na cabeceira e mostra a língua para a câmera. O vestido não existia.

Sou puxado para outra direção, onde provavelmente está a segunda foto. Quando chegamos, tenho vontade arrancar aquilo dali. É um desrespeito com o trabalho do fotógrafo.

- Minha mãe obrigou a tirarem o pote de salgadinho da minha mão e colocar um prato com salada. Além de me cobrir com uma tarja! Tenho certeza que ela só não me deixou magra porque meu pai interviu. — balançamos a cabeça em desaprovação e então ela me abraça, sem falar nada. Coloco meu braço em volta da sua cintura e enterro o rosto em seu cabelo. Eu realmente senti saudades disso.

Alguns segundos depois nós dois caminhamos em direção a foto principal da exposição. Nela, Pietra veste um macacão amarelo com flores roxas, um chapéu de pescador azul e um coturno branco enquanto está sentada na grama do meu quintal. Aquilo ficaria ridículo em qualquer pessoa que não fosse ela.

- É a minha preferida — sussurra, como se não quisesse estragar o momento. — Tem tanta cor! É perfeita.

- Obviamente, você é um arco-íris ambulante.

- Engraçadinho. — ela me empurra levemente com o ombro antes de se virar completamente para mim. — Neném?

- Hum?

- Eu sinto muito.

- Pietra, não.

- Eu sinto muito, muito mesmo. Esse trabalho é seu, eles não deveriam ter o direito de serem os donos legais. Era você quem deveria ter feito o discurso de encerramento. Você quem deveria ser reconhecido como meu namorado.

- Por favor…..

- Eu queria ter te falado isso antes.

- Não quero ouvir.

- Me desculpa por ter te deixado, Diego. Eu amo você, nunca duvide disso.

- Pietra, para de fa…. — antes que eu pudesse terminar a imagem da garota evapora como fumaça na minha frente. As lágrimas que já escorriam do meu rosto multiplicam e tudo fica turvo.

Agora consigo sentir os olhares de todos em mim. Há quanto tempo eu estou dando um show de surto para eles?

Saio correndo da galeria enquanto escuto alguém gritar meu nome ao fundo. Mas não me importo, não pretendo ver mais aquelas pessoas.

A rua ainda está cheia de gente e as luzes das lojas piscando me irrita. Então só corro o mais rápido que posso sem parar. Corro, corro e corro até não aguentar mais e cair de joelhos em um lugar qualquer, sem fôlego. Eu preciso aceitar que Pietra não vai voltar. Que ela não pode ficar comigo.

Que ela está morta.

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