O Estrangeiro.

triz vieira
OIMOI
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3 min readDec 23, 2021

Estava quente, não de um jeito excessivo, mas de uma maneira que faz com que seja possível notar que sim, está quente. Bom, estava quente e eu não estava em meu corpo.

Eu soube quando abri meus olhos, eu estava em um corpo estranho. Eu podia sentir cada parte dele mas não podia sentir que ele pertencia a mim, no meu íntimo, eu sabia, aquelas mãos, aqueles braços, aqueles dedos, aquelas pernas, nada daquilo era meu, não de um jeito que importasse.

Eu sentei na cama na qual eu acordei. Ela também não me pertencia, e com uma rápida olhada constatei que o cômodo em que estava também não me pertencia, nem os quadros nas paredes, nem as fotos na cômoda, nem os livros nas estantes, nem os desenhos rabiscados em papéis que estavam espalhados por certas partes do quarto. Nem um sentimento também se fazia presente a não ser o de não pertencimento, um desespero de não saber onde está mas também não saber onde deveria estar e nem como chegar lá e nem onde você estava antes disso. Perdição no seu sentido mais puro. Solidão, no seu total esplendor.

Eu levantei, aqueles pés tocaram no chão frio, engraçado, eu podia sentir essa ação, mas não podia sentir que pertencia a mim.

Poucos passos e eu estava fora, me encontrei em um corredor branco, fotos de família pendurada na parede. Não conhecia nenhuma daquelas pessoas.

Continuei andando, eu não sabia para onde iria mas sabia que tinha que me livrar da casa que começava a parecer mais com uma gaiola, a cada segundo que eu passava dentro dela.

O sentimento estava tão inquietante, tão rebelde, tão livro e tão ouro em sua essência que eu não me contive, eu corri, aqueles pés batendo no chão, aquelas pernas se movendo cada vez com mais velocidade, eu corria e corria como se minha vida dependesse disso, e de certa forma eu sentia que dependia.

Ouvi vozes, mas eu não parei. Quando eu finalmente sai, um alívio me percorreu dos pés a cabeça. Eu me encontrava no meio de árvores, elas eram altas, não conseguia nem olhar até onde elas cresciam pois estavam tão perto do sol.

Eu me agachei, eu queria me livrar daquele corpo e principalmente daquela mente. Aqueles pensamentos não poderiam ser meus, aquela mente não poderia ser a minha. Era horrível, desconhecia e desconfortável. Eu não a queria.

E aquelas árvores, com seus troncos, suas folhas que caiam em minha cabeça, e a terra úmida ao meu toque, que parecia cheia de segredos a contar. Eu deitei naquele chão coberto de folhas e flores e musgos e insetos e eu fechei meus olhos e pensei que se Deus existe ele deveria me livrar agora aquela prisão que era aquele corpo estranho para mim.

Fechei os olhos e inspirei. O cheiro de uma chuva que ja tinha passado me atingiu. Não havia nada mais doce.

Não sei quanto tempo passei daquele jeito. Queria que fosse para sempre. Mas, desejos são desejos por um motivo: não passam de uma grande fantasia que queremos que se torne realidade, mas não importa o quanto queremos, a fantasia continua fantasia.

E quando eu abri meus olhos novamente, estava quente, eu estava naquele corpo e lágrimas escorriam pelas minha face porque agora eu sabia: aquele era meu corpo, aquela era minha mente, aquele era meu quarto, aquela era a minha casa. Eu estaria presa para sempre naquele corpo estrangeiro que deveria ser meu lar.

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triz vieira
OIMOI
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procrastinadora de sucesso, escritora meia boca.