Perda

Vênus Rodrigues
OIMOI
Published in
3 min readOct 6, 2020
Imagem retirada de: https://asiaedits.tumblr.com/post/181363290868/anime-scenery-headers-like-or-reblog-if-you

Já se passaram duas horas desde que eu cheguei ao telhado do prédio. Meus pés balançam na beirada, enquanto minhas mãos estão apoiadas atrás de mim, tomando cuidado para não cair.

O céu está escuro, com grandes nuvens carregadas, diferente de como estava há três anos na mesma data de hoje.

Minha mochila, cheia de roupas, está jogada ao meu lado junto com várias fotos. Pego uma das fotografias e analiso as garotas sorridentes. Uma delas sou eu.

Diferente do costume, meus olhos não se enchem de lágrimas quando viro o papel e leio: “16 de março. Eu e meu Sol no festival de doces na cidade.”

Quem escreveu isso foi minha irmã gêmea. Seu nome é Lua. Ela morreu seis meses depois dessa foto ser tirada.

Durante minha infância, a morte era algo abstrato, de certa forma. Eu sabia que existia, mas não me afetava diretamente. Então, não me preocupava tanto.

Isso só durou até meus sete anos, quando meu gatinho de estimação morreu envenenado. Eu chorei todas as noites por uma semana.

Nessa época nossos pais conversaram com nós duas sobre a vida e a morte. Lua prometeu que estaria comigo sempre que alguém importante nos deixasse. Ela cumpriu a promessa, até que partiu.

As pessoas costumam dizer que a dor em algum momento se torna suportável e aprendemos a conviver com ela. As lembranças boas ficam.

Não sei se posso concordar com isso.

Fazem três anos que eu parei no tempo. Nada mais tem sentido. Enquanto todos voltavam a viver normalmente, eu me fechei em uma bolha de tristeza constante.

Minha irmã não era a garota mais popular. Nem a mais inteligente. Muito menos a filha preferida por ser sinônimo de perfeição. Ou a filha rebelde que deixava os pais preocupados. Ela era comum. Com dias bons e dias ruins. Atitudes questionáveis e uma das melhores pessoas que você poderia conhecer. Minha irmã era simplesmente ela mesma, e eu amava isso.

Nós duas crescemos habitando na órbita uma da outra. Fomos praticamente a mesma pessoa antes de começar a desenvolver personalidade própria.

Com 16 anos, mesmo idênticas de rosto, éramos pessoas bem diferentes, mas nem isso fez nossa ligação se enfraquecer.

Por isso, mesmo depois de tanto tempo, eu não aprendi viver sem ela presente. Simplesmente existo, sem fazer absolutamente nada.

A morte da Lua foi a maior onda de tristeza que já inundou minha família. Ninguém conseguia processar essa informação como verdadeira. Mas, no fim, a vida deles continuou. Ela é lembrada todos os dias, só que fazem isso com um sorriso no rosto. Já eu faço isso chorando, ou simplesmente tento esquecer.

Como eu posso voltar a ser algo, alguém, sabendo que ela não vai ter a mesma oportunidade? Como posso comemorar nosso aniversário sem ela ao lado? Como eu posso viver?!

Minha mãe diz que a dor de perder um filho nunca vai embora, mas eu ainda existo e ela se recusa a viver em tristeza eterna. Até porque Lua odiaria.

Minha irmã deve ter raiva de mim, eu sinto isso. Do que eu me tornei desde que ela morreu. Ainda sim, não posso fazer nada a respeito. Nenhum psicólogo conseguiu me ajudar. Não que seja possível fazer isso quando eu mesma não quero ajuda.

Hoje completam três anos que ela se foi. Minha casa está lotada de pessoas da igreja fazendo oração e cantando músicas em sua homenagem. Eu estou no telhado. Vim para cá depois de ter enchido minha mochila com o máximo de roupas que consigo, além das fotos. Meu objetivo era ficar uns dias fora.

Bom, os planos mudam mais rápido do que imaginamos.

Olho mais uma vez para a foto em minha mão e dou um sorriso, o mais sincero que dei nos últimos três anos. E então, o vento me abraça e meus cabelos voam, batendo algumas vezes em meu rosto. Eu estou flutuando.

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