Plutão

Mariah Rigaud
OIMOI
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3 min readAug 10, 2021
Foto de Jakub Novacek no Pexels

Querido caderno velho que, na ausência de alguém para conversar, farei de diário só por hoje.

As estrelas neon brilham no escuro do quarto vazio e silencioso. Recordações de um passado — não feliz, mas menos penoso — ao qual não posso mais voltar. As coisas eram mais simples quando as preocupações eram pouco mais do que me atrasar para voltar para casa e perder o jantar.

Do lado de fora da janela, escuto passos e gritos. Prestando um pouco de atenção, entendo que são sinal de felicidade, ao contrário do que pensei inicialmente ser. Me sinto mal por estar tão programado para presumir que as coisas ao meu redor sempre são e serão negativas. Não é difícil perceber que o problema se encontra em mim.

Se eu fosse inteligente, faria uma analogia a buracos negros. Diria que sou como eles, que sugo toda a luz que ousa pairar ao meu redor e faço com que ela suma como se nunca tivesse existido. Pensando melhor, seria um tanto quanto prepotente da minha parte me comparar a algo tão fascinante e atrativo.

Se ainda for usar algo relacionado a astronomia — não astrologia, entendo pouco de signos — talvez eu seja plutão. Plutão, que um dia já foi planeta, e depois de tantos anos feliz em manter sua posição, ainda que em último lugar e ainda que tão distante do centro de tudo, fora rebaixado. Sim, talvez eu seja como plutão. Aquele plutão que alguns consideram mais do que outros. Que já foi importante mas que agora afunda vagarosamente no esquecimento, deixado de lado pouco a pouco até pelos que antes pareciam ser os mais interessados. Talvez eu devesse mudar meu nome para plutão.

O celular, com a tela virada para baixo na expectativa de que não me incomode com a luz, vibra. Imagino toda a cena como uma série adolescente ou filme clichê. O principal está deitado em sua cama, encarando o teto e então os flashbacks começam. Algumas cenas de sua infância feliz começam a passar, dele próprio correndo e sorrindo numa grama verde, com a iluminação clara demais. Logo após, as lembranças são de algumas horas atrás onde seu relacionamento de alguns anos é abruptamente terminado sem mais explicações.

Se eu fosse o protagonista de um filme, a mensagem em meu celular agora seria um pedido de desculpas, ou até mesmo meu melhor amigo que sempre foi apaixonado por mim perguntando se quero sair para espairecer. Se fosse esse o caso, nós sairíamos e depois de uns meses estaríamos em um relacionamento feliz, nos perguntando o motivo de nunca termos nos visto como algo romântico antes.

Se fosse um clichê, eu não estaria aqui só por mim. O sentimento não seria de solidão e sim de tristeza. A dor seria de uma perda e não de um vazio. A dor seria em si uma dor, não seria um massivo e absoluto nada.

Pegando o celular, é como esperava. Apenas uma notificação de um aplicativo qualquer que sequer lembrava de ter instalado.

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