Quando as pessoas são pequenas as bordas do mundo são perto de casa

Maria Morena Gomes
OIMOI
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3 min readDec 14, 2021

Consigo perceber nitidamente quando as minhas bordas se estenderam. Quando passei do sétimo ano conheci meus bairros vizinhos a pé, pensando que sabia muito. No nono aprendi a andar de metrô sozinha, o que não é muito difícil no Rio porque só existem duas linhas. No ensino médio andei muito pela zona sul, entre copacabana e botafogo. Viajar é marcar novos limites também, então prezo por conhecer de norte ao sul o meu país.

É óbvio que não vivo disso. Agora ando num círculo muito fechado, rastejando pelos cantos exalando receio da rua. Mas ainda ando. Me pergunto se conhecer pessoas é também estender as fronteiras da nossa mente tanto quanto é conhecer um lugar novo. Se a cada abraço nos familiarizamos mais. Como lugares, no entanto, não quero dizer que conheci e nunca mais voltar. Gosto de enraizar vínculos. Conhecer os hábitos, os cheiros, roubar repertórios que eu vou contar na minha mesa de amigos e dar os devidos créditos.

Se estender bordas é como conhecer pessoas, eu fui longe. Das pessoas que tive o prazer de abraçar, guardo com carinho o momento. Não sei se é coisa de carioca, mas amo quem abraça apertado. Quem anuncia o que sente com o aperto e um sorriso. Tinha medo de que num mundo com vacina deixássemos de nos cumprimentar, quando na realidade ganhei abraço-morada. Que medo bobo para um hábito tão arraigado. Acho que estender bordas é, na realidade, marcar afeto. Quem eu amei carrego comigo em cada abraço, e toda vez que estendo as bordas do mundo sem bordas abraço centenas de outras pessoas no corpo de uma.

Me perguntei por muito tempo se ainda ia conhecer lugares, ainda mais depois de dois anos e meio dentro de casa. Sei que toda cautela é pouca, mas daqueles que reencontrei e reconheci, sei que posso voltar e onde vão me levar. Dos novos, espero conseguir o mesmo discernimento. Pessoas, assim como lugares, são constantemente ressignificadas. Marcar bordas num mundo redondo é atribuir significados constantes a todos os lugares. Crescer, pelo menos para mim, foi guardar com carinho quem me mostrou por onde andei, e então mostrar para novas pessoas.

E mesmo com todos os questionamentos diante do mundo quando eu pudesse sair de casa, aprendi que mais forte que estender supostos limites foi a construção em cima dos que eu já conhecia. Do que é passar tanto tempo em um único lugar com as mesmas pessoas, olhando pela mesma vista, percebendo diferentes ângulos que eu podia olhar para o meu quarto da minha própria cama, e então mudar todos os móveis de lugar só para ver tudo de novo.

Coragem foi o maior desafio. Percebi que se não entendesse o que era tão próximo, nunca ia conseguir ir sem medo para o que é longe, nunca ia me abrir para olhar de novo em cantos que eu ignorava. Coragem para ressignificar o que precisava ser ressignificado e, então, cortar o que não tinha mais serventia.

Coragem foi entender o tempo das coisas e não me forçar a ir longe só para ampliar bordas.

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Maria Morena Gomes
OIMOI
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Aspirante a jornalista, leitora assídua e escritora um tanto medíocre. @morenagomesg