Depois das críticas sobre a falta de mulheres no primeiro escalão ministerial, Temer recebeu a bancada feminina da Câmara. Foto: Beto Barata / Presidência da República

#AlgoATemer: Belas, maioria e preteridas

O que pensam algumas brasileiras sobre a ausência de mulheres no ministério interino de Michel Temer

--

Reportagem: Renata Fontanetto e Vicky Régia

Em país em que mais da metade da população é composta por mulheres, e um quarto delas negras, o estranhamento é inevitável quando se vê que o ministério formado pelo presidente em exercício Michel Temer foi formado apenas por homens e apenas um deles se declara pardo. Sim, há mais de 103 milhões de brasileiras, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), e 48,6 milhões de mulheres negras de acordo com o último Censo (2010). No entanto, o governo interino passou por cima de um conceito muito caro à política: a representatividade. Fato já fartamente noticiado, esta é a primeira composição ministerial sem mulheres desde o governo Ernesto Geisel (1974–1979) durante a ditadura militar.

De um lado, há quem apoie os nomes indicados, sob o argumento de que o mais importante para tirar o país da crise é a competência dos ministros escolhidos — questões de gênero e cor pouco importariam neste cenário. Do outro, movimentos sociais, pesquisadores e coletivos feministas apontam retrocessos com os últimos movimentos do atual governo. Apuro conversou com algumas mulheres ligadas a questões de gênero e direitos humanos para entender qual o lugar das mulheres no atual governo interino de Michel Temer na segunda matéria do especial #AlgoATemer.

Vera Marques, doutora em ciências sociais e pesquisadora do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), acredita que uma conjunção de elementos já anuncia que o governo atual é pouco afeito aos pleitos pelo respeito à diversidade. Segundo ela, a importância de uma política representativa está na possibilidade de discussão e reflexão acerca de diferentes contextos sociais.

“Medidas econômicas, por exemplo, são vivenciadas de formas diferentes por mulheres e por homens, basta ver a grande desigualdade de gênero presente na sociedade brasileira. Da mesma forma, as pessoas negras também têm acesso aos diversos bens produzidos pela sociedade de forma diferenciada. É necessário que o governo considere estas desigualdades para que suas políticas promovam o bem-estar de todos e todas, independentemente de raça e orientação sexual”.

Marques é coordenadora de um curso de especialização em Gênero, Sexualidade e Direitos Humanos na Fiocruz. Ela lamenta a extinção do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos e enxerga no fim da pasta um sinal de que o governo Temer considera menores as causas até então defendidas por ela. “Agregá-lo ao Ministério da Justiça, constituindo o Ministério da Justiça e Cidadania, é problemático, pois o termo ‘cidadania’ invisibiliza as desigualdades sociais decorrentes, particularmente, do gênero, da raça e da orientação sexual, uma vez que mulheres, pessoas negras e pessoas LGBT são ainda tratadas como sub-cidadãos”, avalia.

A professora de física do Cefet do Rio de Janeiro Elika Takimoto compartilha da opinião de Marques ao afirmar que um governo sem mulheres e negros já é um fator que dificulta qualquer debate sobre pluralidade no Brasil. “O governo está composto por homens muito parecidos: brancos, ricos e quase todos da mesma idade, ou seja, pertencentes a uma mesma geração. Não parece o Brasil e, definitivamente, não nos representa. Não acreditei em nenhum momento que um governo advindo de um golpe como o que testemunhamos seria capaz de reconhecer e valorizar a diversidade na composição e valorizar as políticas públicas”, afirma.

Vencedora do Prêmio Saraiva de Literatura e autora do blog ‘Minha vida é um blog aberto’, Elika é bastante crítica ao governo interino e costuma compartilhar com seus seguidores nas redes sociais ideias e experiências de vida.

“Isso tudo significa, assim acredito, que esse governo Temer não está nem um pouco comprometido em diminuir as desigualdades. A mensagem está bem explícita: somos racistas, machistas e mulheres e negros não existem nos lugares onde decisões são tomadas. O que era de se esperar de um governo ilegítimo cuja pauta é escancaradamente neoliberal e voltada para a elite”.

Para Jurema Werneck, doutora em Comunicação e Cultura e coordenadora técnica da Criola, uma organização da sociedade civil que atua na defesa e na promoção de mulheres negras, a representatividade tanto nos locais de poder quanto fora dele é um sinal de democracia, justiça e equidade: “Nós não tínhamos isso nos governos anteriores, a gente nunca teve. Nós nunca tivemos essa representação de forma adequada”.

Segundo ela, a ausência de mulheres no governo interino de Temer é um aprofundamento do descaso histórico do governo com grupos minoritários e não uma descontinuidade. “No governo Dilma existia uma sinalização simbólica, mas nada além disso. E, no governo atual, a sinalização que ele dá é que não se importa com isso e que não faz parte da estratégia governamental”, afirma Jurema.

“O governo Dilma não nos dava atenção, mas não nos atacava. O governo golpista de Temer está partindo para o ataque.”

Em entrevista à jornalista Sônia Bridi, da TV Globo, na edição de 15 de maio do Fantástico, Michel Temer discordou quanto ao fato de não existir nenhuma mulher em seu governo. Ele lembrou a presença de Nara de Deus Vieira, chefe de gabinete da presidência da república e, segundo ele, ainda que este cargo não esteja acima do de ministro, é um dos mais relevantes. Naquela ocasião, Temer também informou que pretende trazer mais três representantes do “mundo feminino” para que atuem junto a secretarias das pastas de Educação e Cultura; Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e Justiça e Cidadania. No entanto, quando “cutucado” pela jornalista de que, ainda assim, elas não teriam o status de ministra, ele argumentou que o rótulo de ministro não é o que determina se uma pessoa trabalha bem ou não.

Até agora, Flávia Piovesan assumiu a Secretaria de Direitos Humanos — e já na primeira entrevista disparou contra o “rebaixamento” do status da pasta. Já a Cultura voltará a ser um ministério nesta terça-feira, e terá um homem como titular: cinco mulheres recusaram o convite.

Na primeira entrevista, Temer vislumbrou mulheres nas secretarias do governo. Canal: O Brasil no poder

Em suas contas, com as novas representantes, o governo interino passaria a contar com quatro mulheres, distribuídas entre as 24 pastas e a chefia de gabinete. No mandato de Dilma, até a última semana, seis mulheres estavam à frente das seguintes pastas: Casa Civil; Agricultura; Ciência, Tecnologia e Inovação; Meio Ambiente; Cidades; e Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (cerca de 19% dos 32 ministérios do governo petista). A questão do preconceito contra a mulher na política já tinha sido abordada pela presidente afastada durante os trâmites do processo de impeachment no Senado. Na ocasião, ela comentou que um dos componentes desse processo tem como base o fato de ela ser a primeira presidenta eleita pelo voto popular do Brasil: “A história ainda vai dizer o quanto de violência contra a mulher e o quanto de preconceito contra a mulher tem nesse processo de impeachment golpista”, declarou.

Em entrevista ao jornalista norte-americano Glenn Greenwald, do site The Intercept, Dilma disse que a ausência de mulheres e negros nos ministérios mostra descuido do atual governo com o Brasil. “O que está me parecendo é que esse governo interino e ilegítimo será bastante conservador em todos os aspectos”, resumiu.

Fernanda Barros dos Santos, professora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ, é categórica ao dizer que as mulheres continuam confinadas ao espaço do lar devido a uma perspectiva patriarcal da política, que ainda entende a mulher como incapaz e ineficaz ao gerir assuntos públicos.

Ilustração: Victor Soriano

“Você tem uma revogação de todos os avanços que o Brasil pode ter em relação à democracia, principalmente no que tange a agenda identitária da mulher e sem falar da agenda identitária da mulher negra”, pontua.

Quando questionadas sobre quais mulheres indicariam para as atuais pastas, algumas entrevistadas responderam firmemente que não compactuam com o governo de Temer. “Eu não quero nenhuma mulher negra ocupando posições em um governo golpista. Eu quero que a gente reconheça que se trata de um golpe. A gente não vai ser contemplado nunca”, explica Jurema Werneck. “O golpe tem exatamente essa cara: homens brancos, heterossexuais, velhos e ricos. A unica solução para o golpe é derrubá-lo.”

Para Elika, a resposta ao governo interino se dá nas ruas: “Eu não indicaria ninguém para atuar nesse governo porque sequer o reconheço como tal. Convoco, sim, todas as mulheres para irem às ruas brigar pela democracia antes que soframos ainda mais as consequências desse grupo retrógrado que aí está instalado contra a vontade da maioria da população brasileira.”

Os próximos capítulos dirão se o espaço destinado à mulher no atual governo continuará sendo o de um objeto decorativo.

--

--