Foto em Flickr: Victor Camilo. Licença CC BY-ND 2.0.

#AlgoATemer: Incertezas no futuro do meio ambiente

Especialistas dizem que governo interino pode retroceder em avanços obtidos nos últimos anos

Revista Apuro
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7 min readJun 1, 2016

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Reportagem: Renata Fontanetto e Victor Soriano

Entre 2004 e 2014, o desmatamento na Amazônia foi reduzido em 80% e o Brasil alcançou papel de destaque nas negociações climáticas nas Nações Unidas. Mas as coisas não são simples, em se tratando da região: o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite mostrou que o desflorestamento voltou a crescer e uma área equivalente a quatro cidades do tamanho de São Paulo (cerca de 5,8 mil km²) teve sua vegetação nativa destruída no ano passado. Índice de um cenário que já não é dos melhores e tende a piorar no governo interino de Michel Temer.

Especialistas ouvidos pela Apuro apontaram desafios para o ministério e afirmaram que as propostas do presidente em exercício para a área constituem sérias ameaças à proteção ambiental. Quem comandará a pasta é o deputado federal Sarney Filho (PV-MA), que ocupou a mesma função durante o governo Fernando Henrique Cardoso e, apesar de seu bom trânsito com alguns movimentos ambientalistas, ainda é visto com desconfiança. Confira a seguir a nova matéria do especial #AlgoATemer.

Criado em novembro de 1992 no último mês do governo Fernando Collor, o Ministério do Meio Ambiente, surgido dentro da lógica de monetarização dos recursos naturais, é organizado a partir do artigo 225 da Constituição Federal. A ele compete criar estratégias tanto para preservação e recuperação do meio ambiente quanto para o manejo sustentável da natureza e para a criação de conhecimento.

Sua instauração está associada ao surgimento da ideia de desenvolvimento sustentável, termo cunhado na década de 1990 e que preconiza o desenvolvimento econômico em um cenário de abundantes recursos naturais sem, no entanto, garantir a preservação da natureza. Faz parte deste paradigma, por exemplo, o reflorestamento de áreas desmatadas com plantações de eucalipto, que atendem à indústria de papel e celulose. É a natureza posta à mercê da lógica de mercado.

Izabella Teixeira foi ministra do Meio ambiente durante os dois mandatos de Dilma. Foto em Flickr: Blog do Planalto.

É neste sentido que a principal proposta relacionada ao meio ambiente presente em ‘Uma Ponte para o Futuro’, documento apresentado pelo PMDB em outubro de 2015 e visto como o programa do governo Temer, causa preocupação em ambientalistas. Nele, prevê-se “crescimento sustentado” que iria “promover a racionalização dos procedimentos burocráticos e assegurar ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais, que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados”. Trocando em miúdos, o que está em pauta é o relaxamento das ações de licenciamento ambiental para obras de infraestrutura e instalação de indústrias.

A prospota, aliás, já é assunto no Congresso Nacional desde antes do afastamento da presidenta Dilma. Em abril, a PEC 65/2012, que impede a suspensão ou cancelamento de obras a despeito de qualquer risco ambiental que ofereçam, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. O texto foi relatado pelo senador Blairo Maggi (PP-MT), ‘premiado’ em 2005 com o “Motoserra de Ouro” pelo Greenpeace e hoje ministro da Agricultura do governo interino.

Uma das poucas vozes contrárias à aprovação da PEC é justamente a do novo ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho (até o fechamento desta matéria, a assessoria do ministro não respondeu os questionamentos enviados pela reportagem). Filiado ao Partido Verde desde 2005, o deputado federal já passou pela Arena, partido de sustentação no Congresso do regime militar, PDS e PFL, atual DEM. Advogado de formação e ambientalista, ele é visto como inimigo do agronegócio. Em sua carreira como deputado federal, participou da criação da Frente Parlamentar Ambientalista para o Desenvolvimento Sustentável em 1997, da qual foi coordenador pelos dois primeiros anos. Além disso, relatou a CPI do Tráfico de Animais e Plantas Silvestres Brasileiros, a Exploração e Comércio Ilegal de Madeira e a Biopirataria no país.

Apesar do bom trânsito de Sarney Filho entre alguns especialistas e militantes da causa ambiental, o cenário é de incerteza, segundo o biólogo e educador ambiental Gil Cardoso. Para ele, o caráter desenvolvimentista do governo interino torna imprevisíveis as mudanças no horizonte da política ambiental brasileira. “O governo interino conta com muito apoio de políticos de fortes ligações com o agronegócio e a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Então, apesar dos acenos positivos feitos pelo ministro Sarney, eles podem não ter força para se manter”.

Em visita à Mariana (MG), Sarney Filho se disse contrário ao retorno da atividade mineradora na região, atingida pelos dejetos da Samarco. Foto: Leonardo Merçon — Instituto Últimos Refúgios

Cardoso defende que é importante estar atento à relação que a pasta do Meio Ambiente terá com outros ministérios que também interferem em questões ambientais. “Os ministros de Minas e Energia e Relações Exteriores (Fernando Filho e José Serra, respectivamente) têm posicionamento político que não favorece o meio ambiente, pois preconizam um modelo de desenvolvimento que não dialoga com a sustentabilidade possível”. Para o estudioso, é curioso o fato de Sarney Filho ter tomado a frente na ratificação brasileira do Acordo de Paris, compromisso mundial contra as mudanças climáticas, enquanto Serra ainda não se pronunciou sobre o assunto.

Maureen Santos, coordenadora do Projeto de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll, é outra especialista a enxergar na composição ministerial de Temer o principal perigo à proteção do meio ambiente. “Blairo Maggi, por exemplo, tem o estigma de maior desmatador do Brasil. Você trazer uma figura dessas para o Ministério da Agricultura é algo simbolicamente muito forte”. Maureen ainda aponta para o perigo de que a reorganização ministerial iniciada com a posse do presidente em exercício possa afetar não só políticas socioambientais como também determinados setores relacionados aos Direitos Humanos, como a agricultura familiar e camponesa.

“Secretarias importantes que eram de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário foram colocadas sob os cuidados da Casa Civil. Sendo Eliseu Padilha o chefe da pasta ficamos diante de um cenário desfavorável para a manutenção dos poucos direitos que haviam sido adquiridos durante os governos Lula e Dilma”, aponta.

Em termos de futuro, as projeções só esquentam. No dia 14 de maio, a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) anunciou que o mês de abril deste ano foi o abril mais quente já registrado na História. Isso pode se repetir nos próximos meses e, de forma geral, cientistas já preveem que 2016 possa ser o ano mais quente desde 1800 — quando iniciou-se o uso de termômetros para registrar as temperaturas do globo. O quadro se agravou ainda mais este ano com a ocorrência do El Niño, fenômeno responsável pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico Equatorial que traz consigo diversas variantes, como aumento de chuvas, secas, incêndios florestais e enchentes.

Urge pensar em como se adaptar às mudanças climáticas, considerando os contextos regionais. Cada nação tem sua parcela de responsabilidade nesse bolo, e o Brasil é internacionalmente visto como um dos protagonistas das negociações durante as Conferências do Clima da ONU. Para o biólogo Luiz Drude de Lacerda, da Universidade Federal do Ceará (UFC), o Brasil precisa manter a linha de ação que vinha adotando quanto aos compromissos de redução na emissão de gases do efeito estufa.

Na Amazônia, o El Niño contribuiu para a seca e inúmeros focos de incêndio em 2015. Foto: Ana Cintia Gazzelli / WWF

“Devemos manter e ampliar o que o país já vinha fazendo, como, por exemplo, a substituição de combustível fóssil na matriz energética brasileira e a consequente redução na emissão de gases do efeito estufa. Ainda não sabemos quais serão as diretrizes e posicionamentos deste governo interino no tocante à pauta ambiental. Temos que aguardar”, pondera Drude, que é membro de um grupo de trabalho sobre impacto de mudanças globais da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

As incertezas também alcançaram o Fórum Brasileiro de Mudanças Climática. No dia 12 de maio, data do afastamento de Dilma, o físico Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deixou o cargo de secretário-executivo do Fórum, o qual exercia desde 2004, por não concordar com o impeachment. Em e-mail a Michel Temer, Pinguelli explica suas razões e também comenta as contribuições da entidade.

“Reputo de injusto o afastamento da Presidente da República pelo Congresso Nacional com a conivência do Supremo Tribunal Federal, pois não se provou qualquer crime de responsabilidade como estabelece a Constituição. O Fórum teve várias reuniões com a presidente da República e ministros, apresentando sugestões que foram incorporadas no Plano Nacional sobre Mudança do Clima e na Lei Nacional sobre Mudanças Climáticas, bem como contribuiu para o compromisso do Brasil na Conferência do Clima da ONU. No momento, o Fórum estava discutindo as propostas para o Plano de Adaptação nos diversos setores em ligação direta com a ministra do Meio Ambiente”, justificou.

Perguntas sem resposta merecem atenção e cuidado. Negligenciar esses temas e tratá-los de forma desimportante é colocar por terra negociações, compromissos e avanços simbólicos e efetivos do país no tocante ao meio ambiente. A pauta ambiental não pode ser colocada em um plano secundário deste ou de qualquer governo.

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