Ciro já disputou duas eleições para presidente e ficou fora do segundo turno em ambas as vezes. Foto: Reprodução

Até onde Ciro vai?

Como a longa trajetória de Ciro Gomes lhe colocou, hoje, como fenômeno nas redes sociais pela esquerda e pela direita

Revista Apuro
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11 min readJul 6, 2016

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Reportagem: Pedro Muxfeldt

Faltam mais de dois anos para as próximas eleições presidenciais, mas Ciro Gomes (PDT) já cumpre agenda de candidato. Sem cargo público desde fevereiro de 2015, quando deixou a Secretaria de Saúde do Ceará, seu reduto eleitoral, o ex-ministro de Itamar Franco e Lula tem percorrido o Brasil dando palestras em universidades e associações empresariais e concedendo entrevistas para meios de comunicação. Fora do segundo turno nas eleições presidenciais de 1998 e 2002, o Ciro Gomes versão 2018 angaria apoios à esquerda e à direita sem poupar críticas a nenhuma das partes do espectro político e, em poucos meses, se tornou fenômeno nas redes sociais com vídeos em que combina análise política e econômica com o jeito incendiário que sempre o caracterizou.

Engana-se, no entanto, quem enxerga o cearense como a tão falada terceira via para além da polarização dos últimos 20 anos entre PT e PSDB e que foi representada por Marina Silva (Rede) nos pleitos mais recentes. Para o cientista político e diretor do Instituto Cultiva Rudá Ricci, uma possível candidatura de Ciro seria a representante do lulismo na disputa presidencial e só ocorreria caso o próprio ex-presidente Lula (PT) desista ou seja impedido de concorrer em 2018. “Ele é o único nome de centro-esquerda se lançando até o momento, mas precisa ser ungido pelo Lula. E se for o escolhido precisa se vender. Há mais de 30 anos que o Lula age assim, tem sempre três ou quatro planos que vai deixando amadurecer e eliminando os menos factíveis. Foi assim com a Dilma para 2010, que precisou garantir apoios dentro e fora do PT antes de ser confirmada”, acredita ele.

Apesar da conexão com Lula, o sucesso recente de Ciro nas redes sociais mostra que o arco de apoio ao ex-governador do Ceará tem se estendido para muito além das bases tradicionais do Partido dos Trabalhadores, chegando a amealhar possíveis eleitores entre os opositores do projeto de governo lulista e avessos à figura do ex-presidente. Segundo Rudá, o fenômeno se explicaria pelo posicionamento de certa neutralidade de Ciro na discussão política atual. Ainda que fortemente contrário ao impeachment de Dilma, o pedetista não poupa críticas às gestões do PT, principalmente quanto a questões ético-morais, preocupação de parte do eleitorado antipetista.

“Existe uma espécie de direita esclarecida que foi às ruas de maneira sincera contra a corrupção desde o ano passado que agora não está confortável em apoiar o PMDB ou o PSDB, totalmente enlameados por denúncias de corrupção, e nem mesmo a Marina Silva, que também já foi citada. Essa direita está fazendo uma procura para decidir para que lado vai. Nesse cenário, é possível que Ciro Gomes seja o candidato desse setor mesmo tapando o nariz na hora de votar”.

O apoio até aqui conquistado entre setores da direita ainda não garante a viabilidade de Ciro, avalia o cientista político. Para isso, o possível candidato precisaria superar alguns obstáculos que seu estilo de fazer política e o distanciamento das urnas — o ex-governador do Ceará não disputa uma eleição desde 2006, quando foi eleito deputado federal — lhe impõem. “Ciro não tem base social sólida, é quase um outsider da política. Ele também não tem um programa de governo muito claro. Durante toda sua vida política, o Ciro sempre oscilou entre o liberalismo e algo perto do desenvolvimentismo. Além disso, ele tem um perfil muito irritadiço, se descontrola facilmente”, diz.

O jeito explosivo dos Gomes não é novidade. Então ministro da Educação de Dilma, o irmão de Ciro, Cid Gomes, foi à Câmara dos Deputados em março de 2015 se explicar da declaração, dada em visita à Universidade Federal do Pará (UFPA), de que havia “300, 400 deputados que querem achacar” na Casa. No plenário, manteve a posição, atacou Eduardo Cunha e mandou parlamentares da situação que votavam contra o governo “largarem o osso” e passarem à oposição. Deixou o Congresso sem o posto de ministro.

Irmão de Ciro, Cid Gomes deixou Ministério da Educação após discussão na Câmara. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

A lista de polêmicas de Ciro é ainda mais extensa e já foi inclusive usada contra ele em campanha. No primeiro turno das presidenciais de 2002, o cearense iniciou a corrida presidencial em segundo lugar nas intenções de voto, à frente de José Serra (PSDB), nome apoiado por FHC para sua sucessão. Desde o primeiro programa eleitoral, o tucano utilizou parte do seu tempo para expor falas controversas de Ciro contra Lula, Brizola — que o apoiava — e uma participação em programa de rádio onde chamava um eleitor de “burro” (veja no vídeo a partir de 20:00). Os ataques surtiram efeito e a campanha de Ciro desandou. Em outubro, o cearense terminou a eleição em quarto lugar, atrás até do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, à época filiado ao PSB.

O aspecto emocional é um peso e um trunfo para Ciro Gomes. Rudá aposta que os discursos incisivos do ex-ministro contra o impeachment, o pagamento de juros da dívida e o ataque a direitos trabalhistas terão capacidade de reanimar a militância de esquerda, que tem se impressionado com a apatia dos movimentos sociais e partidos ligados aos mandatos de Lula e Dilma após o afastamento da presidenta.

“Hoje, a base política do lulismo é um leão sem dentes. Tem força sindical, tem organizações estudantis, venceu quatro eleições consecutivas no país, mas perdeu seu poder de articulação e mobilização social. Um candidato muito agressivo gera um alento e consegue reativar as esperanças desse campo”, afirma Ricci.

O cientista político também destaca como pontos fortes de Ciro numa possível candidatura sua origem e influência no Nordeste — nascido no interior de São Paulo, o pedetista vive desde criança no estado do Ceará — e a juventude: ele é mais jovem que Lula e Serra, prováveis adversários na eleição de 2018.

Mesmo uma geração mais jovem que o grupo de políticos que vêm comandando o país nas últimas duas décadas e contemporâneo de Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (Rede), Ciro tem um histórico extenso na política. Sua trajetória, iniciada com a retomada das eleições estaduais no final da ditadura militar, é recheada de idas e vindas, com intensa mudança de legenda. Sua primeira eleição foi em 1982. Eleito deputado estadual pelo PDS, a antiga Arena, migrou poucos meses depois para o PMDB e justificou a filiação ao partido de sustentação dos governos militares pelas maiores chances de conseguir uma vaga na Assembleia estadual. Quatro anos depois, reelegeu-se como peemedebista, mas saiu da agremiação na metade do mandato para fundar o PSDB ao lado, entre outros nomes, de Tasso Jereissati, seu padrinho político e um dos barões da política nordestina.

Em 2002, Ciro contou com sua mulher Patrícia Pillar, que tratava um câncer, na campanha à presidência. Foto: Folhapress.

Como tucano, tornou-se o governador mais novo do Brasil ao vencer a disputa no Ceará em 1990, aos 32 anos. Em 1994, a três meses do fim de seu mandato, assumiu o Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco durante o processo de implantação do Plano Real. A eleição de FHC, seu correligionário, não lhe garantiu a manutenção no posto, tendo sido substituído por Pedro Malan. Em 1996 foi para o recém fundado PPS, dissidência do Partido Comunista liderada até hoje por Roberto Freire, e disputou as eleições presidenciais de 1998 e 2002, ficando fora do segundo turno em ambas.

Na segunda vez que disputou a Presidência, concorreu ao cargo com uma figura que hoje é seu inimigo político: o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (Solidariedade), fiel escudeiro do presidente afastado da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. Em 1998, seu companheiro de chapa foi Roberto Freire.

Paulinho da Força conheceu Ciro quando ele ainda era ministro de Itamar Franco. Concorreram juntos em 2002. Foto: Acervo Deputado Paulinho da Força

Adversário no pleito de 2002, tornou-se ministro da Integração Nacional de Lula e, já no PSB, deixou o cargo em 2006 para concorrer à Câmara dos Deputados, tendo sido o mais votado do Ceará, com mais de 667 mil apoios. Em sua última campanha, arrecadou R$ 1,2 milhão. Seus principais financiadores foram a Companhia Siderúrgica Nacional (R$ 500 mil), Caemi Mineração, incorporada pela Vale do Rio Doce (R$ 300 mil) e S.A. Paulista de Construções (R$ 100 mil).

Na mesma eleição, seu irmão Cid venceu a corrida pelo governo estadual. Sem disputar eleições desde então, continuou seu périplo por legendas das mais diversas, sempre acompanhado pelo irmão. Em 2013, filiou-se ao fisiológico Pros. No final do ano passado foi para o PDT, de tradição trabalhista e que teve Leonel Brizola como líder. Seu novo partido é ideal para suas aspirações e perfil, avalia Rudá Ricci.

“O PDT é um não-partido hoje em dia. Até pouco tempo, o PDT tinha o Cristóvão Buarque, que agora está no PPS. O PDT tem uma história que já foi grande, mas hoje em dia flutua e virou um partido satélite. Em alguns lugares é lulista e em outros é tucano. É um partido confortável para esse perfil andrógino do Ciro, é um partido híbrido ideologicamente e que não cria problema para ele”.

Se a preferência política não muito clara e a capacidade, por seu afastamento, de criticar a tudo e todos hoje conferem a Ciro uma posição de destaque no cenário político, a campanha eleitoral vai exigir a tomada de algumas decisões. Como observa Rudá, será preciso definir o teor do seu discurso. Sua fala, até o momento radical, com a defesa da auditoria da dívida pública, por exemplo, poderá ser moderada para atender a interesses do grande empresariado. O cientista político toma por base a campanha vitoriosa de Lula em 2002 para avaliar o que pode ocorrer com o Ciro candidato a presidente.

“A eleição do Lula é definidora. Quem quer se eleger sem confronto tem que se aliar com o que há de pior na política, inclusive os empresários. O empresariado brasileiro, ao contrário da imagem que tenta vender, é frágil, não tem elaboração e é amoral. É uma das elites econômicas mais frágeis do mundo. Não tem projeto para o país, depende o tempo inteiro do Estado, abocanha o orçamento e sonega impostos. É esse empresariado que financia a política. Negociar com esse pessoal é negociar com esse descalabro amoral da política nacional. Foi esse caminho escolhido pelo Lula em 2002”.

Apesar de contra o impeachment, Ciro não tem poupado Dilma de críticas. Foto: Roberto Stuckert Filho/ PR

Caso não opte pelo diálogo e vá para o confronto com as elites, as chances de vitória de Ciro, na visão de Rudá, aumentam, mas sua sustentação no cargo fica comprometida, em quadro que já se deu com presidentes anteriores, inclusive Dilma. “Escolher o caminho do confronto significa ser mais popular. O problema é que depois que você vence, fica isolado. Foi assim na volta do Getúlio, com Collor — que se intitulou caçador de marajás na campanha — e até com a Dilma no início do primeiro mandato. Ela cortou juros e renegociou contratos de energia. Essa pequena radicalização lhe custou apoio entre o empresariado. Radicalizar o discurso e exibir como inimigo esses setores que apostam na desigualdade social é sempre uma situação delicada”, diz ele.

O estilo que Ciro vem demonstrando ao longo de toda sua vida pública, sempre mantendo um pé em cada canoa, será empregado uma vez mais, com acenos para os dois lados. “As experiências do Ciro como gestor já ajudam o empresariado a relativizar o discurso dele e entender mais como bravata do que realidade. Um dos seus tutores econômicos era até bem pouco tempo o Mangabeira Unger, que é um liberal. Eu apostaria numa candidatura com discurso de confronto e prática de conciliação política”, afirma Rudá.

O debate entre Ciro Gomes e Rodrigo Constantino em programa da TV de Porto Alegre em 2008 é um dos vídeos de política mais vistos no país, com mais de 1 milhão de visualizações. Hoje, o sucesso do cearense nas redes sociais vai muito além da conversa com o economista liberal. Imagens de suas palestras e entrevistas têm sido cada vez mais compartilhadas e Ciro ganhou inclusive uma página de divulgação que mescla suas intervenções com humor.

Apuro conversou com os administradores da página Cirão da Massa, que prefeririam não revelar suas identidades, sobre o motivo do apoio a Ciro e suas visões sobre o momento político nacional. As respostas foram dadas pelo conjunto dos admiradores do ex-ministro.

Página Cirão da Massa combina humor e política no apoio ao cearense. Foto: Facebook

O que motivou a criação da página?

Nós já admirávamos Ciro Gomes há muito tempo e ficamos com vontade de dividir nossas impressões com outros brasileiros. Se você fizer uma pesquisa rápida, verá muitos políticos sem estudo e/ou sem ética com milhões de seguidores. Era flagrante que existia uma demanda reprimida por um político estudioso e ético, e aí a criação da página uniu o útil ao agradável.

Quais as principais qualidades que vocês enxergam em Ciro Gomes?

Uma das coisas que mais admiramos no Ciro é sua vocação para política, na acepção mais nobre da palavra. O gosto e o respeito pelo debate, sua sede pelo conhecimento. Ele faz críticas àquilo e a quem merece, mas não deixa de enaltecer a atividade política (tão demonizada hoje em dia), como o único meio de solucionar as demandas mais sensíveis da população, pacificar conflitos e consertar o país. Além disso, os defeitos dele acabam se tornando grandes qualidades. Percebe-se que ele é transparente, autêntico, não calcula cada ato de sua vida como uma campanha eleitoral eterna. O brasileiro está cansado de políticos boneco de cera, iguais. Ninguém mais acredita nisso.

Por que ele tem conseguido apoios tanto à esquerda quanto à direita?

Ele traz algo diferente e que o povo demandava há tempos. Assim, a atração dos campos de direita, centro e esquerda é natural porque Ciro Gomes não defende suas idéias puramente de forma ideológica e possui propostas em todos os três campos, utilizando como critério a racionalidade. Isso no Brasil já é um imenso abismo em relação aos outros candidatos, que simplesmente decoram ideologias e não têm trabalho de ler, de se atualizar.

Quais as propostas de Ciro que vocês mais admiram?

Gostamos da ideia de financiamento público de campanha, de tornar o Estado o produtor das campanhas eleitorais. Isto deixa os candidatos em condições iguais e exclui golpes de marketing. A única coisa que diferencia um candidato do outro são as propostas. Também gostamos da defesa de um manejo da economia de forma técnica, planejada e inteligente. A proposta de Ciro é consertar a balança de pagamentos, investir em produtos de alto valor agregado, extinguir privilégios dos super-ricos e, principalmente, promover o chamado Orçamento Base Zero, em que todas as receitas e despesas da União são analisadas e aprovadas antes de estarem no orçamento do ano seguinte.

De maneira geral, em quem vocês votaram nas eleições de 2014?

Votamos em candidatos diferentes no primeiro turno, mas convergimos para Dilma no segundo. Somos de Minas Gerais e acompanhamos Aécio Neves de perto por muito tempo. Mesmo assim, foi uma eleição do menos pior.

O que acham do impeachment de Dilma e o governo Temer?

O impeachment é flagrantemente inconstitucional. É uma gambiarra de argumentos forçados e contraditórios. Remédio para governo que a gente não gosta não é impeachment, é pressão popular e voto. O melhor, mais racional e mais correto seria esperar até as eleições de 2018. Quanto à administração Temer, vemos avanços e retrocessos em relação à Dilma.

Alguma aliança firmada por Ciro faria vocês deixarem de apoiá-lo?

Sim, uma aliança espúria, que tire completamente o povo da jogada, parafraseando um tal Ciro Gomes. Por enquanto não temos indícios de que isso possa ocorrer. Já alianças positivas, temos esperanças de que Ciro as faça com novas figuras da política, Rede e Psol, por exemplo. Mas que também se entenda com o lado moderno e decente do PT e do PMDB, siglas que estão sendo violentamente manchadas no noticiário, não sem sua própria parcela de culpa.

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