Tia Eron, nascida Eronildes, dará o voto decisivo sobre processo de cassação de Eduardo Cunha. Foto: Gustavo Lima / Câmara dos Deputados

Como vai votar Tia Eron?

Decisão sobre perda de mandato de Cunha está nas mãos da novata que tem ministro de Temer como conselheiro

Revista Apuro
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5 min readJun 14, 2016

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Reportagem: Pedro Muxfeldt

Eronildes Vasconcelos Carvalho (PRB-BA) será a deputada federal mais comentada desta semana. Marinheira de primeira viagem na Câmara, Tia Eron, seu nome na política, terá nas mãos a decisão sobre o andamento do processo de cassação do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Integrante da Comissão de Ética que analisa a perda do mandato do peemedebista, Eron é a única com voto indefinido. Entre os outros 19 membros do grupo, 10 defenderão Cunha enquanto 9 pedirão sua condenação. Caso Eron apoie o deputado, o pedido será arquivado. Se promover o empate, o voto de Minerva caberá ao presidente da Comissão, José Carlos Araújo (PR-BA), adversário do ex-presidente da Casa.

Com todos os holofotes apontados para si, Eron não deu as caras na sessão da semana passada na qual a votação poderia ter ocorrido. O sufrágio só não se deu porque o suplente de Eron no posto, Carlos Marun (PMDB-MS), é um dos fieis escudeiros de Cunha no Congresso e, com a iminência da derrota, o baiano Araújo lançou mão de uma das tantas manobras regimentais utilizadas por Cunha em seus tempos à frente da Câmara Baixa para adiar a votação, remarcada para esta semana. Eron, desta vez, garante que estará presente.

Sua escolha, porém, segue um mistério. Em busca da resposta sobre como Tia Eron decidirá a sorte de Eduardo Cunha na Comissão de Ética da Câmara, Apuro analisou outro voto célebre dado pela deputada — na histórica sessão de 17 de abril que aprovou a instauração do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff. Em menos de um minuto, a baiana proferiu cinco sentenças que ajudam a montar seu perfil e apontar qual será seu tão aguardado voto.

Tia Eron foi saudada por deputados pró-impeachment ao votar na sessão de 17 de abril.

Eu sou a voz da mulher negra e da mulher nordestina que não quer mais a migalha do governo federal porque tem dignidade para trabalhar e para vencer.

A frase que possivelmente resume a trajetória política de Tia Eron. Primeira negra eleita vereadora em Salvador em 2000, Eronildes tem por bandeira a luta pelos direitos das mulheres e dos negros desde o início de sua carreira. Suas ações lhe renderam quatro eleições consecutivas na capital baiana e, em 2014, lhe alçaram ao posto de deputada federal com expressivos 116.912 votos. Na Câmara, já apresentou uma série de projetos em prol das duas minorias, tais como a tipificação do crime de injúria racial coletiva e a obrigatoriedade de suplente mulher em cargos legislativos em caso de titular feminina.

Apesar da defesa de mulheres e negros, Eron também sempre esteve ligado ao campo conservador. Professora da Escola Bíblica Infantil da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), lugar que lhe rendeu o apelido que carrega até hoje, ela foi filiada ao PFL (hoje DEM) por 13 anos até migrar para o PRB, partido controlado pela Iurd, antes das últimas eleições. A deputada também é contrária à causa LGBT, sendo uma das autoras do projeto que susta decreto de Dilma que permite uso de nome social por servidores federais, e, como disse em seu voto, considera os programas sociais como o Bolsa Família de “migalhas” para a população negra e nordestina.

Eu sou a voz do presidente nacional, Marcos Pereira, que traz unidade ao Partido Republicano Brasileiro.

Eron se declarou a voz de Marcos Pereira, ministro de Temer.

A segunda frase do voto pró-impeachment dá substância à hipótese levantada na última semana de que sua decisão passará pelas mãos de Marcos Pereira, bispo licenciado da Igreja Universal desde que assumiu a presidência do PRB e atual ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços do governo interino de Michel Temer. Especula-se que Marcos Pereira teria se reunido com o presidente em exercício para tratar do voto de Eron na Comissão de Ética.

A situação, porém, não é tão simples quanto parece. Enquanto o pastor licenciadoestá inclinado a defender Cunha, outros nomes importantes do PRB têm lutado para que a novata apoie a perda do mandato do presidente afastado. Os dois principais são o também deputado federal Celso Russomano (PRB-SP) e o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). Ambos são pré-candidatos à prefeitura de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente, e temem a repercussão ruim do partido caso ele livre Cunha da cassação.

Eu sou a voz dos jovens e das crianças da minha Bahia, da minha Salvador, terra mãe desse país que não se curvará a essa farsa que vários deputados chegaram aqui para dizer que não existe crime. Estamos convencidos de que existe sim a configuração de um crime de responsabilidade.

Em meio a tantas homenagens a Deus, familiares e eleitores, Tia Eron foi das poucas congressistas a citar a prática de crime de responsabilidade de Dilma para embasar seu voto pelo impeachment da presidenta. Convicta, ela ainda classificou a tese de golpe contra a mandatária como uma “farsa”.

Se mantiver a conduta de se ater à denúncia para proferir sua decisão, Eron deve tender para a aceitação da perda de mandato. O pedido, feito pelo Psol e a Rede e relatado pelo deputado Marcos Rogério (DEM-RO), se baseia no fato de Cunha ter mentido durante depoimento à CPI da Petrobras, em março de 2015. Na ocasião, o então presidente da Câmara negou ter contas no exterior. Porém, em 1º de outubro, o Ministério Público da Suíça confirmou a existência de mais de US$ 5 milhões em nome de Cunha no país.

Cunha terá processo arquivado caso Tia Eron vote contra sua cassação. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Portanto, meu voto é sim, sim, sim.

O tom enfático não deverá ser o mesmo, mas um novo voto sim de Tia Eron representará a continuidade do processo de cassação de Eduardo Cunha, o homem que está colocando a República de pernas para o ar desde fevereiro do ano passado.

Proferir um ‘sim’ (ou um ‘não’) nunca foi algo tão complexo. Questões ideológicas e de consciência de Tia Eron não vão definir seu voto, muito menos os argumentos propostos pelo relator, que defendeu a cassação. Na verdade, a decisão da deputada será alvo de intensa barganha política por parte de Marcos Pereira e o PRB até os momentos finais. Para o governo Temer, a posição da baiana é crucial já que Cunha, apesar de afastado, tem sob seu comando um séquito de cerca de 100 deputados do chamado baixo clero, grupo que tem funcionado como fiel da balança das votações na Câmara nos últimos tempos.

Autoproclamada voz das negras, mulheres, crianças e excluídos no impeachment de Dilma, Tia Eron será agora a voz de interesses ainda mais profundos e inomináveis. Isso se ela resolver aparecer.

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