Dize-me com quem andas
Formada só por homens e sem negros, equipe de Michel Temer tem 58% dos membros respondendo a processos na Justiça
Reportagem: Wagner de Almeida Menezes, Diane Dias e Pedro Muxfeldt
O afastamento de Dilma Rousseff, selado pelo Senado Federal na manhã de quinta-feira (12), dá ao presidente Michel Temer (PMDB) pelo menos 180 dias para colocar em prática o documento ‘Uma Ponte para o Futuro’, projeto peemedebista para o país. O primeiro ato do novo presidente foi a já anunciada reforma ministerial, que extinguiu pastas, fundiu outras e nomeou 24 novos ministros que comandarão o país ao lado do vice de Dilma (veja aqui a lista completa). Fortemente criticado no governo anterior, o envolvimento de figuras do governo em escândalos de corrupção se mantém. Levantamento realizado pela Apuro nas bases de dados da Transparência Brasil e Atlas Político revelou que 14 dos 21 novos ministros com filiação partidária (66%) respondem atualmente a processos na Justiça. Contabilizando todos, a taxa de processados fica em 58%.
São eles: Blairo Maggi (PP-MT), Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), Gilberto Kassab (PSD-SP), Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), José Serra (PSDB-SP), Leonardo Picciani (PMDB-RJ), Maurício Quintella (PR-AL), Mendonça Filho (DEM-BA), Osmar Terra (PMDB-RS), Raul Jungmann (PPS-PE), Ricardo Barros (PP-PR), Romero Jucá (PMDB-RR), Ronaldo Nogueira (PTB-RS) e Sarney Filho (PV-MA).
Saiba quais são as acusações contra cada um dos ministros de Temer.
Se ainda havia quem aguardasse por mudanças não apenas de nomes, mas de métodos, deve se decepcionar. Assim como as de seus antecessores, as escolhas de Temer obedecem à necessidade de acomodar os partidos da base aliada no Congresso, reconduzem antigos ministros de FHC, Lula e Dilma e alçam jovens com sobrenomes famosos na política nacional ao comando de pastas importantes.
Além dos 14 investigados, Eliseu Padilha (PMDB-RS) e Bruno Araújo (PSDB-PE), que assumiram, respectivamente, a Casa Civil e o Ministério das Cidades, já tiveram seus nomes envolvidos em acontecimentos no âmbito da Operação Lava-Jato. Enquanto Padilha foi citado como um dos recebedores de propina da Petrobras pelo senador cassado Delcídio do Amaral (sem partido-MS), o tucano aparece na famigerada lista da Odebrecht. Junto com a dupla, outros seis ministros foram citados ou já são alvo de inquérito da operação, o que corresponde a 1/3 do grupo.
Liderança dos governos FHC e Lula no Senado e agora à frente do Ministério do Planejamento, Romero Jucá é um deles. Ele é alvo de dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), sendo um da Lava-Jato que apura crime de formação de quadrilha. Ao seu lado estão os correligionários Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), que assume a Secretaria de Governo, e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), nomeado para a pasta do Turismo. Ambos estavam sem cargos políticos e, agora empossados, passam a ter foro privilegiado. A situação da dupla é similar à que motivou o juiz federal Itagiba Catta Preta Neto a suspender a posse do ex-presidente Lula do cargo de Chefe da Casa Civil em março.
Os demais envolvidos na Lava-Jato são Raul Jungmann (Defesa), Mendonça Filho (Educação e Cultura) e Ricardo Barros (Saúde). Além de citado nas investigações comandadas pelo juiz Sérgio Moro, Jungmann responde por improbidade administrativa e danos ao erário. Quando era ministro de FH, chegou a ser investigado por fraude em licitação, peculato e corrupção. Já Barros sofre inquérito por corrupção passiva, peculato e fraude em licitação. Ele também já foi condenado por fraude e danos aos cofres públicos. Presidente do DEM em Pernambuco, Mendonça também responde a processos por contas não prestadas pelo partido nos municípios de Ibirajuba, Goiana e Trindade.
Mais do que alvos de processos, alguns dos novos ministros já foram condenados pela Justiça por diferentes crimes e irregularidades. Maurício Quintella Lessa, indicado pelo PR para os Transportes, foi julgado culpado por improbidade administrativa, dano ao erário e enriquecimento ilícito em caso de desvio de verbas da merenda escolar quando era secretário de Educação de Alagoas, de 2003 a 2005. Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) foi condenado por improbidade administrativa quando era prefeito de São Paulo, enquanto Sarney Filho (Meio Ambiente) teve que pagar multa em 2006 por prática de conduta indevida em ação movida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão.
PERFIL
Homem branco, 54 anos, curso superior completo e com mais de R$ 3 milhões em bens declarados à Justiça Eleitoral. Esse é o perfil do gabinete ministerial de Michel Temer. À ausência de mulheres, situação que não ocorria desde a presidência do general Ernesto Geisel (1974–1979) durante a ditadura militar, soma-se a falta de figuras oriundas de movimentos sociais e negros. De todos os 24 ministros, apenas Raul Jungmann se declara pardo. O novo ministro da Defesa também é o único dos auxiliares de Temer que não possui nível superior completo.
A média de idade elevada se reflete em escolhas de nomes com algumas décadas de atuação no cenário político nacional. Ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves é o mais longevo deputado federal, tendo permanecido na Câmara por 11 mandatos consecutivos, tomando parte, inclusive, da formulação da Constituição de 1988. Ao seu lado na Constituinte estava José Serra, presidente da União Nacional dos Estudantes na década de 1960, duas vezes candidato a presidente e ministro mais velho de Temer, com 74 anos.
Com outras figuras de longa data na política, casos de Eliseu Padilha e Geddel Vieira Lima, a média de idade do ministério Temer só não é mais alta pela nomeação de 8 ministros com 45 anos ou menos. No entanto, quatro deles são parentes de políticos célebres. O mais novo dos ministros, Fernando Filho, 32, é filho do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE). Junto a ele estão Leonardo Picciani, 36, do clã fluminense iniciado por seu pai, Jorge Picciani, hoje presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e Helder Barbalho, 36, filho do senador e ex-governador do Pará, Jader Barbalho. Por fim, Maurício Quintella, 44, é sobrinho de Ronaldo Lessa, ex-governador de Alagoas e atualmente deputado federal. Com 49 anos, Mendonça Filho fecha a lista dos herdeiros políticos. O novo ministro da Educação e Cultura é filho de José Bezerra Mendonça, deputado federal de 1979 a 2007 e já falecido.
Alçado ao mais alto cargo do país após o afastamento de uma presidenta acusada — à esquerda e à direita — de lotear cargos para se manter no poder, Temer mudou todos os nomes, mas não indicou, em suas escolhas, disposição para renovar o jeito de se fazer política no país.