Charge de Renato Aroeira, publicada no dia 13 de junho no jornal O Dia

Homofóbicos e a tragédia da boate Pulse

Eles não respeitam os homossexuais em suas falas, mas reagiram à morte de 50 gays nos Estados Unidos

Revista Apuro
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8 min readJun 15, 2016

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Reportagem: Daniel Gullino, Leandro Resende, Victor Soriano e Vitória Régia

Domingo, 12 de junho de 2016, 02h06. Omar Mateen invade a boate Pulse em Orlando, Estados Unidos, e inicia aquele que é o maior ataque a tiros da história de um país tristemente acostumado a massacres por armas de fogo. Um fuzil, 50 mortos e 53 feridos escolhidos para morrer apenas por serem homossexuais. Vidas de homens e mulheres ceifadas por conta do nojo sentido por seu executor ao, certa vez, ver um casal de homens se beijando.

Domingo, 6 de fevereiro de 2000, a noite cai sobre a Praça da República, Centro de São Paulo. O adestrador de cães Edson Néris da Silva recebe centenas de golpes de 16 skinheads que o sentenciaram à morte. Sentiram nojo em vê-lo de mãos dadas com outro homem. Nojo, desprezo, ódio. Sentimentos que unem dezesseis skinheads, Omar Mateen e tantos outros autores de crimes de motivação homofóbica mundo afora.

Mais do que nunca, a temática gay será abordada na corrida presidencial nos Estados Unidos, a ser disputada pela democrata Hilary Clinton e o republicano Donald Trump. No Brasil, vira e mexe o assunto toma conta do debate público — quase sempre por conta de declarações de cunho homofóbico de figuras públicas notadamente conservadoras.

Inspirada neste artigo da revista The New Yorker que desnuda como Trump explorou o triste episódio com fins eleitorais — o empresário é um entrave a qualquer debate sério sobre igualdade sexualApuro analisou as reações de parlamentares e figuras públicas brasileiras conhecidas por suas falas e posições contra a causa LGBT sobre o massacre na Pulse.

Jair Bolsonaro (PSC-RJ)

Reprodução Facebook

É longa a ficha corrida do deputado federal pelo Rio de Janeiro quando o assunto é preconceito e ódio contra certos grupos. Machismo, racismo e homofobia se somam à defesa da ditadura militar e da tortura. Certa vez, em 2010, sugeriu que pais batessem em filhos que “ficassem meio gayzinhos”. No ano seguinte, declarou à Revista Playboy que preferia um filho morto a um homossexual assumido e que um casal gay morando perto dele iria “desvalorizar seu imóvel”.

Ativo nas redes sociais, Bolsonaro não postou nada relativo ao massacre de Orlando. Porém, quando indagado por um seguidor, que queria “uma aula sobre religião” do deputado para esclarecer as questões envolvidas, Bolsonaro respondeu com o link para um vídeo gravado por Nando Moura.

Nando é guitarrista de uma banda de heavy metal brasileira e mais um a figurar no rol de ícones da web conservadora. Faz vídeos onde fala de política e faz desagravos a figuras como o pastor Silas Malafaia. Na resposta dada por ele e incorporada por Bolsonaro, Nando critica a cobertura midiática do massacre, reforçando que não se trata de um crime de homofobia, e sim de um ato terrorista.

“A palavra homofóbico é uma palavra canalha. ‘Puta seu viado, faz tanto tempo que eu não te vejo… Vem cá, pega na minha’. Esse cara é homofóbico tanto quanto um cara que pega uma AK47 e mata 50 pessoas. Quem faz a piada é culpado do mesmo jeito (…) A saída é fortalecer a cultura cristã(…)O que fazem hoje em dia? Pegam a religião e jogam na merda. E quando acontece um ato terrível desses, aí culpam a nós. Tudo para não ver o verdadeiro problema”.

João Campos (PRB-GO)

Deputado federal e presidente da Frente Parlamentar Evangélica, João Campos fez um pequeno post no Facebook em que conclamou seus seguidores: “Não desistamos de buscar a paz e harmonia entre as pessoas”.

Reprodução Facebook

A paz e harmonia entre as pessoas pode ser um tema relativo para João Campos. O parlamentar é autor do PDC 234, conhecido como ‘cura gay’, que sustava decreto do Conselho Federal de Psicologia de 1999 vedando a prática de terapias de reorientação sexual. O projeto ignorava, por exemplo, entendimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, desde a década de 1990, retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).

O texto chegou a ser aprovado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, à época presidida pelo Pastor Marcos Feliciano, depois de manifestações favoráveis de deputados vinculados a igrejas evangélicas. Pressionado e com altas chances de derrota no plenário da Câmara, Campos decidiu solicitar arquivamento do projeto em 2013. A decisão, no entanto, foi manobra para permitir a apresentação de projeto idêntico pelo deputado Pastor Eurico (PSB-PE) um ano depois. Caso tivesse sido rejeitado em votação, o PDC não poderia ser rediscutido na mesma legislatura. O segundo projeto também já foi arquivado.

Foto: Ellyo Teixeira / G1

Marco Feliciano (PSC-SP)

O deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), entusiasta da ‘cura gay’ e defensor da ideia de que homossexualidade é ‘modismo’, afirmou no Twitter que grupos LGBT usaram o ataque à boate Pulse para se promover.

Reprodução Twitter

Pastor e presidente da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, Feliciano declarou que a causa do atentado não foi “apenas homofobia” e criticou um suposto silêncio de grupos de esquerda em relação a outros atentados e seu apoio à causa palestina.

O deputado trata como certa a vinculação de Omar Mateen ao Estado Islâmico (EI), mas o FBI informou que não há conexão direta entre o grupo terrortista e o atirador. O presidente dos EUA Barack Obama também ressaltou que Omar era um extremista nascido em solo estadunidense.

Ilustração: Victor Soriano

Pastor Silas Mlalafaia

Como em quase todas as suas postagens nas redes sociais, independentemente do assunto, Silas Malafaia aproveitou o ataque à Pulse para criticar a presidenta afastada Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores. Num primeiro momento, ele sequer se solidarizou com as vítimas do atentado e ainda fez referência ao discurso de Dilma na abertura da Assembleia-Geral da ONU em 2014, no qual ela criticou o ataque dos Estados Unidos ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque. A presidenta dissera, na ocasião, que só bombardeios não resolveriam o problema.

Reprodução Twitter

Ao defender a exigência de visto, o pastor da Associação Vitória Em Cristo, vinculado à Assembleia de Deus, só esqueceu de um detalhe: Omar Mateen nasceu nos Estados Unidos e já havia sido investigado duas vezes pelo FBI. Será que ele, então, defende a obrigatoriedade de visto para estadunidenses?

Pode ser: o casamento homoafetivo, realidade dos EUA, é considerado crime pelo pastor. Para ele, gays são lixo moral e devem ser alvo de ‘porrete’. Malafaia ainda chegou a fazer um vídeo criticando a charge de Renato Aroeira publicada no jornal O Dia, que abre esta reportagem, onde afirma não ser homofóbico.

Magno Malta (PR-ES)

Uma das principais vozes do Senado contra o projeto de lei que criminaliza a homofobia, Magno Malta postou vídeo em suas redes sociais, onde se diz “consternado” e declara solidariedade aos familiares das vítimas da tragédia. Neste vídeo, Malta usa o termo “opção sexual”, quando se refere à diversidade de gênero e sexualidade, salientando que o atirador tem relação com o Estado Islâmico. Ele ainda cobra posicionamento da presidência brasileira contra o terrorismo.

Reprodução

Em 2011, o senador afirmou:O Brasil não é homofóbico. O brasileiro convive sem guerra ou violência física com as diversidades de raça, credo, ideologia política e até mesmo social. Homofobia é agressão, violência, truculência, crueldade”. Em 2013, disse que os homossexuais querem criar uma casta no Brasil. No mesmo ano, segundo relatório do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos foram registradas 1.965 denúncias de 3.398 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 1.906 vítimas e 2.461 suspeitos. Os números tendem a ser ainda maiores.

Michel Temer

Foram 50 mortos e 53 feridos em uma boate LGBT e o presidente interino do Brasil, Michel Temer, se posicionou da seguinte forma: “quero lamentar enormemente a tragédia nos Estados Unidos que vitimou dezenas de norte-americanos”. É chegada, ou melhor, passada a hora de dar nome aos bois. Saber como se usa linguagem não é o mesmo que entender as necessidades de ações concretas em políticas públicas voltadas para os LGBTs. As dezenas de norte-americanos eram LGBTs, como aqueles que morrem a cada 28h no país que mais mata transsexuais e travestis no mundo.

Reprodução Twitter

A proposta de criminalização da homofobia nasceu em 2001, apresentada pela então deputada federal Iara Bernardi (PT-SP) e inicialmente denominada PL 5003/2001. O projeto sofreu mudanças durante a tramitação e, em 2006, passou a propor alteração da Lei nº 7.716 de 1989, conhecida como Lei do Racismo, para acrescentar a discriminação baseada em gênero e orientação sexual. As punições variariam entre um e cinco anos de prisão e multa.

Foi essa a versão aprovada no plenário da Câmara que seguiu para o Senado com uma nova numeração: PLC 122/2006. Passou primeiro pela Comissão de Direitos Humanos, onde não foi votada, e depois pela Comissão de Assuntos Sociais, onde sofreu alteração, mas foi aprovada em 2009. Nos anos seguintes, no entanto, a proposta não conseguiu o apoio necessário e foi arquivada em 2015.

A dificuldade em criminalizar a homofobia no Brasil é índice do tamanho do problema no país. Sob o manto da liberdade de expressão, políticos proferem e repercutem ofensas à população LGBT diariamente .Silenciamentos, agressões físicas e morais, ignorâncias deliberadas, diminuições ditas e interditas são elementos do cotidiano legitimadores da intolerância sexual que permitiu o massacre de Orlando, a morte de Edson e tantas outras tragédias.

Apuro segue engajada na luta contra a homofobia e na defesa de toda forma de amor.

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