Movimento separatista planeja independência em dez anos. Foto: Eduardo Deboni em Flickr. Licença CC-BY 2.0

O que pensam os separatistas de São Paulo?

Movimento São Paulo Livre quer país de centro-direita e propõe exílio de políticos corruptos

Revista Apuro
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8 min readJun 29, 2016

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Reportagem: Pedro Muxfeldt

Construir uma república de centro-direita, altamente industrializada, com menor proteção ao trabalhador e leis duras contra a corrupção. Esse é o sonho dos integrantes do movimento São Paulo Livre (SPL), que prega a independência do estado mais rico do Brasil. No planejamento traçado por seus idealizadores também constam nacionalização de todos os habitantes de São Paulo, Parlamento com 125 deputados, voto distrital nas eleições e exílio de políticos corruptos que atuam hoje em dia no estado. Tudo isso seria alcançado em dez anos, prevê o SPL, que conta com 10 mil apoiadores.

Segundo o presidente do grupo, o microempresário Flávio Rebello, 43 anos, a reivindicação da independência paulista se baseia em questões econômicas e histórico-culturais. As primeiras dizem respeito à subrepresentação do estado no Congresso Nacional— 13% dos deputados para 22% da população — e a carga tributária imposta a São Paulo, que paga R$ 1,3 bilhão diários à União. São as segundas, no entanto, que mais movem o SPL.

“A história de São Paulo é fundamentalmente diferente do resto do Brasil. Mas não é interessante falarem isso. Em 1709, São Paulo abarcava Minas, todo o Centro-Oeste, Tocantins, Paraná, Santa Catarina e Rondônia. Portugal achou por bem fatiar para não deixar os paulistas fortes demais. Um fidalgo português escreveu que “os paulistas têm excessivo amor pela liberdade”. Já mostra a diferença entre os países. Temos as bandeiras que abriram todo o interior do Brasil. Nós fizemos a primeira guerra contra um exército da metrópole. Se isso for levantado surgirão questões incômodas para o governo federal”, diz ele.

Moeda pretende homenagear bandeirante. Foto: Divulgação/SPL

As bandeiras, espécie de mito fundador do espírito empreendedor paulista, foram responsáveis pelo alargamento das fronteiras do Brasil para o Oeste. Porém, a expansão territorial, obra de bandeirantes como Domingos Jorge Velho, veio ao custo do aprisionamento e assassinato de tribos indígenas que ocupavam o interior do país. Alguns historiadores também atribuem a Velho, homenageado na nota de 5 ouros, a moeda da futura nação, a destruição do Quilombo dos Palmares, liderado à época por Zumbi.

A exaltação às bandeiras e à Revolução Constitucionalista de 1932, outro marco da “paulistude”, nome dado pelos separatistas à singularidade paulista, não é o esteio do programa do SPL, garante Flávio. Inclusive, ele conta que a formação do grupo se deu após discordâncias com outros movimentos pela separação do estado. “A diferença é que nós somos integristas, queremos que paulistas de berço ou de coração sejam integrados no novo país”, afirma ele, que rechaça com veemência ideias de expulsão de imigrantes, mas enxerga a possibilidade de que a xenofobia, principalmente contra nordestinos, possa ser aflorada com a independência.

“Num universo de 44 milhões de pessoas, haverá algumas dezenas de milhares de imbecis como em qualquer lugar. Mas qualquer proposta que pretenda segregar, cortar direitos dos nordestinos nasce para morrer. É a mistura que nos difere de qualquer outro lugar do Brasil e isso não pode ser eliminado com a formação de um país novo. Pelo contrário, terá que ser incentivada. Uma das nossas verdades é que todos que moram em São Paulo são paulistas. Não importa de onde tenham vindo do Brasil ou qualquer outro lugar”.

Apesar da garantia aos direitos dos habitantes não nascidos no estado, o movimento São Paulo Livre afirma em sua página que a migração de milhões de nordestinos nas décadas de 1970 e 1980 foi fortemente incentivada pelo governo federal em “tentativa intencional de destruir a paulistude”. No novo país, porém, as fronteiras não serão totalmente fechadas aos imigrantes. “Não vamos barrar brasileiros até porque muita gente vai querer estudar e aproveitar as oportunidades de São Paulo. Hoje se eu quero viajar para Argentina não preciso nem de passaporte. A mesma coisa pode ser facilmente obtida com o nosso vizinho do Norte. O que haverá é controle de fronteiras. Tráfico de drogas, de pessoas serão combatidos. Quem quiser vir para São Paulo progredir, trabalhar, vai ser muito bem-vindo. Vamos bloquear a entrada de quem não quer trabalhar, quem vem para o crime, para vender droga”, aponta o fundador do SPL.

O grupo São Paulo Livre foi criado em 29 de outubro de 2014, apenas três dias após a reeleição de Dilma Rousseff à Presidência da República. A proximidade das datas se justifica pela insatisfação dos três fundadores do movimento com os governos do Partido dos Trabalhadores, no poder desde 2003, mas não apenas com eles. “Há 30 anos, o Brasil fez uma opção por commodities, relegou a indústria a quinto plano e hoje ela está em frangalhos. São Paulo foi o estado que mais perdeu participação no PIB nesse período. Mesmo assim, somos quem mais paga imposto e 92% do que é arrecadado aqui vai para a União. Além disso, nos negam o conhecimento da nossa própria história”, diz Flávio.

Bandeira do novo país substituiria mapa brasileiro pelo paulista. Foto: Divulgação/SPL

Ele também critica os governos estaduais do PSDB e analisa que os 20 anos dos tucanos à frente de São Paulo se explicam pela falta de melhores opções. “A corrupção, a malversação, os contratos suspeitos começam a acontecer quando nós temos um mesmo partido há muito tempo no mesmo lugar. Acho que o governo de São Paulo já deu o que tinha que dar e está na hora de uma alternância de poder. Mas é menos o PSDB e mais uma falta de opção. A população de SP está cansada do PSDB, mas os outros são horríveis. O pessoal acaba se apegando ao que tem”, avalia o separatista. Por conta disso, a proposta do SPL para o novo país é a criação de partidos e combate duro à corrupção, com a proposta inclusive de exílio para os atuais políticos de São Paulo que tenham cometido crimes contra o patrimônio público.

“Todos os partidos do Brasil estão em conluio com essa superestrutura corrupta movida a propina e favores pessoais. Por isso, nossa proposta vai muito além de separar. Queremos novos partidos, novos rostos e teremos legislação draconiana e implacável contra a corrupção de maneira que os atuais políticos teriam a opção de ir para a prisão ou irem embora de São Paulo para sempre. Nós queremos criar um país do zero, com tudo novo”, diz.

Quanto à forma de governo do novo país, Flávio aponta que ainda há divergências sobre a manutenção do presidencialismo ou adoção do parlamentarismo. Tal decisão será feita com consulta aos eleitores. Por outro lado, já há definição sobre a extinção do Senado, formação de Parlamento com 125 deputados e implantação do voto distrital — sistema em que os representantes são eleitos por pequenas áreas do território — , que seria, segundo o SPL, outra forma de evitar a corrupção. “Com o voto distrital você acaba tendo a pessoa eleita para a área que mora e isso vai impedir corrupção porque não é necessário entupir o bairro de panfleto para se eleger. Já os deputados vão ganhar os seus salários, ter direito a dois assessores, um jornalista e só. Nada de auxílios”, garante.

A saída do Reino Unido da União Europeia, decisão tomada por referendo na última quinta-feira e que recebeu o nome de Brexit — corruptela das palavras inglesas Britain, que se refere à ilha da Grã-Bretanha, e exit (saída) — inspirou os integrantes do São Paulo Livre a criarem a hashtag Sampadeus. Apesar de enxergar semelhanças entre os dois países (“eles escolheram um poder local no lugar de um poder distante, insensível e que gasta mal”), Rebello afirma que há maiores ligações entre São Paulo e a situação da Escócia, que realizou sem sucesso plebiscito para sua independência do Reino Unido em setembro de 2014.

Flávio Rebello é um dos três fundadores do São Paulo Livre. Foto: Divulgação/SPL

Para ele, a reivindicação escocesa está baseada na tendência à centro-esquerda no país enquanto a Inglaterra, que comanda a união formada também por País de Gales e Irlanda do Norte, consolidou-se desde o governo da primeira-ministra Margareth Thatcher, nos anos 1970, como país de centro-direita. A situação inversa estaria em curso na relação São Paulo e Brasil. “Está nascendo uma direita muito forte em São Paulo. Não estou falando da extrema-direita estúpida de Bolsonaro, mas de uma direita liberal, que quer um Estado menor, leis trabalhistas mais elásticas. O que acontece aqui é inversamente proporcional ao que está acontecendo na Escócia, eles estão se sentindo politicamente sufocados”, pontua o empresário.

Esse crescimento da direita, ocorrido apenas em São Paulo na visão de Rebello, foi explicitado na campanha pelo impeachment de Dilma. Segundo o empresário, a queda da presidenta é trabalho paulista “com apoio esporádico dos brasileiros”. Em cálculos próprios, ele estima que das 1,9 milhão de pessoas que foram às ruas pelo impedimento na segunda grande manifestação contra Dilma, ainda em 2015, 1,6 milhão eram paulistas, espalhados pela capital, Santos, Ribeirão Preto e outras cidades do interior. “Com números assim, a gente começa a perceber algumas pequenas diferenças de comportamento e opinião política entre São Paulo e o resto do Brasil”, diz.

Entre outros fatores, o movimento pela saída da presidenta está ligado à criminalização da direita pelos governos petistas, na análise do SPL. “O PT nega o direito de existência dessa direita que vem nascendo. Quando você se coloca hoje em dia como de direita é automaticamente atacado como reacionário, racista, preconceituoso. O que você acredita na verdade é que o esforço individual é capaz de promover crescimento econômico e até social”.

Sobre os programas sociais, marca das administrações do PT, Rebello aponta a importância de complementar a renda das pessoas mais pobres, mas deposita suas esperanças de redução da pobreza no crescimento econômico, valorização da moeda e investimento em educação o que, segundo o empresário, foi a fórmula utilizada por Japão e Coreia do Sul nas últimas décadas. “Nós vamos ter pobres, qualquer país do mundo, a Suécia, a Alemanha, os Estados Unidos têm pobres, mas a pobreza de lá não é a mesma daqui porque eles já têm décadas de desenvolvimento econômico. A miséria absoluta vai ser combatida pelo desenvolvimento econômico”, aposta.

Essas e outras propostas do movimento São Paulo Livre serão testadas pela primeira vez em 2 de outubro. No mesmo dia em que as cidades do país decidem seus novos prefeitos e vereadores, o SPL realizará plebiscito consultivo em cerca de 100 municípios paulistas questionando a população sobre seu apoio à causa independentista. O grupo espera angariar 100 mil votantes.

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