Collor e Dilma, presidentes da República afastados, durante campanha pela reeleição dela e pela eleição dele ao Senado.

Vira-casaca

Senadores eleitos com apoio do PT e ex-ministros de Lula e Dilma abandonam o barco e consumam o afastamento da presidenta

Revista Apuro
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8 min readMay 12, 2016

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Reportagem: Leandro Resende e Pedro Muxfeldt

Se fidelidade ou gratidão fossem palavras levadas a sério na política brasileira, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff não estaria tão próximo de ocorrer. Isto porque dentre os 55 senadores que votaram a favor do afastamento da petista por 180 dias nesta quinta-feira (12), 15 deles foram eleitos por coligações partidárias que tiveram a participação do PT nas eleições de 2010 e 2014. Somados aos 22 votos contrários ao impeachment, o grupo de parlamentares, que engloba ex-petistas e membros de seis partidos, deixaria Dilma com 37 votos a seu favor e numa situação menos complicada do que a atual. A agora presidenta afastada será julgada daqui a seis meses, em comissão comandada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. Nesta fase, serão necessários 54 votos, um a menos do que os obtidos pela oposição hoje e correspondentes a ⅔ do Senado, para a saída definitiva do PT do poder após 13 anos.

Além dos 11 senadores eleitos entre 2010 e 2014 que se mantiveram no partido, o PT participou das campanhas de outros 22 políticos em 13 unidades da federação que estiveram presentes na votação do afastamento de Dilma. Outros dois — Raimundo Lira (PMDB-PB) e Hélio José (PMDB-DF) — eram suplentes de, respectivamente, Vital do Rêgo Filho e Rodrigo Rollemberg, ambos também coligados com o Partido dos Trabalhadores ao se elegerem. A lista dos que abandonaram o barco governista é composta, além da dupla já citada, por Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Blairo Maggi (PP-MT), Cristovam Buarque (PPS-DF), Eduardo Amorim (PSC-SE), Elmano Ferrer (PTB-PI), Eunício Oliveira (PMDB-CE), Fernando Collor (PTC-AL), João Alberto (PMDB-MA), Magno Malta (PR-ES), Marta Suplicy (PMDB-SP), Ricardo Ferraço (PSDB-ES), Romário (PSB-RJ) e Wellington Fagundes (PR-TO). Entre eles, quatro mudaram de legenda desde a eleição.

O caso mais notório de “traição” na votação do impeachment é o de Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo, ex-ministra dos governos Lula e Dilma, eleita senadora pelo PT em 2010 e dona de uma história de 34 anos militando no partido. Em setembro de 2015, ela se filiou ao PMDB em busca de espaço para disputar a Prefeitura de São Paulo neste ano, cargo hoje ocupado por Fernando Haddad, seu antigo correligionário. Em seu voto, citou a alta taxa de desemprego no estado de São Paulo, afirmou haver indícios de crime de responsabilidade e vislumbrou “uma esperança de poder virar a página”.

Posse de Marta Suplicy como ministra da Cultura de Dilma, em 2012. Entre elas, o presidente do Senado à época, José Sarney (PMDB — MA). Foto: Roberto Stuckert Filho / PR

Marta, no entanto, não foi a única política com passagem pelo PT a apoiar o afastamento de Dilma. Suplente de Rodrigo Rollemberg nas eleições ao Senado em 2010, o ex-sindicalista Hélio José, conhecido como Hélio Gambiarra, esteve entre os fundadores do PT no Distrito Federal. Ainda em 2010, desfiliou-se do partido para participar da criação do PSD, rumando dois anos depois para o PMDB, sua legenda atual. Além deles, Cristovam Buarque, eleito em 2010 pelo PDT e hoje no PPS, também militou por muitos anos no partido de Dilma e foi o primeiro ministro da Educação do governo Lula, de 2003 a 2004, deixando o PT no ano seguinte para concorrer às eleições presidenciais de 2006.

Em 29 de setembro de 1992, Fernando Collor era o presidente da República a ser afastado — no caso dele, bastou a vontade da Câmara dos Deputados. E graças ao apoio do PT, que o ajudou a ser eleito em Alagoas, Collor pode votar pelo impeachment de Dilma e eternizar um discurso de 15 minutos em que, em resumo, disse: eu avisei.

Outros nomes pró-impeachment estiveram por um bom tempo ao lado do governo. Um deles é Magno Malta. Desde 2002, quando foi eleito pela primeira vez ao Senado, coligou-se com o PT no Espírito Santo. Durante os trabalhos da Comissão Especial do Impeachment, chegou a lembrar que, no passado, percorreu o Brasil para, usando sua posição de pastor da Igreja Batista, melhorar a imagem de Lula e o PT junto ao eleitorado religioso. Na tarde de ontem, afirmou que o impeachment era como “amputar uma perna cheia de gangrena para salvar o corpo do Brasil” e que o PT “atacou os valores da família” ao defender pautas como a legalização do aborto.

Outro senador favorável ao impeachment que já foi apoiador do governo é Blairo Maggi. Considerado o maior produtor de soja do mundo e “vencedor” do Prêmio Motosserra de Ouro de 2005 pelas ações de desmatamento quando era governador do Mato Grosso, Maggi apoiou Lula nas eleições de 2006 em busca de renegociação da dívida de produtores rurais, ação que lhe rendeu a expulsão do PPS. Em meio a muitas mudanças partidárias, seguiu ao lado do governo até esta quarta-feira, quando se filiou ao PP já com o voto pelo afastamento de Dilma definido e falando como futuro Ministro da Agricultura do governo Michel Temer.

Mais ferrenho opositor ao governo federal, o PSDB, que votou em bloco pela admissibilidade do processo de impeachment, também tem um senador eleito em coligação com o PT. Hoje tucano, o capixaba Ricardo Ferraço ainda era membro do PMDB quando disputou as eleições de 2010 e chegou ao cargo escorado em ampla coalizão. Ao lado de Magno Malta, o então peemedebista superou a ex-deputada federal e vice de José Serra nas presidenciais de 2002, Rita Camata, atualmente sua colega de partido.

Para além dos senadores que alcançaram seus postos por conta, em parte, do apoio petista e da máquina federal durante as eleições, alguns nomes que tiveram participação direta nas gestões Lula e Dilma se puseram favoráveis à destituição da presidenta. Ao todo, oito ex-ministros participaram da sessão no Senado. Todos foram favoráveis ao impeachment. À frente da pasta de Minas e Energia até o dia 20 de abril, Eduardo Braga (PMDB-AM) alegou problemas de saúde e não compareceu ao Congresso.

Romero Jucá conversa com Lula no Palácio do Planalto, em 2009. Senador, que é o grande articulador de Temer, foi líder dos governos FHC e Lula.

Além de Marta, Cristovam e Eunício, ministro das Comunicações de Lula e também eleito com apoio do PT no Ceará em 2010, os outros ex-ministros hoje a favor do afastamento são Edison Lobão (PMDB-MA, ministro de Minas e Energia de Lula e Dilma), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN, ministro da Previdência Social de Dilma), Romero Jucá (PMDB-RR, ministro da Previdência Social de Lula), Marcelo Crivella (PRB-RJ, ministro da Pesca de Dilma) e Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE, ministro da Integração Nacional de Dilma). Atual ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro (PTB-PE) reassumiu o cargo para votar contra o impeachment.

Com o acréscimo dos cinco ex-ministros, Dilma teria obtido 42 votos e colocaria fim ao processo de impeachment aberto contra ela em 02 de dezembro de 2015 pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). No entanto, os acordos em prol da governabilidade e da obtenção de maioria no Congresso Nacional feitos com partidos de centro e direita pelo PT desde o início do governo Lula se viraram contra o partido nos estertores do mandato de Dilma. Afastada, a presidenta precisará agora conseguir reconverter ao menos seis velhos aliados para livrar-se da cassação definitiva. Porém, o capital político que permitiu coligações tão inchadas e distribuição de cargos em tempos anteriores parece agora reduzido e pendendo para o outro lado da balança.

OPINIÃO

Daqui a algumas horas, começará o governo interino de Michel Temer. Se irá durar os 180 dias ou até 2018 ainda não se sabe, mas já se desenha no horizonte o avanço de uma política neoliberal, expressa no documento peemedebista ‘Uma Ponte Para o Futuro’. E o recrudescimento do autoritarismo e da repressão aos movimentos sociais, na medida em que se especula que Alexandre de Moraes, atual secretário de segurança pública de São Paulo, será o novo ministro da Justiça.

O governo Temer é ilegítimo de saída, pois sua condução ao poder foi inaugurada por Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara dos Deputados pelo STF e sobre quem recaem as mais variadas denúncias. É ilegítimo porque na democracia, tal qual diz a Constituição Cidadã de 1988, só assume o poder quem tem voto. Temer não teve nenhum — a não ser dos 55 senadores que lhe deram hoje a Presidência e dos 367 deputados que admitiram o processo na Câmara em 17 de abril.

O arranjo verbal que tenta justificar a legitimidade de Michel Temer dizendo que o PT o escolheu como vice da chapa de Dilma Rousseff em 2010 e 2014 é insuficiente. Quem subiu a rampa do Planalto, recebeu a faixa presidencial e estará nas listas dos presidentes da República nos livros de História é Dilma. Agora, com a companhia de Temer.

Se seguirão, ao longo deste dia e pelo menos nos próximos seis meses, análises, verborragias e levantamentos para tentar entender o penoso processo político pelo qual passa o país. O que 12 de maio de 2016 também mostra, além da vitória do conchavo e da vingança, é que o PT errou muito. Errou porque acreditou nas coalizões com grandes oligarcas da política, porque vendeu cargos como num feirão para alcançar a ‘governabilidade’. Em nome dessa palavra, traiu a si, a seus eleitores e contribuiu decisivamente para sua saída — talvez momentânea — do poder.

A opção pelo pragmatismo e a necessidade de se manter no poder em nome de um projeto produziu cenas como a das eleições estaduais de 2014, no Rio de Janeiro, em que os quatro principais candidatos ao governo fluminense fizeram campanha com Dilma Rousseff — numa corrida eleitoral em que havia um petista na disputa.

Dilma no Rio em 2014: campanha por Crivella, Lindbergh, Garotinho e Pezão. Foto: Pablo Jacob / O Globo

A democracia foi derrotada, reafirmamos, pela vingança, pelo não reconhecimento do resultado das urnas por parte da oposição e pelo entrelaçamento de interesses jurídico-midiáticos, responsáveis pela reafirmação da ideia de que, sem o PT, o Brasil se veria livre da corrupção. ‘Pedaladas fiscais’, nesse sentido, foram apenas um pretexto para deposição de uma presidenta legitimamente eleita. O PT, entretanto, foi derrotado antes, ao não realizar sua autocrítica. De volta à oposição, é esperar para ver se terá tempo e disposição para fazê-la enquanto vislumbra a provável — se os caminhos e descaminhos da Justiça deixarem — candidatura de Lula à presidência em 2018.

Até lá, cruzaremos uma ponte em 180 dias. Uma longa caminhada que, se certamente será difícil, rogamos para que não seja tão traumática como outras várias que demos ao longo da nossa História.

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