Instalação industrial Brown Boveri, em Osasco, SP. 1965 Foto: Hans Gunter Flieg / Acervo Instituto Moreira Salles

Flieg e o trabalho

Revista Beira
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4 min readSep 8, 2016

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Por Júlia Demeter

“Eu vim como exilado e sem dúvida, o meu trabalho me ajudou a criar raízes no Brasil”

Enxergar beleza e poesia no trabalho, vê-lo como um elemento de pertencimento e coesão em um novo país foram os primeiros pensamentos que surgiram quando aceitei o convite da Revista Beira para escrever sobre a relação entre a obra de Hans Gunter Flieg e o trabalho. Fotógrafo de profissão, o seu trabalho era retratar o fluxo de produção alheio e isso gerou um diálogo consistente, que certamente o fez entrar para a história da fotografia moderna no Brasil.

Pelo fato de Flieg ter emigrado para São Paulo, acredito que o tema “trabalho” tenha um desdobramento significativo na sua obra, pois poucas cidades no mundo são tão regidas pelo labor quanto a capital paulistana. Ainda nesse sentido, Flieg tinha na fotografia uma profissão e não se via como um fotógrafo de arte, tendo contribuído para a profissionalização de áreas como o design e a propaganda, nas quais ele mesmo atuou por quatro décadas.

Ferramentas Heinz. Foto: Hans Gunter Flieg / Acervo Instituto Moreira Salles

Hans Gunter Flieg imigrou da Alemanha para o Brasil em 1939, ano crítico para a condição judaica da sua família. Flieg estudou fotografia na adolescência e quando se mudou para a capital paulistana já havia feito um curso de técnicas de laboratório no Museu Judaico de Berlim e utilizava as câmeras Linhof e Laica. Ele tinha uma forte influência do seu país de origem, da Bauhaus e do grupo Nova Objetividade.

Suas fotografias podem parecer em um primeiro momento frias, rígidas e demasiado adequadas à forma. No entanto, um olhar mais cuidadoso percebe a profundidade da sua linguagem artística clara, que transforma os objetos e as cenas cotidianas da modernidade em beleza e fotografia. Não se está diante de uma mera documentação, mas de uma interpretação do objeto, seja ele uma construção, uma máquina ou uma peça, por meio da fotografia. Flieg conecta com facilidade arte e tecnologia sem esquecer da ligação indissociável que se estabelecera naquele momento no Brasil entre o capital industrial e o capital simbólico representado pelas artes.

Soprador de vidro da fábrica Nadir Figueiredo em Belenzinho, São Paulo — SP. 1953 Foto: Hans Gunter Flieg / Acervo Instituto Moreira Salles

Flieg documentou com afinco o desenvolvimento industrial e urbanístico que transformou São Paulo em meados do século XX. Máquinas, linhas de montagem, chaminés, totens, design, urbanismo e arquitetura ganham poesia nas suas lentes. Segundo o fotógrafo, em entrevista concedida para o Instituto Moreira Salles: “Vim como exilado, mas não me sinto nem um pouco exilado no Brasil. E, sem dúvida, o meu trabalho me ajudou a criar raízes no Brasil”

Não se sabia onde tanto “progresso” e “eficiência” iriam dar. Flieg ouvia a sinfonia da metrópole e captava beleza onde não necessariamente a havia, e assim diversas novas indústrias e profissões foram apreendidas pelas suas lentes.

Complexo Termelétrica Jorge Lacerda e rotativa do jornal O Estado de São Paulo. Fotos: Hans Gunter Flieg / Acervo Instituto Moreira Salles

Assim, a medida que as tecnologias avançavam e sua adaptação ao Brasil se intensificava, seu trabalho se expandia. Em 1945, ano do fim da II Guerra Mundial. Flieg abriu seu estúdio de fotografia. Alguns anos depois, ele se tornou responsável pelas imagens do calendário da Pirelli. Já em 1951, se tornou o fotógrafo oficial da 1ª Bienal de Arte da cidade que o recebeu, São Paulo.

Pode-se dizer também que Flieg pensava sua atividade como profissão. A identificação com os operários e suas produções provavelmente passa pelo reconhecimento entre o fotógrafo e o que era fotografado. São cenas de um período histórico no qual o país agrário se tornou um país urbano e Flieg deu forma a algumas delas em imagens otimistas, formal e tecnicamente impecáveis.

Casa de farinha. Foto: Hans Gunter Flieg / Acervo Instituto Moreira Salles

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