Os subúrbios
norte-americanos
de Dan Graham

Concebido especificamente para o meio
de uma revista, “Homes for America” documenta
a vida nos subúrbios de New Jersey

Revista Beira
Revista Beira

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Por Duda Kuhnert

Medium specificity, ou especificidade do meio, é um conceito aplicado em obras que o artista manipula as propriedades estéticas de um determinado suporte e são constituídas formalmente a partir das características do material utilizado. O trabalho-artigo Homes for America [Lares para América] foi concebido pelo artista contemporâneo norte-americano Dan Graham exclusivamente para o meio de uma revista e opera dentro e sobre ela. Publicado como foto-ensaio em 1966 na ArtsMagazine, a obra é baseada no estudo realizado pelo artista sobre os típicos modelos de habitação popular norte-americana, que surgiram no país depois da Segunda Guerra Mundial.

O conteúdo da obra/artigo mescla uma série de fotografias de casas monotonamente iguais em New Jersey com textos descrevendo a lógica de organização espacial e formal desses bairros. Exibido primeiramente como uma projeção de slides, Graham documentou com uma câmera Kodak comum o ambiente residencial da sua vizinhança e delineou um paralelo entre a emblemática indústria imobiliária nos Estados Unidos e a produção artística serial e em repetição, própria do movimento minimalista. Em Homes for America, Graham problematizou duas noções centrais da cena cultural do momento: a divulgação dos modelos arquitetônicos, reflexo do modelo construtivo sequencial nos subúrbios norte-americanos, e a busca por outros meios de inserção nas instituições artísticas.

O artista usou a diagramação original da ArtsMagazine para o ensaio fazer parte do discurso cotidiano da publicação, situando na revista a circulação ideal para o seu estudo sobre o cotidiano urbano dos subúrbios. Homes for America é uma obra que existe através do meio da informação e faz da revista um espaço público. Enquanto a Pop Arte apresenta uma arte sobre mídia, Dan Graham traz uma obra de arte como mídia e informação.

A obra/artigo de Dan Graham publicada na ArtsMagazine (1966)

Preocupado em examinar os aspectos históricos, sociais e ideológicos dos sistemas culturais contemporâneos, Graham encontrou um suporte alternativo ao cubo branco das galerias. “Então, em Homes for America, pensei em escrever sobre a cidade como a cidade suburbana. E em vez do cubo branco da galeria, me interessei pelo plano urbanístico, os subúrbios e a cidade”¹. Assim descreve o artista em entrevista ao crítico de arte e curador Hans-Ulrich Obrich, em 2001. A chegada da arte conceitual e minimalista marca o começo da desmaterialização da arte, enfatizando ideias e discursos, o que determinou a capitalização do imaterial como bem de consumo no mercado de arte.

Homes for America não representa apenas um novo modelo de inserção de arte no cotidiano das pessoas, mas também um modelo de produção que prioriza ideias e linguagens. Frequentemente relacionado à arte conceitual, Graham privilegia a estrutura linguística incorporada à obra, buscando superar as limitações das linguagens tradicionais, assim como seu cenário institucional. A obra em questão foi elaborada em um contexto em que o artista pesquisava as possibilidades de apresentar um ensaio como uma obra de arte, ampliando os limites entre obra e documento, e a explorar o potencial descritivo da fotografia para ilustrar suas ideias e conceitos.

Homes for America. Dan Graham (1966)

Nascido em 1942, em Illinois, nos Estados Unidos, Dan Graham começou como galerista ao abrir a John Daniels Gallery, em Nova York, apoiando a produção de artistas minimalistas. Arquitetura, vídeo, televisão e música popular estão entre os principais focos das suas investigações, articuladas em ensaios teóricos, performances, esculturas, fotografias, instalações, vídeos. Graham tem uma vasta pesquisa situada no campo da arquitetura, principalmente no que diz respeito às dinâmicas de produção, consumo e circulação da chamada cultura de massa.

Não é somente em Homes for America que Graham manifesta seu interesse pelo espaço doméstico. Outro trabalho fruto da sua pesquisa sobre as disposições espaciais e sociais do habitante urbano é Video Projection Outside Home, no qual uma televisão é instalada em frente a uma casa no subúrbio de Santa Barbara, California, sintonizada no mesmo canal que os moradores estão assistindo. Em outro trabalho intitulado Alterations to a Suburban House, Graham também integra os espaços interno e externo de uma residência de subúrbio. O dispositivo consistia em substituir a fachada da casa por um plano de vidro, semelhante a uma vitrine, que abria para a rua a visão da sala de estar.

Dan Graham é um artista preocupado com as tensões existentes entre o público e privado e interessado na investigação sobre os processos de percepção e subjetivação também presentes nas problemáticas sociais e espaciais do cotidiano da cidade. Graham volta-se frequentemente nos seus trabalhos para o jardim, churrasqueira e piscina, buscando representar a vida suburbana no qual ele mesmo está inserido.

  1. Obrist, Hans-Ulrich. Entrevistas: volume 4. Rio de Janeiro: Cobogó, 2011

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