Maldivas: o condomínio que é uma ilha de mistérios e dramas

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8 min readApr 18, 2024

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Por Ana Clara Moreira, Bruna Apolinário, Bruno Amoreli e Gabriela Amorim*

Figura 1: Poster oficial da série. Fonte: Divulgação Netflix

Você já se perguntou quantos segredos a sua vizinhança guarda? E, se tratando de um enorme condomínio de luxo, consegue imaginar todos vivendo sem intrigas e desavenças?

Investindo cada vez mais em produções locais desde 2016, a Netflix lançou a série brasileira Maldivas, que teve sua estreia na plataforma no dia 15 de junho de 2022. A trama foi escrita por Natália Klein e teve como diretor José Alvarenga Júnior, sendo cancelada em outubro de 2022 pela plataforma de streaming. O final precoce, com apenas uma temporada de 7 episódios, se deve principalmente a dois fatores: audiência insuficiente e a produção afetada pela pandemia (o material foi gravado entre 2020 e 2021).

O enredo principal da série gira em torno de Liz Lobato (Bruna Marquezine), que vai até o Rio de Janeiro à procura de sua mãe, Patrícia (Vanessa Gerbelli). E, ao chegar no condomínio de luxo Maldivas, na Barra da Tijuca, acaba descobrindo que ela morreu em um incêndio misterioso dentro do apartamento em que morava. A partir desse pontapé, a história acompanha a jovem que passa a morar no condomínio ao mesmo tempo em que inicia uma investigação para saber o que realmente aconteceu e quem são os possíveis culpados pela morte de sua mãe.

As suspeitas, apresentadas para o público logo no primeiro episódio, são de um trio de amigas, também moradoras do condomínio Maldivas: Milene (Manu Gavassi), Kat (Carol Castro) e Rayssa (Sheron Menezzes). Cada uma delas possui um motivo pessoal para ter cometido o crime.

Figura 2: Quadro de suspeitos do detetive Denilson. Fonte: Reprodução Netflix

Milene Sampaio (Manu Gavassi) é a egocêntrica síndica do Maldivas. Casada com o cirurgião plástico Victor Hugo (Klebber Toledo), ela é uma mulher jovem e bem-sucedida, que se encaixa nos padrões de beleza da sociedade. Supostamente, possui a vida perfeita. Contudo, em âmbito íntimo, a personagem sente-se insegura com a sua aparência, tendo realizado diversos procedimentos estéticos, além disso, ela está infeliz no casamento, e possui uma compulsão por compras — o que a endividou e fez com que passasse a utilizar o dinheiro do condomínio para fins pessoais.

Já a personagem Katiuscia “Kat” Miller (Carol Castro) é uma mãe dedicada e esposa exemplar. Responsável por cuidar da casa e dos filhos, sua vida “pacata” é perturbada quando seu marido Gustavo (Guilherme Winter) é pego em um processo de corrupção e passa a cumprir prisão domiciliar. Com isso, Kat junta-se ao esposo no esquema de corrupção e, para encobrir as falcatruas, abre uma conta no banco usando o nome da falecida Patrícia para aplicar os golpes.

Por fim, Rayssa Flores (Sheron Menezzes) é uma ex-estrela da banda de axé “Veneno Tropical”, muito famosa nos anos 2000. Ela administra um spa de luxo dentro do condomínio junto com seu marido Cauã (Samuel Melo). Os dois vivem um casamento não monogâmico — o que é um segredo do casal.

Figura 3: Kat, Milene e Rayssa respectivamente. Fonte: Reprodução Netflix

Logo no primeiro minuto da série, é possível notar a técnica in media res (‘’no meio das coisas’’), em meio ao cenário caótico de um incêndio, que mais tarde descobrimos tratar-se supostamente da ocasião em que Patrícia morreu. Conhecida também por Léia Lobato, sendo esse seu nome verdadeiro, a personagem continua sendo explorada por meio dos sonhos de Liz e também de flashbacks, que trazem informações que vão sendo reveladas aos poucos enquanto a audiência é convidada a montar o quebra-cabeça do mistério por trás de sua morte.

Tudo começa com o pai de Liz, um homem extremamente violento, inclusive, com sua esposa, Léia. Em determinada ocasião, ele a agride e Liz, que era apenas uma criança, atira no pai para poder salvar sua mãe. Numa tentativa de proteger a filha, Léia assume a culpa do crime.

Assim, a sogra de Léia, Joana (Ângela Vieira), crê que a mulher assassinou seu filho, e a força a deixar a neta sob seus cuidados. Entretanto, com medo da nora retornar, Joana manda sua capanga matá-la. Léia leva alguns tiros, porém, sobrevive e muda de identidade, assumindo, então, o nome de Patrícia Duque, e se instalando no condomínio Maldivas. Retornando ao presente, Joana descobre que Liz irá atrás da mãe no Rio de Janeiro e, por isso, manda sua capanga assassiná-la novamente — tentativa que é malsucedida outra vez.

Quando a capanga de Joana vai ao apartamento de Leia/Patrícia, Verônica (Natália Klein), moradora do condomínio, chega bem na hora e acerta a criminosa com o livro de regras do condomínio, matando-a. É a partir desse ponto que Patrícia, com a ajuda de Verônica, decide que precisa traçar um novo plano para uma nova fuga. Assim, as duas decidem forjar a morte de Patrícia em um incêndio.

Como Maldivas se constitui como drama seriado contemporâneo?

Uma das principais características do drama seriado contemporâneo diz respeito à serialização, ou seja, à construção de arcos seriados dentro da narrativa. Tal estratégia, apontada pela autora Trisha Dunleavy, constitui-se em uma das inovações do subgênero, trazendo maior densidade para a narrativa. Isso porque a combinação de tramas que se resolvem em um mesmo episódio com histórias que se estendem por toda a temporada (seriadas) resultam em um padrão de tramas e subtramas entrelaçadas, que permitem a inserção dos personagens em um arco de desenvolvimento complexo.

Isso é visível em Maldivas, visto que a história é construída e desenvolvida por arcos seriados, ou seja, que exigem que o espectador assista à história em sequência para entender o que está acontecendo na narrativa. Um exemplo é a atuação direta de Verônica, personagem moradora do condomínio, que, ao longo dos episódios, conversa com o público deixando diversas perguntas no ar à medida em que o enredo avança. Além de aumentar a densidade narrativa, tal estratégia contribui também para a fidelização do telespectador.

A série também faz escolhas estilísticas marcantes, com o uso de uma mise en scene atenta a todos os detalhes, desde figurino à iluminação, que comunicam de forma muito evidente as personalidades dos personagens e os humores de cada cena. Um exemplo disso é a comparação de cada morador com um drink alcoólico, propondo que a metáfora somente será compreendida conforme os acontecimentos avançam e as facetas de cada personagem são expostas. Um ponto a se destacar é que, nesse aspecto, a obra acaba falhando por causa de sua previsibilidade, ao construir uma atmosfera caricata batida.

Figura 4 — Fonte: Reprodução Netflix

Será ao longo dos episódios que o público vai descobrir o que as mulheres da trama possuem em comum e qual a sua relação umas com as outras, de modo a interligar todos os acontecimentos dos capítulos anteriores, e ainda interligar a trama principal do mistério do assassinato com subtramas pessoais.

Isso nos leva a outra característica muito presente em Maldivas: o hibridismo de gênero. Ao longo da trama é possível perceber a presença de alguns gêneros que compõem a série como um todo, como comédia dramática, mistério, suspense e investigação policial, mesclados durante toda a temporada. Alguns personagens, como o de Bruna Marquezine, trazem uma carga dramática maior, e outros, o tom de comédia, como Gustavo, marido de Kat, algo que chegou a ser conflitante em alguns momentos. Inclusive, tal hibridismo constitui-se em uma das inovações conceituais apresentadas pelo drama seriado contemporâneo.

A série também mistura diversas histórias e personagens, além do espaço-tempo (presente, passado e futuro) através dos flashbacks e da narração. Essa mistura se dá pela existência de múltiplos protagonistas. Isto é, apesar da personagem Liz ter um foco principal, ela divide espaço com outras personagens, como Milene, Kat, Rayssa, Patrícia, Verônica, etc., que compõem as subtramas da série — sendo que cada uma dessas subtramas interferem no arco principal, contribuindo para o aumento da densidade narrativa.

Figura 5: Elenco de Maldivas. Fonte: Reprodução Netflix

Além disso, há também uma tentativa de acrescentar complexidade moral nos personagens, de modo que eles desenvolvem um arco próprio, mas sem isolarem-se do arco principal da trama. Isso pode ser visto na trama de Kat Miller, por exemplo, que decide participar dos esquemas de corrupção do marido, mas, assim que volta para casa, após pegar o dinheiro no banco em nome de Patrícia Duque, de quem ela falsifica a identidade, tranca-se no banheiro, com sentimento de culpa, para beber vinho rosé e comer foie gras.

Figura 6: Kat se sentindo culpada após aplicar um golpe. Fonte: Reprodução Netflix

De altas expectativas ao cancelamento da série: o que faltou para sustentar uma segunda temporada?

Apesar de um elenco com grandes nomes, uma boa produção e um bom ritmo, a série cai em fórmulas batidas, sustentadas pelo famoso “quem matou?”.

No que tange à direção, o hibridismo de gêneros traz uma tentativa de inovação conceitual e de desenvolvimento estilístico que vão desde o figurino e cenários até a construção de personagens em um conceito “camp”. O termo é mais utilizado no mundo da moda, mas serve para se referir a uma criação artística que contenha ironia, exageros e teatralidade. E essa escolha, em si, falha em certos momentos ao não conseguir conciliar a carga dramática do mistério com o tom sarcástico do humor, entrando em um conflito que afeta o tom da narrativa.

Nem com os nomes de peso envolvidos na produção foi possível manter vivo um projeto cujos capítulos chegaram a custar 30% a mais do que produções como Sintonia e Bom Dia, Verônica. Isso porque, foi justamente esse elenco — o mais caro da história da Netflix no Brasil — que chamou a atenção do público, incluindo o fato de que Marquezine e Gerbelli voltaram a interpretar mãe e filha após 19 anos do sucesso na telenovela Mulheres Apaixonadas (Rede Globo-2003). Ao contrário do que era esperado, tudo isso acabou contribuindo para que a continuação se tornasse insustentável.

Apesar disso, ao apresentar um assassinato nos primeiros minutos, a série desperta a curiosidade do telespectador, visto que ele quer saber quem matou o personagem e os motivos. Além disso, Maldivas também consegue capturar a atenção do público ao longo da trama, seja pela curiosidade no desenvolvimento dos personagens ou na ansiedade de saber o que vai acontecer. De maneira geral, apesar de não sair do óbvio das séries de mistério e investigação, a série cumpre seu papel de entreter e prender quem a assiste.

*Estudantes da disciplina “Estudos em comunicação: Televisão na Era do Streaming”

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Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura em Televisualidades, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG. grupocomcultufmg@gmail.com