Arte brasileira para crianças

Revista Blooks
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5 min readMay 8, 2018

Texto de Isabel Diegues
Originalmente escrito para a Revista Blooks #4

Adoro livros escritos para crianças. Tenho uma coleção deles. São muitos os preferidos: Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles; Severino faz chover, de Ana Maria Machado; Os sapatinhos vermelhos, de Hans Christian Andersen; Viagem ao centro da terra, de Júlio Verne; A mulher que matou os peixes, de Clarice Lispector; A terra dos meninos pelados, de Graciliano Ramos; Um gato chamado Gatinho, de Ferreira Gullar; Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque. Além de muitas versões de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll e de Peter Pan, de J. M. Berri. Gosto de livros que entendem as crianças como pessoas pequenas, que por isso não conhecem tanto do mundo e tem um monte de espaço na cabeça para receber novidades, mas que são tão inteligentes quanto um adulto, e são ávidas por histórias, ideias e jogos de linguagem.

Quando decidimos fazer um livro de Arte brasileira para crianças — a deliciosa ideia partiu da Mini Kerti — , passamos um bom tempo pensando sobre como apresentar esse universo às crianças. Existem diversos livros infantis sobre artistas famosos que contam as histórias desses personagens, mostram suas obras, falam de sua importância e trajetória. Mas nós queríamos que os pequenos pudessem se aproximar da arte por um caminho mais lúdico, menos didático. Nós, as autoras, não somos historiadoras da arte, nem pedagogas, somos apenas amantes das artes e das crianças, e queríamos que elas pudessem, mais do que conhecer cada artista formalmente, ter um pouco da vivência dos artistas. Com isso, acreditávamos que estaríamos alargando o entendimento e a compreensão que poderiam ter das obras e da pesquisa de cada um dos artistas.

Decidimos, então, que faríamos um livro de atividades, de brincadeiras. Que se as crianças pudessem brincar com arte, se pudessem experimentar os materiais, os procedimentos, os conceitos usados pelos artistas na elaboração de seus trabalhos, isso daria a elas um melhor entendimento do que é a arte e o fazer artístico.

Começamos a levantar uma longa lista de obras que fossem divertidas, gostosas de fazer, e os nomes de alguns artistas que nos pareciam ter em suas práticas elementos especialmente sedutores para o universo infantil. Fizemos um recorte temporal — do século XX em diante — , e escolhemos obras e artistas, sempre pensando nas atividades que seriam propostas. Cada artista teria uma dupla de páginas, onde estaria a reprodução da obra escolhida, uma pequena biografia e a atividade sugerida. Usaríamos para as atividades, além do texto, ilustrações, que criariam, de certa forma, uma unidade para o livro, já que os artistas e obras escolhidos seriam, certamente, muito distintos. Sobre as biografias, nos debruçamos sobre elas por um longo tempo. Foram escritas e reescritas muitas vezes, até chegarmos a um acordo entre as quatro autoras — evidente, não sem antes ouvirmos os comentários preciosos da leitura de Ana Maria Machado, que generosamente nos recebeu e nos deu bola. Obrigada, Ana!

“Gosto de livros que entendem as crianças como pessoas pequenas, que por isso não conhecem tanto do mundo e tem um monte de espaço na cabeça para receber novidades, mas que são tão inteligentes quanto um adulto, e são ávidas por histórias, ideias e jogos de linguagem.”

Indicaríamos a data de nascimento e a cidade (e da morte, quando fosse o caso), e apresentaríamos o artista através do tipo de trabalho que realiza e do material usado, mais do que contextualizando-o historicamente ou através de movimentos artísticos. Assim, a empatia da criança com o artista seria mais direta. Por meio de seus “interesses comuns”, e não de uma determinada importância na história da arte. Depois de entender que tipo de trabalho aquele artista faz, de ver a obra de referência e de experimentar brincar com certos aspectos do trabalho, a criança poderia procurar mais informações, se quisesse, na internet, por exemplo.

Experimentamos todas as atividades propostas no livro, juntas ou em separado, com ou sem os nossos filhos, brincando com as obras que havíamos escolhido para entender se davam certo, e para nos divertirmos mesmo. Passamos três anos pensando nomes, obras, brincadeiras, textos e, no final, a maior farra foi ver como cada um se apropria a sua maneira do livro, em que fizemos questão de deixar espaços a serem ocupados do modo que as meninas e os meninos quisessem.

Tem atividade fácil, tem difícil, tem com lápis de cor, com tinta, com caneta; tem brincadeira de estátua, de tirar foto, de ocupar os espaços públicos, a escola, a casa; tem para fazer sozinho, para fazer em grupo; tem até atividade de festa. O importante é podermos nos aproximar do fazer artístico sem medo ou preconceito.

Com o livro Arte brasileira para crianças nas mãos, não se vira artista, mas se pode experimentar estar um pouquinho no lugar de um, e entender um pouco como pensam e no que pensam os artistas, o que fazem e como fazem suas obras. Procurar os caminhos, as imagens e a linguagem para aproximar as crianças desse universo da arte foi um desafio e um privilégio a oito mãos.

Isabel Diegues é diretora editorial da Cobogó. Formada em Letras pela PUC-Rio, atuou como roteirista, produtora e diretora de cinema. Em sua trajetória destacam-se os premiados Vila Isabel (1998) e Marina (2003), dos quais foi roteirista e diretora, e Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz, do qual foi produtora executiva. Como editora, organizou monografias de Adriana Varejão e panoramas sobre as artes brasileiras, além de uma coleção sobre dramaturgia brasileira, dentre tantas outras.

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