Comidas que contam histórias

Revista Blooks
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3 min readMay 10, 2018

Texto de Onaldo Brancante
Originalmente escrito para a Revista Blooks #4

Meu primeiro contato com o fogão se deu quando tinha 15 anos e saí da casa da minha mãe para morar no Rio de Janeiro com a minha irmã mais velha. Eu a observava preparar seu prato favorito: macarrão com molho de tomate verdadeiro. A princípio, não entendia porque ela tinha criado tal nome pro molho que fazia, muito menos qual a lógica em não comprar um molho pronto no mercado. Porém, após acompanhar o processo algumas vezes, vendo a minha irmã dourar levemente as cebolas e alho no azeite, refogando os tomates sem pressa, temperando tudo com manjericão fresco, sal e pimenta do reino, pude perceber a razão pela qual ela simplesmente não usava um molho pronto: havia paixão ali. E também história, saúde e memória.

Conforme fui me aventurando na cozinha, cada vez mais passei a valorizar o que colocava na panela. Os ingredientes deixaram de ser nomes numa embalagem e passaram a ter textura, cor, peso e cheiro próprio. Cozinhar me fez prestar atenção na qualidade do que iria preparar. Hábitos que pareciam inevitáveis, como consumir ingredientes com nomes impronunciáveis, ausentes da prateleira de qualquer cozinha caseira, passaram a se tornar impossíveis de manter. Fui percebendo a importância de somente ingerir o que conhecia. Mais do que isso, que conhecer a comida tem a ver com descobrir sua história. E descobrir histórias envolve fazer perguntas.

Qual a trajetória que um alimento realiza do campo até a mesa? Como os vegetais foram cultivados? Os animais criados e abatidos? Quais as condições de trabalho das pessoas que estão envolvidas na cadeia de produção desses produtos? De que maneira as escolhas alimentares que fazemos geram impactos no meio ambiente e no nosso corpo? Essas e outras tantas perguntas passaram a fazer parte do meu cotidiano, balizando meus hábitos alimentares desde então.

Toda comida conta uma história, algumas são bonitas, outras nem tanto. O importante é buscarmos conhecê-las para podermos consumir de maneira consciente. A desinformação e alienação sobre o que comemos pode nos levar a fazer escolhas alimentares que fazem mal à nossa saúde e também às pessoas, seres vivos e ecossistemas. De que maneira podemos nos reaproximar do que comemos, para reverter esse quadro? Cozinhando. Mesmo que um pouco, mesmo que ocasionalmente, cozinhar pode ser a solução.

Em 2014, criei o Alimentamente, um projeto de educação que utiliza a culinária como ferramenta pedagógica para abordar questões socioambientais relacionadas ao universo da alimentação. Atuamos em parceria com empresas e escolas no Rio de Janeiro, além de desenvolver um trabalho com a Lona Cultural Herbert Vianna, na Maré. Acreditamos que todas as pessoas devem ter acesso à educação e comida de qualidade, por isso trabalhamos com ingredientes acessíveis, provenientes da agricultura familiar.

Para nós culinária não é o fim, mas o processo, o instrumento utilizado para promover o encantamento das pessoas com a comida. Assim como o molho de tomate verdadeiro da minha irmã, no Alimentamente nós resgatamos receitas que carregam em si cultura, que contam histórias bonitas, e que, acima de tudo, fazem bem para quem produz, consome e para o mundo.

Onaldo Brancante é ecólogo, cozinheiro, estudante de dança contemporânea, ativista, educador e canceriano com lua em leão. Acredita no poder pedagógico, cultural e transformador da culinária. Por isso, fundou o Alimentamente, projeto que promove a alimentação consciente, que seja boa para quem consome, para quem produz e para o planeta.

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