10° ODS da ONU ensina sobre a dívida histórica do Brasil com a população negra

Loraine
Revista Brado
Published in
7 min readSep 26, 2021
Retrato de como a desigualdade social e racial estão diretamente interligadas. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Dentre esses ODS’s, muito se destaca considerando o não tão recente histórico do aumento da população da dita classe média baixa, o décimo, que trata justamente da redução das desigualdades sociais, um dos maiores problemas econômicos, com um grande impacto quando o assunto é globalização.

Logo da décima ODS da ONU — http://www.agenda2030.org.br/ods/10/

Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles

  • 10.1 Até 2030, progressivamente alcançar e sustentar o crescimento da renda dos 40% da população mais pobre a uma taxa maior que a média nacional;
  • 10.2 Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra;
  • 10.3 Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito;
  • 10.4 Adotar políticas, especialmente fiscal, salarial e de proteção social, e alcançar progressivamente uma maior igualdade;
  • 10.5 Melhorar a regulamentação e monitoramento dos mercados e instituições financeiras globais e fortalecer a implementação de tais regulamentações;
  • 10.6 Assegurar uma representação e voz mais forte dos países em desenvolvimento em tomadas de decisão nas instituições econômicas e financeiras internacionais globais, a fim de produzir instituições mais eficazes, críveis, responsáveis e legítimas;
  • 10.7 Facilitar a migração e a mobilidade ordenada, segura, regular e responsável das pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas de migração planejadas e bem geridas;
  • 10.a Implementar o princípio do tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, em conformidade com os acordos da OMC;
  • 10.b Incentivar a assistência oficial ao desenvolvimento e fluxos financeiros, incluindo o investimento externo direto, para os Estados onde a necessidade é maior, em particular os países menos desenvolvidos, os países africanos, os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países em desenvolvimento sem litoral, de acordo com seus planos e programas nacionais;
  • 10.c Até 2030, reduzir para menos de 3% os custos de transação de remessas dos migrantes e eliminar os corredores de remessas com custos superiores a 5%.

Desde a abolição da escravatura em 1888, com a assinatura da Lei Aurea, os negros, até então considerados escravos que foram trazidos pelos portugueses, não se viram em posição melhor em relação ao futuro da pouco depois coroada República.

Mesmo com as leis que aboliram a mão de obra escrava, em contrapartida não foi criada nenhuma lei de incentivo ao emprego e menos ainda à educação dos afrodescendentes. Isso fez com que boa parte dos negros mantivesse o trabalho na casa dos senhores, nem que fosse p ra manter o mínimo, já que o próprio governo da época não ofereceu essas condições.

Enquanto a antiga Monarquia continuou a enriquecer com os recursos explorados da comunidade indígena, os negros passaram de uma condição de escravidão para a extrema pobreza, uma vez que os que se recusaram a continuar a mão de obra servil tiveram de se submeter até mesmo à situação de rua, tendo em vista a total falta de possibilidade de qualquer qualidade de vida ou de retorno para seu país de origem. Esse é o marco inicial da desigualdade no Brasil, que, acertadamente chamada, atinge em escala alarmante a população negra.

Cento e trinta anos se passaram desde a abolição da escravidão, e continua a haver no Brasil relações raciais desequilibradas, com negros condenados à exclusão social. Depois da libertação, poucas medidas para inserir a população negra na sociedade foram implementadas. Logo, essa parcela da população ficou condenada a uma realidade socioeconômica que perpetuou a escravidão com uma roupagem diferente: a desigualdade social. A abolição da escravidão, no entanto, foi o desfecho de um processo longo. Antes da promulgação da Lei Áurea, em 1888, outras três normas começaram a dificultar e a encarecer a manutenção do trabalho escravo no país.

Paralelamente à redução do número de escravos, houve crescimento da utilização de mão de obra assalariada, considerada barata e abundante. Isso não impediu que, nos dias de hoje, situações degradantes como as do passado continuem presentes. Nos últimos19 anos, 49.942 trabalhadores em condições análogas à escravidão foram resgatados pelo Ministério do Trabalho. É como se toda a população do Paranoá - distante 19km do Plano Piloto - tivesse sido resgatada nessas condições. No mesmo período, o governo desembolsou R$ 94,5 milhões em indenizações.

Há quatro anos em queda, o número de trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravo chegou a 885 em 2016 — dado mais recente disponibilizado pelo governo. Os anos que mais tiveram resgate foram 2003, 2007 e 2008. Todos com mais de 5 mil trabalhadores libertados. Segundo dados atualizados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2017, foram libertadas 540 pessoas em situação de trabalho escravo no Brasil. As Unidades da Federação que mais registraram casos são Mato Grosso (90), Minas Gerais (86) e Pará (73), segundo o coordenador da Campanha contra o Trabalho Escravo na CPT, Xavier Plassat. O setor em que mais houve o resgate foi na pecuária, seguido de lavouras temporárias (entressafra), lavouras permanentes e extrativismo vegetal.

O retrato da desigualdade social. Foto: Johnny Miller/@Millefoto

Combater a desigualdade exige uma abordagem nova. Primeiro, é preciso repensar as políticas fiscais e a tributação progressiva.

A tributação progressiva é um componente essencial de uma política fiscal eficaz. Nossos estudos mostram que é possível elevar as alíquotas tributárias marginais no topo da distribuição de renda sem sacrificar o crescimento econômico.

O uso de ferramentas digitais na cobrança de impostos também pode ser um dos elementos de uma estratégia global para reforçar a receita interna. Reduzir a corrupção pode tanto melhorar a arrecadação como aumentar a confiança no governo. E, mais importante, tais estratégias podem gerar os recursos necessários para investir na ampliação das oportunidades para as pessoas e comunidades que estão ficando para trás.

A adoção de uma perspectiva de gênero na preparação do orçamento é outra ferramenta fiscal valiosa na luta para reduzir a desigualdade. Embora muitos países reconheçam a necessidade de igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, os governos poderiam usar essa ferramenta para estruturar os gastos e a tributação de modo a dar novo ímpeto à igualdade de gênero, ampliando a participação das mulheres na força de trabalho e, dessa forma, impulsionando o crescimento e a estabilidade.

Ademais, as políticas de gastos sociais são cada vez mais importantes para combater a desigualdade. Quando bem aplicadas, conseguem cumprir um papel fundamental na mitigação da desigualdade de renda e de seus efeitos nocivos sobre a igualdade de oportunidades e a coesão social.

A educação, por exemplo, prepara os jovens para se tornarem adultos produtivos que contribuirão para a sociedade. A saúde salva vidas e também pode melhorar a qualidade de vida. Os programas de previdência social ajudam a preservar a dignidade dos idosos.

A capacidade de aumentar os gastos sociais também é essencial para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Um novo estudo do FMI mostra que a elevação necessária varia bastante entre os países.

Por exemplo: em áreas básicas como saúde, educação e infraestrutura prioritária, estima-se que as economias de mercados emergentes teriam que elevar os gastos a cada ano até chegar a um aumento de cerca de 4 pontos percentuais do PIB em 2030, enquanto a média dos países em desenvolvimento de baixa renda teria de despender o equivalente a um aumento de 15 pontos percentuais do PIB.

Além disso, reformar a estrutura da economia poderia apoiar os esforços para combater a desigualdade, ao reduzir os custos do ajuste, minimizar as disparidades regionais e preparar os trabalhadores para ocupar um número crescente de empregos verdes.

Políticas ativas para o mercado de trabalho — como a assistência na procura de emprego, os programas de capacitação e, em alguns casos, o salário-desemprego — podem melhorar a qualificação dos trabalhadores e encurtar os períodos de desocupação.

Facilitar a mobilidade dos trabalhadores entre empresas, setores e regiões minimiza os custos de ajuste e promove uma recolocação rápida. Políticas de habitação, crédito e infraestrutura podem ser úteis nesse sentido.

Políticas e investimentos direcionados a determinadas áreas geográficas podem complementar as transferências sociais já existentes.

Apesar da quantidade gratificante de práticas existentes possíveis para a realização desse ODS, sabemos que tudo isso só é possível com um incentivo político real. Mas para um país que no quesito social vem praticamente do zero, só de termos com o que personificar esse ideal de igualdade, já temos muito o que comemorar.

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