25 de janeiro

O apogeu do descaso

Anderson Barollo Pires Filho
Revista Brado
4 min readJan 25, 2021

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Fotografia: Douglas Magno/AFP

Era uma sexta-feira, quase 12h30min, horário de almoço. O céu estava limpo, porém um barulho [ensurdecedor] de chuva tomou conta do lugar. A cidade não tinha mar, contudo moradores locais disseram que a terra tremia como se anunciasse um tsunami.

O som do tremor tinha causa, mas naquele momento era de impossível identificação, já que também tinha velocidade: 80 km/h. O tsunami de fato veio, mas não era de água salgada e muito menos de fenômenos naturais: era de lama e causada pelo homem.

Três anos antes, um outro mar de lama também ocorrera no país. Mas, por aqui, bastou um triênio para o caso fazer parte da “pré-história brasileira”. Afinal, o lema da empresa responsável era “Mariana nunca mais”.

De fato, a maior tragédia ambiental do país não se repetiu — não em números de vidas perdidas. A triste matemática de Mariana totalizou 19 mortes. Já naquela sexta-feira, 25 de janeiro de 2019, 270 vidas foram assassinadas e 11 corpos ainda estão desaparecidos.

Crédito: Sintec SP

E agora? É “Brumadinho nunca mais”?

Hoje se completam dois anos após o ecocídio/genocídio de Brumadinho. As consequências do maior acidente de trabalho do país, em perda de vidas humanas, são imensuráveis. Em síntese, se trata de um desastre humanitário e ambiental.

Dois anos se passaram. Impunidade. Declarações. Esquecimento. Os responsáveis seguem em liberdade. As diversas e múltiplas vítimas dessa história seguem em ruínas: famílias, comunidades e município.

A crise multifacetada continua. E nós? Falhamos. Falhamos como setor empresarial. Falhamos como Estado. Falhamos como sociedade. Não houve e não há minimamente uma gestão de crise plausível.

Onde está um porta-voz prestando contas periodicamente sobre os fatos desse crime? Quem são os responsáveis? Quais são as punições? O que está sendo feito para essa desumanidade não acontecer novamente?

Há inúmeras perguntas a serem respondidas.

Por que um ano depois do crime ambiental em Mariana (MG) o então governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), criou a Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), vinculada à Secretaria do Meio Ambiente, que facilitou a concessão de licenças ambientais e outros interesses da Vale e outras mineradoras? Seria porque o ex-governador teve o financiamento de R$ 1,5 milhão de reais da Vale em sua campanha?

Por que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, nesse mesmo período, aprovou leis para “desburocratizar e dar celeridade aos processos de licenciamentos ambientais” no estado? Seria porque 7 em cada 10 parlamentares estaduais em Minas tiveram suas campanhas financiadas pelo setor de mineração?

Por que o mesmo secretário que facilitou as licenças ambientais foi mantido por quase dois anos pelo atual governador Romeu Zema (NOVO)?

Por que mesmo sabendo meses antes do rompimento que a barragem tinha problemas de erosão e drenagem nada foi feito? Por que o alarme e a sirene de segurança para alertar os funcionários e moradores não tocaram? Por que construíram um refeitório no “pé” de uma barragem?

Nesse meio tempo o Brasil se tornou o país que mais preserva o meio ambiente no mundo, segundo o presidente da República. Já a Vale, virou uma “joia brasileira” e, portanto, não pode ser condenada pelo rompimento da barragem — é o que entendeu o então diretor-presidente da Vale, Fábio Schvartsman. [Não contém ironia, já que são declarações reais]. Crédito: Mídia Ninja

Duro passado. Tristes augúrios

Ainda estamos presos em 2015. Ainda estamos presos em 2019. Para ser honesto, estamos foragidos. O país foge para o esquecimento, se abstém diante da impunidade e caduca perante o direito.

Nesse ritmo, com esse histórico e com a forma que lidamos, não é ser profeta do passado e nem augúrio do desastre para saber que crimes como esses ainda ocorrerão. É ser realista.

Ser nativo da terra dos papagaios “é muitas vezes estar entregue a uma situação sem ter a percepção dela”¹. Em Mariana, foram-se dezenas. Em Brumadinho, centenas. Quantas vidas serão perdidas na próxima “tragédia”? Milhares?

O fato é que as chagas de 25 de janeiro não irão perecer e, justamente por isso, não podemos esquecer dessa data: o apogeu do descaso.

Até quando?

Nota de rodapé

¹ Citação de “A terra dos papagaios”, outro artigo publicado por mim na editoria de Política da Brado. O texto fala sobre o comportamento social brasileiro. Leia na íntegra:

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Anderson Barollo Pires Filho
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