25 de janeiro
O apogeu do descaso
Era uma sexta-feira, quase 12h30min, horário de almoço. O céu estava limpo, porém um barulho [ensurdecedor] de chuva tomou conta do lugar. A cidade não tinha mar, contudo moradores locais disseram que a terra tremia como se anunciasse um tsunami.
O som do tremor tinha causa, mas naquele momento era de impossível identificação, já que também tinha velocidade: 80 km/h. O tsunami de fato veio, mas não era de água salgada e muito menos de fenômenos naturais: era de lama e causada pelo homem.
Três anos antes, um outro mar de lama também ocorrera no país. Mas, por aqui, bastou um triênio para o caso fazer parte da “pré-história brasileira”. Afinal, o lema da empresa responsável era “Mariana nunca mais”.
De fato, a maior tragédia ambiental do país não se repetiu — não em números de vidas perdidas. A triste matemática de Mariana totalizou 19 mortes. Já naquela sexta-feira, 25 de janeiro de 2019, 270 vidas foram assassinadas e 11 corpos ainda estão desaparecidos.
E agora? É “Brumadinho nunca mais”?
Hoje se completam dois anos após o ecocídio/genocídio de Brumadinho. As consequências do maior acidente de trabalho do país, em perda de vidas humanas, são imensuráveis. Em síntese, se trata de um desastre humanitário e ambiental.
Dois anos se passaram. Impunidade. Declarações. Esquecimento. Os responsáveis seguem em liberdade. As diversas e múltiplas vítimas dessa história seguem em ruínas: famílias, comunidades e município.
A crise multifacetada continua. E nós? Falhamos. Falhamos como setor empresarial. Falhamos como Estado. Falhamos como sociedade. Não houve e não há minimamente uma gestão de crise plausível.
Onde está um porta-voz prestando contas periodicamente sobre os fatos desse crime? Quem são os responsáveis? Quais são as punições? O que está sendo feito para essa desumanidade não acontecer novamente?
Há inúmeras perguntas a serem respondidas.
Por que um ano depois do crime ambiental em Mariana (MG) o então governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), criou a Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), vinculada à Secretaria do Meio Ambiente, que facilitou a concessão de licenças ambientais e outros interesses da Vale e outras mineradoras? Seria porque o ex-governador teve o financiamento de R$ 1,5 milhão de reais da Vale em sua campanha?
Por que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, nesse mesmo período, aprovou leis para “desburocratizar e dar celeridade aos processos de licenciamentos ambientais” no estado? Seria porque 7 em cada 10 parlamentares estaduais em Minas tiveram suas campanhas financiadas pelo setor de mineração?
Por que o mesmo secretário que facilitou as licenças ambientais foi mantido por quase dois anos pelo atual governador Romeu Zema (NOVO)?
Por que mesmo sabendo meses antes do rompimento que a barragem tinha problemas de erosão e drenagem nada foi feito? Por que o alarme e a sirene de segurança para alertar os funcionários e moradores não tocaram? Por que construíram um refeitório no “pé” de uma barragem?
Duro passado. Tristes augúrios
Ainda estamos presos em 2015. Ainda estamos presos em 2019. Para ser honesto, estamos foragidos. O país foge para o esquecimento, se abstém diante da impunidade e caduca perante o direito.
Nesse ritmo, com esse histórico e com a forma que lidamos, não é ser profeta do passado e nem augúrio do desastre para saber que crimes como esses ainda ocorrerão. É ser realista.
Ser nativo da terra dos papagaios “é muitas vezes estar entregue a uma situação sem ter a percepção dela”¹. Em Mariana, foram-se dezenas. Em Brumadinho, centenas. Quantas vidas serão perdidas na próxima “tragédia”? Milhares?
O fato é que as chagas de 25 de janeiro não irão perecer e, justamente por isso, não podemos esquecer dessa data: o apogeu do descaso.
Até quando?
Nota de rodapé
¹ Citação de “A terra dos papagaios”, outro artigo publicado por mim na editoria de Política da Brado. O texto fala sobre o comportamento social brasileiro. Leia na íntegra: