A ameaça de uma nova pandemia, mas desta vez de gripe

É preciso entender como a gripe está se tornando um dos maiores problemas de saúde de 2021, principalmente quando a pandemia da Covid-19 ainda não acabou

Isabela Siyao Chen
Revista Brado
7 min readDec 24, 2021

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Servidores colocam máscara no Zé Gotinha. Foto: Raul Spinassé/Folhapress

A pandemia de Covid-19 trouxe transformações sociais que vão desde os estudos científicos até as nossas atitudes em sociedade. Apesar da melhora em relação aos índices de infectados e mortos pela doença, o brasileiro está agora tendo que se policiar ainda mais devido à epidemia de gripe. A palavra epidemia indica um aumento no número de casos de uma doença que atinge diversas regiões, estados ou cidades, mas que não atingem níveis globais, como uma pandemia. Aproveitando o tour dos conceitos epidemiológicos, o surto se difere de uma epidemia por ocorrer um aumento localizado do número de casos de uma doença, a exemplo do surto de uma doença em hospital, causada por uma infecção hospitalar, enquanto a endemia é a recorrência de uma doença em uma região, sem que haja um aumento significativo de casos, de forma que a população convive com ela, a exemplo a dengue no Brasil.

A gripe comum é causada pelo vírus influenza, que tem uma capacidade de passar por mutações muito maior do que o Sars-Cov-2, causador da Covid-19, sendo uma constante preocupação para a comunidade científica, pois, apesar do monitoramento, ainda é difícil prever quando acontecerá uma nova pandemia de gripe. A última foi declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de junho de 2009, devido ao impacto causado pela variante do vírus A, a H1N1, sendo conhecida na época como a “gripe suína”, que provocou a morte de 151 mil a 575 mil pessoas ao redor do mundo, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) estadunidense, e que surgiu pelo rearranjo do genoma de dois vírus que infectaram porcos ao mesmo tempo, de forma que a partir deles foi gerada a habilidade de infectar humanos. Há também a “gripe espanhola”, em 1918, que levou a óbito aproximadamente 40 milhões de pessoas, segundo a OMS. Essa possibilidade de uma nova pandemia de gripe se deve às frequentes mutações, que criam variações do vírus que estão em circulação pelo globo. Apesar de ser algo relativamente comum, ela tem característica sazonal, tendo maior índice de infectados em períodos de inverno, através de sua transmissão por gotículas de saliva contaminada por meio do espirro e tosse, além de superfícies com o vírus, ou seja, da mesma forma que o vírus da Covid-19.

Foto: Rodrigo Viana/Senado Federal

Da mesma forma que o coronavírus, a genética do influenza tem papel importante na sua identificação e prevenção, o que acaba definindo as possibilidades do desenvolvimento de uma pandemia, pois ocorre à medida que as mutações genéticas do vírus vão sofrendo alterações, até uma variante com maior virulência, ou seja, capacidade de provocar doença, e transmissibilidade. No caso da gripe, o sistema imunológico humano é afetado por duas proteínas que estão na membrana do vírus Influenza A, conhecidas como hemaglutinina e neuraminidase, que dão ao patógeno a capacidade de infecção, e são por causa deles que cada variedade genética do vírus é composta por suas iniciais (H e N, respectivamente). No total são registradas ao menos 18 subtipos de hemaglutininas (H) e 11 subtipos de neuraminidases (N), e o vírus A da vez é o H3N2, que possui a hemaglutinina subtipo 3 e a neuraminidase subtipo 2.

Foto: Itamar Aguiar/ Palácio Piratini

A atual epidemia surgiu a partir do que até meados de dezembro era um surto de Influenza A no Rio de Janeiro, tendo evoluído para uma endemia. Anualmente são registrados aumento de índices de gripe durante o outono e inverno, mas no ano de 2021 os profissionais da saúde se depararam, em concomitância com a persistente pandemia de Covid-19, a epidemia que se iniciou no Rio durante a primavera, alcançando outros estados que hoje totalizam cerca de 10 estados. Coordenador do grupo de monitoramento dos dados de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e que publica o Boletim InfoGripe pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marcelo Gomes afirma que as causas dessa epidemia são múltiplas e que têm relação com a pandemia de Covid-19. Essa relação se deve aos dados do início de 2020, que indicavam um potencial de incidência do vírus influenza, tendo aumento antecipado nas regiões Norte e Sudeste, antes mesmo de iniciar o outono.

No entanto, com o início da pandemia do novo coronavírus e a adoção de medidas sanitárias, como o isolamento social e o uso de máscara e álcool em gel, o processo foi freado, de forma que os casos de influenza desapareceram, como os outros vírus que são menos transmissíveis que o SARS-CoV-2, que acabam tendo um impacto muito maior nas medidas de prevenção das síndromes respiratórias. Em consequência da não ocorrência dos surtos de gripes sazonais em 2020 e 2021, que apesar de evitar a ocupação de leitos por pacientes com síndrome respiratória aguda grave durante o período de maior necessidade de atendimento para a Covid-19, a população não teve exposição natural ao vírus da gripe, e por isso não desenvolveu uma defesa imunológica, tornando-nos mais suscetíveis, principalmente enquanto as medidas de prevenção contra a Covid-19 estão sendo flexibilizadas ao longo do segundo semestre de 2021, fazendo com que a população suscetível fosse exposta aos demais vírus respiratórios, que resultou em vírus sincicial respiratório (SVR) em crianças e a epidemia de influenza, em conjunto com a baixa vacinação contra a gripe este ano.

Essa epidemia é causada pela cepa nova do vírus Influenza A subtipo H3N2, denominada cepa Darwin, que foi descoberta na Austrália, ganhando força no último inverno do Hemisfério Norte, e pode ter sido trazida para o Rio de Janeiro devido ao fluxo de viajantes internacionais. No entanto, o monitoramento da atual situação da epidemia de gripe foi prejudicado pelo ataque hacker ao sistema administrado pelo Ministério da Saúde, no último dia 10 de dezembro.

A vacinação contra a gripe possui um mecanismo que inclui o grupo de cepas que é atualizado até duas vezes por ano, baseado no monitoramento que é realizado globalmente acerca das variantes que estão em predominância no momento. Contudo, como a mutação do vírus é rápida, essa atualização tem que ser finalizada em tempo de disponibilizar uma vacina que seja eficaz para proteger a população nas próximas estações de aumento de índices gripais. Dessa forma, a OMS junta as informações sobre essas cepas que estão em predominância e envia as recomendações para os laboratórios sobre quais vacinas devem ser enviadas para cada hemisfério, como no caso do Brasil, que o Instituto Butantan foi instruído e enviou 80 milhões de doses ao Ministério da Saúde em 2021, formulados a partir de informações da OMS em setembro de 2020, quando a variante Darwin ainda não era predominante, e a de Hong Kong era a principal preocupação, de forma que também não houve tempo hábil de detecção da cepa Darwin para a produção de vacinas para o Hemisfério Norte. Porém, as próximas vacinas que serão enviadas para o Hemisfério Sul no próximo ano já vão conter uma proteção específica contra essa nova cepa. CONCLUSÃO: vacine-se, pois mesmo que não seja eficaz para essa cepa, ainda é extremamente necessária a proteção contra as demais cepas que jamais devem ser esquecidas e desprezadas.

Imagem microscópica do vírus influenza, causador da gripe comum. Foto: CDC/Unsplash

A rápida propagação do vírus que se iniciou no rio já está sendo motivo de atenção nos estados de São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Rondônia e Amazonas, segundo a revista IstoÉ, em matéria atualizada no último dia 20, levando a óbito nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Paraná e Rio Grande do Sul, até o momento da publicação desse artigo. Embora a gripe seja menos letal que a Covid-19, ela pode apresentar sintomas mais severos, apresentando febre alta, dores musculares, coriza, náusea e cansaço nos primeiro dias.

Atualmente a cobertura vacinal permite que sejam tomadas as vacinas de Covid-19 e Influenza no mesmo dia. Fique atento à disponibilidade de cada município, mas não deixe de se vacinar. Além disso, é preciso diferenciar as duas doenças que, apesar de muito parecidas, possuem algumas diferenças. De acordo com o infectologista Felipe Prohaska, a gripe tem os sintomas mais intensos a partir das primeiras 48 horas, enquanto a Covid-19 fica mais intensa a partir do quinto ou sexto dia. Em caso de suspeita, o ideal é realizar o RT-PCR para Influenza A e B, para diferenciar da Covid-19, tendo que ficar atento ao tempo de sintomas, pois como a Covid-19, a Influenza requer até sete dias de isolamento.

Apesar dos anos difíceis que temos enfrentado diante a pandemia da Covid-19, em frente a uma nova ameaça à nossa saúde e bem-estar é preciso que todos coloquem a mão na consciência e deem prioridade à vida. Por mais difícil que seja pensar em manter o distanciamento social por mais tempo, ir atrás de mais uma vacina, manter a máscara em locais com mais pessoas, uso de álcool em gel, lavar bastante as mãos e principalmente evitar aglomerações desnecessárias, é importantíssimo que se faça alguns sacrifícios para manter seguras as pessoas que são mais vulneráveis e nos cuidar. Estamos no fim de mais um ano, e de um ano que também não foi fácil, mas que precisa que em nós ainda resida e resista a empatia, a compaixão, a tolerância e o amor pela humanidade e pelas pessoas ao nosso redor.

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Isabela Siyao Chen
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(爱)| Amarela | Paulista | Acadêmica de Medicina | Ambientalista | Voluntária | Colunista da Revista Brado | Um Mistério em Várias Línguas |