A corrida das vacinas diante da desinformação

Diante de um cenário corrompido pelo negacionismo e fake news, a ciência é a única solução para uma sociedade que morre aos milhares.

Carolina Miôtto Castro
Revista Brado
6 min readMay 4, 2021

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*Texto produzido em parceria com a também colunista da editoria de Saúde da Revista Brado Isabela Siyao Chen.

Vacina contra a Covid-19. Foto: Isabela Chen

Depois de mais de um ano de pandemia, e contabilizando mais de 400 mil mortes, o Brasil caminha a passos lentos em seu programa de vacinação contra a Covid-19. Como se não bastasse a inépcia do Estado em negociar e disponibilizar doses suficientes para uma campanha rápida e eficaz, o Brasil se vê diante de uma onda de negacionismo e anticientificismo que atrapalha ainda mais o retorno à vida pré-coronavírus.

Paralelamente à grande ansiedade da população pelo imunizante, nos deparamos com uma considerável parcela da sociedade que questiona não só a eficácia das vacinas, como todo o seu processo e aplicação, chegando a duvidar dos profissionais da saúde que estão na linha de frente, dos pesquisadores renomados e daqueles que estão diariamente na campanha, além de superestimar a ação imunológica, ao reivindicar o retorno à segunda dose e a redução dos cuidados básicos como o uso de máscara, álcool e lavagem de mãos.

Isso ocorre principalmente devido ao excesso de informações falsas presentes nas redes sociais que manipulam o pensamento social e não apenas atrasam a vacinação contra a Covid-19, como também dificultam ainda mais a atenuação da doença.

Protesto contra a vacinação com o imunizante chinês. Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS

Um dos principais “medos” é em relação à vacina CoronaVac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantã. Ela é constantemente desacreditada pelo simples fato da China ter sido o local primário de identificação do vírus, ou mesmo pelo preconceito, e até por ideias mirabolantes, como a de que a vacina apresenta um microchip, que seria capaz de controlar os que fossem vacinados. Entretanto, o que muitos não sabem é que a saúde brasileira depende da China há bastante tempo, como reconhecido pela pneumologista Margareth Dalcolmo, em entrevista ao jornal El País:

“Todos os remédios que fazemos no Brasil para doenças endêmicas têm matéria-prima chinesa. […] As pessoas têm que entender, para acabar com esse preconceito até ingênuo sobre a vacina chinesa, que a China é o maior produtor de insumos em biotecnologia no mundo. É tudo chinês”.

Outra polêmica envolve a vacina de uso emergencial Pfizer-BioNTech, principalmente após comentários dúbios sobre possíveis efeitos colaterais levantados pelo presidente Jair Bolsonaro, cujo governo recusou em agosto de 2020 um lote de 70 milhões de doses que poderiam ter dado início à imunização no país já em dezembro. Segundo o presidente, o motivo da recusa foi uma cláusula do contrato que dizia que a Pfizer não se responsabilizaria por efeitos colaterais. Contudo, a mesma cláusula faz parte do contrato de todas as vacinas, inclusive as que já possuem acordo firmado com o governo federal.

De fato, 4 profissionais da saúde que receberam a vacina tiveram uma reação anafilática (reação alérgica), dos quais 3 apresentavam histórico de alergia grave. Diante dessa situação, a Autoridade Reguladora de Medicamentos Britânica (MHRA) pediu restrição da vacinação especificamente para indivíduos que apresentam histórico de alergia grave, de modo que a vacina continua sendo aplicada para os demais grupos. Cabe lembrar também que para que uma vacina seja distribuída de forma emergencial, é necessário demonstrar níveis de segurança e eficácia rigorosos às agências reguladoras. Após estudos de fase 3, foi comprovada a eficácia desse imunizante contra a Covid-19 com percentual de 95%, no esquema de duas doses com intervalo de 21 dias, além de também ter sido demonstrado que ela foi bem tolerada e nenhuma preocupação séria de segurança foi observada. Ela também já conta com registro definitivo da Anvisa para vacinação no Brasil.

Vacina Pfizer-BioNTech. Foto: Alejandra De Lucca V. / Minsal

Além disso, vários países, incluindo Reino Unido, Alemanha e Austrália, restringiram o uso da vacina Oxford-AstraZeneca, produzida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório britânico AstraZeneca, devido a efeitos adversos relacionados a coagulação: trombocitopenia (diminuição do número de plaquetas) e trombose (formação de coágulos). Essas medidas alarmistas trouxeram grande aflição no cenário global, aumentado o medo das pessoas de imunizar-se com essa vacina. Entretanto, segundo a Agência Europeia do Medicamento (EMA), até 4 de março haviam sido registrados cerca de um caso de trombose a cada 175 mil vacinados, sendo em sua maioria mulheres jovens, o que pode ser considerado uma incidência muito baixa se comparado às taxas de mortalidade e complicações da doença.

Ademais, é importante relembrar que alguns medicamentos de uso corriqueiro, como anticoncepcionais, e também o consumo de cigarro apresentam comprovação científica de que são capazes de causarem trombose, e em proporções até superiores do que a vacina poderia causar. Por exemplo, em um ano o anticoncepcional pode causar trombose em cerca de 7 a 10 mulheres a cada 10 mil usuárias.

Uma vez que não existem fontes científicas que estabeleçam a relação entre vacinas e trombose, são necessários estudos mais criteriosos para compreender de que forma a AstraZenca poderia gerar esse fenômeno e confirmar de fato se ela é a verdadeira causadora antes de condená-la.

Recentemente, também entrou em pauta a não autorização da Anvisa para a importação da vacina russa Sputnik V. Esta medida de caráter excepcional foi baseada no fato de que não há dados suficientes que garantam a segurança, eficácia e qualidade desse imunizante. Além disso, segundo a Gerência Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos (GGMED), foram detectadas falhas em todas as etapas no desenvolvimento da vacina, somado ao fato de que, durante a produção da vacina, as células nas quais os adenovírus são produzidos permitem a replicação deles. Isso implicaria na criação de uma “arma biológica”, visto que esses vírus replicados poderiam infectar seres humanos, causando doenças e podendo gerar óbitos. Porém, acredita-se que possa haver uma motivação política por trás dessa decisão, uma vez que a vacina está sendo aplicada em outros 64 países.

Chegada da vacina Sputnik V na Argentina. Foto: Casa Rosada

É fato que as vacinas, como qualquer medicamento, apresentam efeitos adversos, e elas não são capazes de evitar que se entre em contato com o vírus, bem como não garantem que a pessoa não terá de forma alguma a doença. Entretanto, elas tornaram-se primordiais para diminuir os riscos de desenvolver a doença e atenuar as possíveis manifestações graves, além, é claro, de evitar mortes.

Como comentado em outro texto da colunista Isabela Chen, a vacina, além da proteção individual, garante a proteção comunitária. Logo, não tomar a vacina põe em risco não só a sua vida, mas de todos ao seu redor, principalmente os grupos que não podem ser vacinados, seja devido a alergia a algum componente, seja pela presença de doenças imunossupressores ou outras condições. Segundo o Ministério da Saúde, é necessário que cerca de 70% da população brasileira se vacine para que de fato tenhamos uma cobertura efetiva, e até lá devemos continuar adotando medidas de isolamento e utilizando máscaras e álcool em gel para nossa proteção e dos que estão à nossa volta.

Portanto, cabe a nós identificar e ler referências seguras e confiáveis antes de disseminar informações precipitadas e falsas, que só colaboram para uma histeria coletiva da população e prejudicam a atenuação da Covid-19. Como bem afirmado em uma matéria do Jornal El País:

“A vacina não é uma solução mágica para a pandemia, mas é uma arma crucial que o mundo começa a dispor para contê-la — e que não pode ser inutilizada por mentiras.”

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Carolina Miôtto Castro
Revista Brado

Estudante de Medicina pela Universidade Vila Velha | Colunista da Revista Brado