A duração do seu banho não é o maior vilão frente a uma crise hídrica

Com o consumo doméstico de água representando bem menos de 10% de seu uso total, será que banhos curtos são de fato tão importantes para economizar?

Victória Pagani Samora Sousa
Revista Brado
4 min readJul 14, 2021

--

Foto: Unfccc

No último dia 28, o ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque admitiu que o Brasil enfrenta uma grave crise hídrica, que também pode levar o país a uma crise energética. Isso porque a falta de água nos reservatórios reduz o fornecimento de energia das hidrelétricas, fazendo com que as termoelétricas tenham que ser acionadas. Em uma das mais intensas crises desse tipo, em 2001, o país passou por recorrentes apagões.

Albuquerque, em seu discurso, aproveitou para pedir à população que contribua com o governo, fazendo um uso mais consciente da energia e sobretudo da água, para evitar uma piora da escassez. Esse discurso faz parte de uma ideia constantemente vendida à sociedade de forma distorcida, que coloca o indivíduo no cerne das soluções sustentáveis. Mas será que somente as ações individuais são suficientes para evitar o colapso, seja ele energético — pensando a curto prazo — ou ambiental — no longo?

Infelizmente a resposta é negativa. Mas então por que esse discurso é tão presente nos anúncios, propagandas e campanhas governamentais — em geral representadas por atitudes extremamente genéricas e simplistas? Para forçar uma falsa sensação de “dever cumprido”, que não beneficia apenas as grandes instituições, as quais se livram da sua parcela de responsabilidade, mas fazem com que o cidadão também ache que já fez sua parte ao fechar a torneira enquanto escova os dentes e parou por aí.

Unfccc — A jovem ativista Greta Thunberg discursa na reunião de alto nível sobre o clima na Conferência sobre Mudança Climática da ONU, COP 25, em Madri

Em seu discurso para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 25), a ativista sueca Greta Thunberg afirmou: “ainda acredito que o maior perigo não é a inação. O verdadeiro perigo é quando políticos e diretores de empresas fazem parecer que uma ação real está acontecendo quando, na verdade, quase nada está sendo feito além de contabilidade inteligente e propagandas criativas”.

É dessa forma que nós estamos sendo enganados ao acreditarmos que somente as ações individuais são suficientes para sair da encruzilhada que vivemos hoje com o meio ambiente. Na verdade, também precisamos de ações que venham de cima para baixo.

Um banho de ducha por 15 minutos, com o registro meio aberto, consome 135 litros de água, já para se produzir um quilo de soja para alimentar o gado, são gastos 500 litros de água, enquanto para um quilo de carne bovina são necessários 15 mil litros.

Fonte: Ministério do desenvolvimento, indústria e comércio exterior — pegada hídrica

A economia é extremamente importante para a manutenção do modelo de sociedade que vivemos, porém os meios de produção e os níveis de consumo dos recursos se tornaram insustentáveis. Não podemos nos iludir vislumbrando um crescimento econômico eterno a todo custo: isso não é apenas insustentável, mas irreal. Já passou da hora das indústrias, da pecuária, da agricultura e dos meios de transporte se reinventarem e priorizarem não somente o lucro, mas a manutenção da vida como a conhecemos. Afinal, a cidadania deve vir de todos, pois antes de serem donos de empresas, grandes agropecuaristas e governantes, essas pessoas devem lembrar-se que são cidadãos, que, como todos, possuem direitos e deveres.

“Desde o Acordo de Paris, os bancos globais investiram US$ 1,9 trilhão em combustíveis fósseis. 100 empresas são responsáveis ​​por 71% das emissões globais. Os países do G20 representam quase 80% do total de emissões. Os 10% mais ricos da população do mundo produzem metade de nossas emissões de CO2, enquanto os 50% mais pobres representam apenas um décimo […] Os países estão encontrando maneiras inteligentes para não tomar medidas reais […] Porque a maioria dessas promessas não inclui aviação, transporte marítimo, importação e exportação de bens e consumo”. (Greta Thumberg).

Por que as ações inovadoras já não são inseridas na conjuntura de produção e, como consequência, em um consumo mais limpo? De fato, se a mudança começasse no macro seria muito mais eficiente a curto prazo.

Então qual o nosso papel nisso? Quem realmente quer mudar? A mudança nunca é fácil, sobretudo quando ela te tira da zona de conforto. Mas a questão é: precisamos que ela aconteça. É necessário começar não apenas dentro de casa com nossas atitudes individuais, mas também exercendo a democracia ao escolher conscientemente os representantes, ao pressionar a indústria, o governo, as companhias de meios de transporte; ao conscientizar nossos amigos, vizinhos, familiares, colegas de trabalho e por aí vai. A mudança precisa vir de todos os lugares, e ninguém pode ignorar a sua parcela de responsabilidade nesse processo.

Gostou deste texto? Deixe seus aplausos (vão de 1 a 50) e compartilhe.

Siga a Brado nas redes sociais: Instagram; Facebook; Twitter; e LinkedIn.

--

--