A paciência do conceito

Sem ela, ninguém entende nada

Anderson Barollo Pires Filho
Revista Brado
3 min readFeb 22, 2021

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O bate-boca entre os políticos. Charge: Freddy Varela/GHZ

Segundo o filósofo alemão Friedrich Hegel (1770–1831), todo conceito tem um tempo. Entenda tempo como o tempo da história real como um todo e conceito como a maneira que as questões se desenvolvem de fato ao longo do tempo.

Para Hegel, portanto, o conceito se transforma à medida em que ele vai sendo realizado no decorrer da realidade. Logo, é necessário equilíbrio e paciência para compreende-lo. Guarde esse “conceito”.

Seguindo dois séculos adiante, o então candidato a presidente dos Estados Unidos Joe Biden disse: “A democracia às vezes é confusa, então às vezes requer um pouco de paciência”.

A fala do democrata foi proferida logo após o segundo dia em que o país vivia a ansiedade para saber quem seria o vencedor da eleição presidencial que mais mobilizou eleitores na história do país.

Mas tenha e/ou mantenha a calma. Este não é um texto sobre a última eleição norte-americana e tampouco sobre a história de um filósofo metafísico alemão do final do século XVIII e início de XIX. Este é um breve texto sobre parcimônia.

O bate-boca entre os políticos, agora via fotojornalismo. Fotografia: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil.

Os exageros e os alaridos

Um dos principais problemas do debate público contemporâneo é o seu teor grosseiro, temerário, frívolo, barulhento, extremado e carente de repertório. O enaltecimento do inexperiente adoece os conceitos do debate.

Da esquerda à direita, das redes sociais ao Palácio da Alvorada, o país carece de equilíbrio. Em tempos de excessos e também de exceção, o que fazer para impedir que esse recorte histórico se torne o padrão convencionalmente aceito?

Pelo andar (e histórico) da carruagem, não espere que o governo federal faça alguma intervenção para mudar o gênero do debate público vigente. Aliás, são exatamente os moldes atuais que mantêm, ironicamente, o presidente da República em sua zona de conforto.

Truculência como via de regra, a vida política de Jair Bolsonaro sempre foi sustentada pelos seus embates e barulhos. Ao longo de 28 anos como deputado federal e dois anos como presidente, o ex-capitão coleciona polêmicas como estratégia política e comunicacional. Fotografia: Mateus Tagé/ Diário do Litoral.

Então você pode pensar: bem, já que para o governo o sistema da truculência é vantajoso, a oposição deve estar trabalhando contra essa lógica, correto? O raciocínio sim. Já a prática, não.

Na pressa de duelar ou contrapor com o seu oponente, políticos, eleitores e até mesmo boa parte da mídia se perdem no próprio despropósito desse sistema. Não é vantajoso, muito menos inteligente, morder a isca do seu adversário.

Será que os pontos do “leite condensado”, da “vacina chinesa”, do “país de maricas”, da “pólvora”, do “kit-gay” entre tantas outras, são tão cegos assim?

Para além das abomináveis posturas e “quebra-queixos” do presidente, o fato é que, por trás dos muros de fumaças, há realidades muito mais duras e complexas para serem tratadas pelo governo, oposição, mídia e sociedade.

A parcimônia

No mundo onde tudo é para ontem, a paciência é uma grande virtude. Se a tese é intemperante, a antítese precisa ser sóbria.

O modus operandi do debate público já está posto. Os erros e os enredos, idem. É tempo de compreende-los para mudá-los. Um personagem que só consegue viver de exageros, uma hora se exaure. Conheça-o primeiro, supero-o em seguida.

Entender. Ensinar. Praticar. Ainda há tempo. Mas o primeiro passo é compreender o que vem sendo realizado até aqui. Estejamos alertas e experientes. Sem a paciência do conceito, ninguém entende nada.

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Anderson Barollo Pires Filho
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Frames de um pensamento crítico, independente e eternamente desconfortável |Colunista da Revista Brado. Bem-vindo!