A República “pastel com caldo de cana”
Jabuticaba, paçoca, tomada de três pinos e Jair Bolsonaro: coisas que você só encontra no Brasil.
Termo pejorativo e popularmente conhecido por tipificar países latinos — em especial os da América Central –, a “República das Bananas”, em resumo, caracteriza países com instituições governamentais fracas, corruptas, elitistas e oligárquicas.
Por sermos um país de abrangência continental e — por hora — a 8ª economia do mundo, seria quase que uma desonestidade intelectual introduzir tal epíteto para a nossa pátria “Salve! Salve!”.
Mas como “bons brasileiros”, temos nossas singularidades. Por hábito, adjetivamos e rotulamos quase tudo que vemos pela frente. Sendo assim, noto que merecemos um estereótipo à brasileira, original: “pastel com caldo de cana”.
De fato, carregamos uma série de heranças malditas no campo social, cultural e político desde 1500. Mas, talvez, esse atavismo nunca foi tão potencializado, simbolizado e banalizado como nos dias atuais.
Esse momento de entreato é excêntrico, incomum, sensível e, ao mesmo tempo, repetitivo, mais do mesmo e previsível. Mas, devo insistir: tem coisas que você só encontra no Brasil.
A novilíngua do Jair
No célebre romance distópico “1984”, de George Orwell, o governo autoritário cria um idioma fictício com o intuito de restringir a capacidade de raciocínio da população. Reinventar, inverter e até mesmo remover sentidos e valores das palavras é basicamente o que caracteriza a novilíngua ou o duplipensar da obra de Orwell.
Já na terra tupiniquim, em 2020, prevalece aquela máxima de João 8:32: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Mesmo que, para isso, seja necessário alterar raciocínios lógicos e até mesmo omitir dados oficiais sobre o número de mortes causados pela pandemia.
Um vírus vira ideologia, uma fake news torna-se liberdade de expressão, pedir fechamento de uma instituição converte-se em ato democrático e uma manifestação contra o governo é tipificada como terrorismo.
E tem mais: o antes “toma lá, dá cá” agora é governabilidade, o artigo constitucional feito para salvaguardar a independência dos poderes converte-se em garantia golpista e a interferência na Polícia Federal se transfigura em segurança individual.
Nessa temerária guerra de narrativas do “nós” e “eles”, do diálogo único e direto para com seu extremo (sem mediações), o território bélico não só floresce como prevalece.
A síndrome de perseguição — onde tudo e todos são seus inimigos — , a demonização de adversários e o loteamento de cargos públicos para o chamado “centrão” não são nenhuma novidade, mas um vício populista.
No fim, eles se retroalimentam. Mas antes, há um meio: uma maioria que vem sendo esmagada pelos extremos, que continua “assistindo a tudo bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significa”, como bem relatou o jornalista Aristides Lobo, após o golpe militar de 15 de novembro de 1889, também conhecido como “Proclamação da República”.
Nesse meio-tempo, o “parquinho pega fogo” e seguimos com nosso tradicional pastel com caldo de cana. Porém, é oportuno lembrar que ainda estamos no centro do entreato.
Há meios para mudarmos o cenário da peça.