A responsabilidade civil frente a atitudes discriminatórias

Olhar para a pluralidade brasileira e reconhecê-la é um grande passo para diminuir desigualdades sociais e garantir a igualdade

Larissa Barrozo
Revista Brado
6 min readJul 16, 2021

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Foto: Larissa Barrozo/@insaciavelleitura

Com o processo de transformação da jurisdição brasileira, o legislador adotou um olhar mais sensível à sociedade de uma forma prática que reconhece a parte mais vulnerável em uma tutela jurisdicional e atua para dar a esse vulnerável melhores condições para resguardar seus direitos. Ou seja, ao fazer as leis, o poder legislativo observa e analisa a sociedade de forma coletiva, mas também analisa as particularidades de cada uma das minorias sociais, com o intuito de promover maior respaldo a elas. Nessa esteira, é necessário analisar a responsabilidade civil frente às ações discriminatórias que permeiam a sociedade.

Um dos princípios basilares do Direito é a isonomia social, cuja aplicação prática denota de uma extrema análise da realidade social de modo a tratar a todos de forma equalizada, ou seja, “tratar de forma desigual os desiguais e igual os iguais”.

Foto da Constituição Federal de 1988. Foto: Larissa Barrozo/@insaciavelleitura

Dessa forma, o direito e a responsabilidade civil, no ângulo de atitudes discriminatórias com ponto inicial de raciocínio nos princípios absolutamente fundamentais, vem como um instrumento necessariamente contra o majoritário, como um mecanismo de defesa dos mais fracos.

Logo, essas atitudes vêm para dar mais concretude ao princípio da isonomia social, segundo o qual se trata de forma desigual para promover a dignidade. É imprescindível entender que discriminar, nesse contexto, é sinônimo de perceber as diferenças de cada um e aplicá-las na solução de tutelas jurisdicionais, dando ao vulnerável a garantia de suas prerrogativas processuais.

Existem inúmeras possibilidades de atitudes discriminatórias no direito, que garantem o devido processo legal e principalmente a dignidade, todavia, opto por dar ênfase em duas: a discriminação de gênero e de raça. Essas atitudes discriminatórias, nesse contexto, não dizem respeito ao racismo, homofobia, machismo, dentre tantas outras, pois elas dizem respeito a ações que o judiciário toma justamente para diminuí-las, visto que precisou-se discriminar para equilibrar uma relação jurídica.

Devido ao patriarcado presente na maior parte das sociedades, as mulheres sempre foram subordinadas aos homens, e a história é clara quanto à forma de tratamento entre ambos. Enquanto um lado dessa relação nunca lutou por seus direitos, o outro lado lutou até pelas coisas mais simples, como trabalhar, votar, ser livre, entre outros direitos básicos, fundamentais e que deveriam ser intrínsecos a todos.

Foto: Larissa Barrozo/@insaciavelleitura

Movimentos feministas felizmente conquistaram com o tempo seu espaço na sociedade. No âmbito legislativo, a Lei n° 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi um grande avanço na luta das mulheres, pois trata de forma diferenciada a mulher em situação de violência doméstica e familiar, garantindo a exigência do artigo 226, §8º da Constituição Federal, que assegura assistência a todos da família.

A Lei Maria da Penha é um exemplo claro do reconhecimento do legislador frente à tutela vulnerável da mulher, ora vítima, visto que já é consolidado o poder do homem sobre a mulher, seja ele físico, financeiro, psicológico, dentre vários outros. Sendo assim, a mulher entra na esfera jurídica já em desvantagem.

A onda de violência doméstica contra mulheres é uma crescente, conforme o Centro de Referência e Apoio à Vítima (CRAVI) houve um aumento de 70% nos atendimentos a vítimas de violência doméstica no início da pandemia do Covid-19.

É perceptível que a pandemia está sendo um importante pilar para ocorrer esse alargamento no número de casos no Brasil, todavia, a Lei n° 11.340/06 se mostra um importante instrumento de combate aos diversos episódios de violência, proporcionando às vítimas, maior segurança em seus lares. O direito é frustrado quando não se reconhece tratamentos diferenciados, pois nesse caso se nega o próprio direito.

Foto: Larissa Barrozo/@insaciavelleitura

Além disso, a história brasileira não deixa margem para dúvidas sobre a necessidade de tratar de forma desigual os negros, também olhando aqui a desigualdade como o reconhecimento de sua vulnerabilidade.

Apesar de os avanços para se efetivar as garantias estabelecidas pela Constituição Federal em seus artigos 5°, inciso XLI, 3°, inciso IV e 7°, inciso XXX, o racismo estrutural ainda é uma realidade do Brasil e a falta de reconhecimento do mesmo deixa suas vítimas ainda mais vulneráveis. Em seu livro Pequeno Manual Antirracista, a filósofa Djamila Ribeiro afirma que:

Por causa do racismo estrutural, a população negra tem menos condições de acesso a uma educação de qualidade. Geralmente, quem passa em vestibulares concorridos para os principais cursos nas melhores universidades públicas são pessoas que estudaram em escolas particulares de elite, falam outros idiomas e fizeram intercâmbio. E é justamente o racismo estrutural que facilita o acesso desse grupo. Esse debate não é sobre capacidade, mas sobre oportunidades — e essa é a distinção que os defensores da meritocracia parecem não fazer. Um garoto que precisa vender pastel para ajudar na renda da família e outro que passa as tardes em aulas de idiomas e de natação não partem do mesmo ponto. Não são muitos os que podem se dar o luxo de cursar uma graduação sem trabalhar ou ganhando apenas uma bolsa de estagiário.

Com essa perspectiva, é primordial o implemento das cotas raciais, porque apesar de não resolver toda a desigualdade racial do país, promove um olhar mais sensível à difícil realidade da população negra no acesso à educação. O direito como instrumento de minorias deve sempre atentar-se na diversidade existente na população, sendo assim, as cotas vieram para diminuir um pouco a distância e dificuldade dos negros no acesso a uma educação de qualidade. Existem alguns exemplos de superação nesse sentido, contudo não se pode olhar uma exceção e achá-la passível e adequada para todas as inúmeras realidades existentes, justamente por se olhar para o indivíduo como parte do corpo social.

Livro Mulheres na Luta. Foto: Larissa Barrozo/@insaciavelleitura

Aqueles que se opõem às cotas raciais tentaram impedi-las de prosperar com a justificativa de que os concursos públicos ou vestibulares serviam justamente para escolher os melhores para o cargo ou curso pretendido. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014, que reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para negros. Essa legitimação é um grandioso passo do legislador ao oferecer e equilibrar tutelas e garantir o princípio da isonomia social.

Livro Mulheres na Luta. Foto: Larissa Barrozo/@insaciavelleitura

É preciso discriminar para dar o status de cidadão às pessoas, pois os excluídos de direitos não têm dignidade, logo o direito vem para garanti-la, embasado principalmente no artigo 3°, inciso I, da Constituição Federal. Dessa forma, propõe-se enxergar diferenças e trabalhar em cima delas para eliminar as várias vulnerabilidades existentes no tecido social.

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