A vulnerabilidade dos direitos das mulheres

Ou por que a volta do Talibã traz tanta apreensão às mulheres de todo o mundo

Larissa Barrozo
Revista Brado
4 min readAug 31, 2021

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Bloco das Mulheres na Luta Contra a Violência do Estado no Dia da Mulher. Foto: (CC BY-SA) Barnabe

Não é novidade que os direitos das mulheres no Brasil foram conquistados a partir base de muita luta. Contudo, a vulnerabilidade deles é preocupante e merece nossa atenção.

Com a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão, o grupo Talibã reassumiu o poder da capital, Cabul, após 20 anos fora do poder. O avanço da milícia foi acompanhado com grande apreensão, pois o grupo se baseia em uma interpretação radical e distorcida do Alcorão, o livro sagrado islâmico, e aterrorizou o mundo entre 1996 e 2001, quando governou o Afeganistão. Na época, as mais prejudicadas foram as mulheres.

O ex-secretário de Defesa dos EUA Chuck Hagel visita o Afeganistão após libertação de militar estadunidense (01.06.2014). Foto: Sgt. Evelyn Chavez/U.S. Air Force

Notícias recentes já demonstram ações radicais do grupo que, conforme a jornalista e defensora dos direitos da mulher Humira Saqib, começou “a ir de casa em casa à procura das mulheres ativistas”. Essa denúncia mostra a situação lamentável à qual as mulheres estão submetidas no país, precisando se esconder, tendo seu direito de ir e vir cerceado de uma forma assustadoramente rápida.

Mulher com niqab. Foto: Elin Tabitha via Unsplash

O Talibã, desde o último dia 15, quando o então presidente Ashraf Ghani fugiu do Afeganistão, deixou de ser uma ameaça distante aos direitos das mulheres e demais minorias e passou a ser um fato concreto, com ações concretas. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) alerta que aproximadamente 80% das pessoas que tiveram que abandonar suas casas devido ao avanço do Talibã são mulheres e crianças. Apesar de todas essas evidências, o grupo afirma que garantirá os direitos das mulheres no país.

Homem cobre de tinta fotos de mulheres pintadas em muro de Cabul. Foto: Lotfullah Najafizada/Twitter

Mas, afinal, o que isso tem a ver com o Brasil? Para responder essa pergunta devemos nos atentar ao histórico do país em relação aos direitos das mulheres e minorias sociais. Atualmente, os absolutamente capazes são os maiores de 18 anos, todavia, em 1916 o Código Civil definia que a mulher casada era considerada relativamente incapaz, ou seja, ela só podia praticar certos atos com a autorização do seu marido.

“Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer:

II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.”

Apenas em 1962, com a promulgação do Estatuto da Mulher Casada, elas obtiveram mais autonomia para, sem autorização do marido, trabalhar, receber herança e, em caso de separação, pedir a guarda dos filhos.

Espanha: protesto de mulheres contra o Talibã. Foto: Manuel Roldán/Fotomovimiento

A mulher, no Brasil, foi considerada absolutamente capaz e detentora de direitos e obrigações plenas apenas em 1988 com a Constituição Federal. Ou seja, a igualdade de gênero perante a lei é uma conquista particularmente recente, tendo em vista que desde a sua independência o país teve sete constituições.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I — homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

A ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres Eleonora Menicucci entrega o Prêmio Rose Marie Muraro: Mulheres Feministas Históricas. A premiação é dada a mulheres com mais de 75 anos que atuaram ou atuam na vida pública nacional. Foto: José Cruz/Agência Brasil

A sentença popularmente atribuída à renomada escritora e ativista social Simone de Beauvoir — falecida em 1986 — resume de forma bem clara a vulnerabilidade dos direitos das mulheres que perdura até hoje, e que ilustra a atual situação tanto afegã quanto brasileira:

“Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”.

Simone de Beauvoir. Foto: Albert Harlingue

Por isso, infelizmente, devemos estar sempre atentas às mudanças políticas e sociais em todo o mundo, independente da localidade, para promover ajuda àquelas pessoas que dela necessitam, para que seus direitos mínimos não sofram com o retrocesso e que lutemos para não perder os nossos. Não queremos dar vida a distopias como a descrita por Margaret Atwood em “O Conto da Aia”, na qual os direitos das mulheres são definitivamente suprimidos por um Estado totalitário e religioso. Podemos correr esses perigos se não nos atentarmos às mudanças de um Estado democrático para o totalitarismo, como está ocorrendo no Afeganistão.

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