Acesso à saúde ainda é um privilégio no Brasil

Presente não só nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, como também em nossa Constituição, o direito de todos à saúde ainda não foi efetivado

Larissa Barrozo
Revista Brado
5 min readSep 21, 2021

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Passeata por uma nova Constituição Federal (1970). Foto: Erik Barros Pinto/Projeto Radis/ENSP/Fiocruz

Até o ano de 2030, os países membros da ONU devem buscar cumprir os 17 objetivos da Agenda 2030. Esse apelo global mira os mais variados âmbitos e demonstra uma clara preocupação com o desenvolvimento sustentável por parte da comunidade internacional. Como país membro, o Brasil também tem o compromisso de buscar atingir as metas dessa agenda.

Imagem: Reprodução/ONU

Dada a atual situação de calamidade pública que o mundo inteiro está passando com a pandemia da Covid-19, a saúde torna-se cada vez mais uma preocupação de governos e sociedades, que buscam assegurar uma vida saudável e pleno acesso aos serviços de saúde. Por isso, este texto dará ênfase ao Objetivo nº 3: “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades”.

No Brasil, conforme a Lei n° 8.080/90 e a Constituição de 1988, em seu artigo 196, a saúde é um direito fundamental, o que significa que detêm a garantia constitucional de inviolabilidade:

Art. 196. da Constituição Federal: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 2º. da Lei N° 8.080/90: A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Dessa forma, garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades, já é um compromisso do Estado brasileiro desde 1988 e, portanto, já deveria ter sido cumprido. Contudo, em 2021 ainda há muita desigualdade, pois alguns realmente têm garantido seu acesso à saúde, enquanto uma grande quantidade de brasileiros pertencentes às classes menos favorecidas não. Segundo a organização global de saúde Vital Strategies, 1.857 bebês menores de 1 ano já morreram de Covid-19 no Brasil desde 2020 taxa maior que a média global.

Senadores fazem um minuto de silêncio para homenagear os 502.817 mortos por Covid-19, em 22 de junho de 2021. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Estudo recentemente publicado pela revista científica The Lancet aponta que a maior parte das mortes por Covid-19 tem relação direta com as desigualdades existentes no país.

“A morte por Covid-19 foi associada à idade, etnia indígena, região geopolítica pobre e condições médicas pré-existentes. Disparidades na assistência à saúde, pobreza e comorbidades podem contribuir para aumentar a carga do Covid-19 em crianças e adolescentes mais vulneráveis e em desvantagem socioeconômica no Brasil

O portal de revistas brasileiras SciELO Brasil fez uma análise sobre o acesso e a utilização de serviços de saúde, onde revelou a disparidade do alcance à saúde das regiões do país, cuja conclusão é de que “as pessoas que vivem nas regiões Sul e Sudeste ainda têm maior acesso aos serviços de saúde, assim como aquelas cujo chefe de família possui maior escolaridade”. Esse dado é alarmante no sentido de ser essencial a maior atuação de políticas públicas que considerem as diferenças regionais e educacionais do país, para que possam fomentar o acesso à saúde de maneira a se valer da equidade, levando em consideração todas as peculiaridades e particularidades do contexto social que cada um está inserido.

Pernambuco recebe mais 215.300 doses de vacinas Coronavac em 20 de agosto de 2021 — Foto: Miva Filho/SES-PE

Cada objetivo da Agenda 2030 possui um conjunto de metas. Dentro do objetivo 3, há a meta 3.b:

“Apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas e medicamentos para as doenças transmissíveis e não transmissíveis, que afetam principalmente os países em desenvolvimento, proporcionar o acesso a medicamentos e vacinas essenciais a preços acessíveis, de acordo com a Declaração de Doha, que afirma o direito dos países em desenvolvimento de utilizarem plenamente as disposições do acordo TRIPS sobre flexibilidades para proteger a saúde pública e, em particular, proporcionar o acesso a medicamentos para todos”.

O apoio a ciência é um assunto amplamente discutido atualmente, principalmente após o surgimento do vírus Sars-CoV-2, causador da atual pandemia. O mundo se voltou à ciência para buscar respostas e saídas, mas segundo a Agência Senado o Brasil passou por cortes de verbas nessa área que prejudicam a reação à pandemia e o desenvolvimento do país.

Estudantes se mobilizam no Brasil inteiro contra os cortes do MEC, em 2019. Foto: Ricardo Teixeira

Em entrevista à revista Nature, o físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências do Rio de Janeiro disse que “a ciência está em toda parte na imprensa. Cientistas estão sendo convidados por emissoras de televisão para falar sobre ciência. As pessoas dizem que a ciência é muito importante no momento — mas, por outro lado, algumas delas ainda pensam que a Terra é plana, que os humanos não têm nenhum efeito no clima e que a seleção natural está errada. Mas acho que a mídia brasileira está prestando mais atenção aos cientistas”. Essa fala deixa claro que não basta apenas falar sobre o assunto, mas também promover de forma eficaz o acesso à mesma.

Manifestação em defesa do SUS, (2018). Foto: Divulgação/CFM

Está claro que a desigualdade foi um dos grandes fatores responsáveis pelos quase 600 mil mortos pela Covid-19. Dessa forma, o Objetivo 3, proposto pela ONU, é extremamente necessário, afinal busca garantir aos vulneráveis o direito mais básico de todos: o direito à vida. Direito esse que muitos tiveram cerceado porque no Brasil nem todos tem o privilégio de ter acesso a um serviço de saúde de qualidade, apesar de assim mandar a nossa Constituição. Intensificar o trabalho para alcançar os objetivos da ONU para o desenvolvimento sustentável no Brasil deve ser uma prioridade de todos os cidadãos e, sobretudo, do governo

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