Afro-Carol: a influenciação digital da mulher preta e as novas tecnologias racistas

Em nossa entrevista, a influenciadora Carol Inácio contou sua experiência com o racismo e ofereceu dicas para pessoas que sofrerem ataques semelhantes aos seus

Thays Moreira
Revista Brado
7 min readAug 30, 2021

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Foto: Reprodução/Instagram/@afrocarol

No último dia 8, domingo, durante as comemorações de seu aniversário, a influenciadora capixaba Carol Inácio , 26 anos — a @afrocarol —, foi inserida em grupo de WhatsApp onde sofreu ataques racistas, machistas e neonazistas.

Somos homens, brancos, héteros normais. Devido a isso te oprimimos, né? Portanto, assuma seu lugar de inferioridade total”. É dessa forma que se descreve o grupo “Realities — Red Pill Opressor”, no qual Carol foi inserida, segundo matéria publicada na Revista Fórum.

Já faz algum tempo que a influenciadora produz conteúdos antirracistas, de empoderamento da mulher preta e de apoio à vida humana. Ao considerar que o racismo é o principal motivador da militância de Carol, se posicionar em relação ao caso é, eminentemente, crucial para a luta e encorajamento de outras mulheres vítimas de alguma injúria racial e/ou violência sexista.

Conversei com Carol sobre o assunto. A entrevista visa verbalizar, principalmente às colatinenses, que mulheres pretas não estão sós e devem se manifestar pública e juridicamente. Nos propomos a realizá-la de maneira descontraída e informal por meio da plataforma WhatsApp e de transcrição de áudios cedidos pela entrevistada. Confira:

Qual a sua experiência com o racismo na infância?

Carol: Olha, desde a infância eu sofro racismo, né?! Porque a primeira experiência ruim, óbvio, com o racismo é na escola, e desde que eu tenho 6 anos de idade eu venho sofrendo racismo na escola por conta de cabelo — eu era a única pretinha da sala, mas nunca fui desarrumada, nunca fui desleixada. Minha mãe nunca deixou que isso acontecesse e ainda assim o racismo era bem vivo — eu não entendia muito bem o que era aquilo; eu só sentia uma grande rejeição porque na época eles falavam bullying, falavam outras coisas, mas não falavam que era de fato o racismo. As professoras ignoravam, a escola tentava deixar pra lá. Até porque ninguém queria ficar lidando com pais brancos e ricos. Apesar de eu sempre ter estudado em escola pública, daqui do meu bairro mesmo, são muitos os filhos de pais ricos que estudavam nessa escola, principalmente na minha sala. Então, assim, eu vivenciava isso diariamente, só que eu aprendi a tirar de letra depois da 4ª série, depois dos 10 anos. Eu aprendi a compreender como eram essas coisas de racismo para mim.

Daí eu meio que usei todas as coisas ruins que me falavam ao meu favor, para que eu formasse e afirmasse também uma boa autoestima, sabe? Eu me lembro de ter autoestima desde muito nova, uma boa relação comigo mesma de cor da pele, de corpo… e eu acredito que foi essa experiência péssima com o racismo na infância. Foi bem ruim, mas acredito que eu tirei de letra.

Foto: Reprodução/Instagram/@afrocarol

Qual a história e atuação de sua família no combate ao racismo no município de Colatina?

Carol: A minha família, minha mãe e a minha tia, são sindicalistas. Na verdade, a minha tia é sindicalista, servidora pública municipal aqui da cidade de Colatina. A partir da segunda chapa ela começou a atuar e depois nunca mais parou. Atualmente ela é presidente do sindicato. Sempre foi incansável a luta — a mamãe também faz parte do sindicato há 20 anos, não é filiada, só é funcionária. Tem o sindicato, mas tem também a atuação no movimento de mulheres negras de Colatina, desde 2005, e congressos, cursos e tudo mais que elas fizeram parte. Acredito que a contribuição delas e a atuação é incansável, é insistente para que os servidores sejam defendidos. Elas sempre levantaram essa bandeira, sempre defenderam, e acho que veio daí também um pouco do meu jeito de querer fazer justiça — acho que da melhor forma —, eu acredito que vem disso.

De modo geral, como seu engajamento social tem influenciado a luta antirracista?

Carol: As coisas foram acontecendo naturalmente em relação ao Instagram. Eu não me programei de abrir o Instagram e dizer ‘ah, hoje vou ser influencer’, eu simplesmente abri porque as pessoas gostavam das minhas fotos, as pessoas começaram a se inspirar nas fotos, principalmente quando elas iam para a praia. A partir daí eu comecei a falar das coisas que eu defendo. A internet, por mais que eu fale para pessoas pretas, tem muitas pessoas brancas e isso motivou muita gente. Eu tenho exemplos de pessoas que antes eram super racistas, até apoiavam o atual presidente, mas de acordo com o que eu ia falando, explicando — com uma educação muito grande, até porque eu não tenho motivos para ficar nervosa na internet –, essas pessoas têm falado mais, pedido indicação de livros, tentado compreender melhor como lidar, entender o local de fala delas e não arregar da luta antirracista. Eu acredito que, com a minha didática de Instagram, tenho influenciado a luta antirracista principalmente aqui na nossa cidade. Tem muitos jovens aqui que falam que se não fosse eu, talvez eles não teriam tanto conhecimento ou vontade de aprender. Não tem ninguém que fale sobre isso aqui para jovens, a nossa juventude só não é maior na nossa luta porque carece dessa atenção.

Quando tem uma pessoa para colocar a cara a tapa assim, as pessoas se jogam. Eu vejo muito a compreensão das pessoas com o que é falado, com o conteúdo compartilhado.

Como ocorreu e como você reagiu quando leu as ofensas de conteúdos racistas, machistas, gordofóbicos e bifóbicos?

Carol: Foi muito difícil! Aconteceu pela primeira vez no dia 22 de julho, eu fiquei muito assustada — que loucura — , não esperei eles falarem nada. Mandaram foto minha, mandaram foto da minha mãe, falaram que a gente era imunda e tudo. Eu saí do grupo, tirei print de tudo e realizei o B.U (Boletim Unificado) online. Fiquei com receio de sair de casa, mas depois fiquei mais de boa.

No dia do meu aniversário (08 de agosto), Dia dos Pais, aconteceu novamente e o grupo reforçava o nazismo, racismo, bifobia, gordofobia, xenofobia — porque disseram que odiavam gays e nordestinos — e que iriam me dar pauladas. Tudo isso por conta, também, de um vídeo da minha tia, no reels, tomando vacina e gritando “Fora Bolsonaro e viva o SUS”.

Saí do meu aniversário para tomar um banho, coloquei o celular para carregar e, 15 minutos depois, fui pegar o meu celular e já havia muitas mensagens. O nome do grupo era Realities — Red Pill, quando fui olhar a descrição, me lembrei que algumas pessoas eram as mesmas que estavam no outro grupo.

Eu desabei a chorar em desespero… liguei para amigos, liguei para advogado e perguntei o que eu deveria fazer além do B.O, porque eu não iria mais ser inserida em grupos e ficar calada. Não consegui dormir, pois tinha medo de invadirem minha casa e me matarem, devido às ameaças fortes que fizeram contra minha família. No dia seguinte, fiz o B.O e, à noite, publiquei um comunicado no meu perfil falando o que aconteceu e adicionei os prints para que as pessoas pudessem me ajudar a compartilhar para que tomasse uma proporção e a Justiça fizesse algo.

Eu não tinha noção da proporção que isso tomaria. Achei que eu movimentaria o pessoal da minha cidade mesmo a fim de que o delegado e a polícia começassem uma investigação. Eu sabia que não existia delegacia de crimes virtuais aqui em Colatina, mas quando fui ver tinha muitos compartilhamentos e, uma hora depois, tinha jornal me ligando. O primeiro foi o jornal O Globo, depois a Revista Fórum, jornais locais…

Para ser sincera, eu não estou bem não. Eu estou firme porque eu sei que tenho que ir até o fim e eu vou até o fim na resolução desse caso. Mas, psicologicamente, eu ainda tenho um receio, não ando sozinha mais e nem faço minhas coisas sozinha. Por exemplo, quando estou em uma loja fazendo provador, espero chegar em casa para postar porque tenho medo de alguém ir até a loja me atacar.

Em casos como esses, o que a pessoa deve fazer? Como está sendo o processo legal?

Carol: Primeiro de tudo é manter a calma, coisa que eu não tive, mas recomendo. Printar tudo que for possível, tudo, tudo, tudo mesmo! E fazer o B.U e, se possível, fazer presencial. Eu não tive coragem de fazer presencial porque fiquei com medo de fazerem alguma coisa comigo.

Acione um advogado. Se você não tiver, vá ao Ministério Público. Depois disso, você será convocado pelo delegado. Acione a mídia, mesmo! Exponha o caso, fale o que você está passando e peça ajuda. Tem muita gente solidária na internet.

O primeiro e segundo passo são esses. O processo legal é o seguinte: depois que eu prestei depoimento na delegacia, o delegado decretou a quebra de sigilo de todos os contatos do grupo para poder investigar a fundo quem são essas pessoas.

O processo está correndo em sigilo e eu não posso dar maiores detalhes.

Eu e meu advogado acionamos os Direitos Humanos através do Fabiano Contarato [senador (REDE-ES)], que me procurou prestando solidariedade e ajuda, e estamos resolvendo essa parte mais burocrática.

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Thays Moreira
Revista Brado

Mulher negra, historiadora, especializada em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Raça, Gênero, Direitos Reprodutivos e Sexualidade. Bem Vindes!