Afundando na irresponsabilidade

Às vezes é melhor esquecer ou fingir que não aconteceu do que propor e ser a mudança necessária

Rodolfo Nascimento
Revista Brado
5 min readJun 25, 2020

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Navio Stellar Banner em ação da Marinha Brasileira em 12 de junho de 2020. Foto: Reprodução

Você se lembra do Stellar Banner? O navio com carga de minério de ferro que encalhou na costa maranhense no início do ano teve um desfecho: agora ele está no fundo do mar, mergulhando em esquecimento.

A capacidade de compreender nossa realidade pode ser descrita como uma das propriedades de diferenciação entre os humanos de outros animais. Através da consciência, temos condições de perceber situações e criar mecanismos de adaptação para sobrevivência. O uso da linguagem, a subjetividade e a capacidade de desenvolver relações destacam o ser humano como um ser “multideterminado”.

Louvável a capacidade de utilizar esse domínio e desenvolvimento. Entretanto, a ambição e busca de seus próprios objetivos, sem considerar o impacto de suas ações para com o ambiente que habitamos é animalesco. Onde está a compreensão da realidade para lidar com as consequências de nosso crescimento como sociedade?

É notável como o ser humano utiliza os recursos naturais para sua evolução, porém a situação está, há muito, fora de controle, há muito tempo. Os impactos ambientais em nome do crescimento criaram uma situação irreversível. As mudanças climáticas são resultados visíveis de que passamos da conta — e parece que muitos já não se importam.

Processo de retirada do óleo em navio de carga encalhado. Foto: Capitania dos Portos/MA

Em fevereiro de 2020, um navio com toneladas de minério de ferro encalhou próximo ao litoral do Maranhão. A embarcação chamada Stellar Banner foi abastecida com o material e seguia em direção à China. A princípio, foram registrados vazamentos de óleo pelo oceano e diversos riscos à vida marinha da região.

O navio, de propriedade da empresa sul-coreana Polaris, sofreu avarias em seu casco após erro na rota de deslocamento. O impacto econômico era visível, e estratégias de recuperação foram lançadas para recuperar o material em carga e a embarcação.

Desde fevereiro, equipes trabalhavam para a recuperação do material. Parte disso foi transportado para área licenciada para receber os sedimentos. Cerca de 145 mil toneladas de minério de ferro e 2.609 metros cúbicos de óleo foram retirados, segundo o Ibama.

A embarcação foi afastada da costa e rebocada na tentativa de recuperação. Sem sucesso, o barco foi afundado no dia 12 de junho, a cerca de 130 quilômetros da costa maranhense. O afundamento foi solicitado pela empresa proprietária do navio e realizado pela Marinha, com fiscalização do Ibama.

Assim seguimos. Agora que a estrutura de 340 metros está escondida no fundo do mar, podemos fingir que nada aconteceu e continuar levando navios de minério mundo afora.

Tentativa de resgate de tripulante do navio de carga Stellar Daisy, em 2017. Apenas dois dos vinte e quatro tripulantes foram encontrados. Foto: Marinha do Uruguai/Divulgação.

Vale ressaltar que não é a primeira vez que ocorre problemas com embarcações de minério. Em 2017, o navio de carga Stellar Daisy transportava 260 mil toneladas do material e afundou em alta velocidade em seu percurso, saindo do porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro, rumo à China.

Resgate após o desastre ambiental de Brumadinho/MG. Foto: Corpo de Bombeiros/Divulgação

Além desse, outros acidentes ambientais são recorrentes. As barragens no estado de Minas Gerais, as queimadas, o derramamento de óleo no litoral do nordeste. São diversos os exemplos de como o desenvolvimento humano acarreta prejuízo ambiental e degradação do nosso ecossistema. Até existe divulgação, a sociedade ainda repudia os acontecimentos e lamenta as perdas, mas nada faz para mudar essa realidade. Repensar os atos de consumo, cobrar e representar uma frente política mais sustentável têm se tornado pautas de minorias, pouco representativas e subsidiárias. Primeiro o lucro para depois pensar nas consequências.

Em publicação, o IBAMA, que acompanhou todo o processo, informa que o afundamento da embarcação segue a legislação vigente, e minimiza os impactos do ato:

“Tendo em vista as correntes marítimas da região, não é esperado que qualquer volume de óleo chegue à costa brasileira, conforme modelagem de dispersão de óleo elaborada pela ITOPF, associação internacional especializada em derramamentos de óleo, com sede em Londres, na Inglaterra.

Além do volume de óleo vazado, que se dispersa rapidamente em ambiente, estima-se que os impactos ambientais estão limitados ao local imediato em que a embarcação assentou. Outros materiais potencialmente poluentes, como tintas e baterias, foram removidos antes do afundamento. O minério de ferro não traz impactos ambientais decorrentes da presença dele no fundo do mar.”

O óleo não chegará à costa brasileira e os impactos ambientais serão limitados a uma região específica. Essas são desculpas para se eximir da responsabilidade do ocorrido. O material poluente é prejudicial à vida marinha local, a estrutura de grandes dimensões continuará no mar e a interferência humana no ecossistema permanece.

Stellar Banner encalhado na costa nordestina. Foto: Marinha do Brasil/Divulgação

Todavia, isso parece não importar, desde que não traga mais prejuízos econômicos. Deixar a embarcação afundar é a forma mais fácil de esquecer. Em nota, a empresa Polaris Shipping, proprietária do navio, assumiu a responsabilidade por futuros danos ambientais.

Um inquérito policial foi aberto para investigar “possíveis” crimes ambientais, até então sem nenhum desfecho.

O debate que propõe alternativas sustentáveis aos meios de produção é realidade, mas sua amplitude deve ser maior. Conciliar o progresso industrial e tecnológico com práticas de desenvolvimento sustentável se faz necessária na pauta mundial. As empresas precisam ser responsabilizadas para evitar acontecimentos como os acima citados. A fiscalização, o controle de segurança e medidas de proteção devem ser prioridade, para que o impacto seja o menos danoso. Cabe a toda sociedade utilizar sua consciência para avaliar o mundo à sua volta e como seus hábitos e consumo impactam o meio ambiente.

A experiência mediante tais situações são influências ao nosso comportamento. Podemos compreender que é preciso agir e enfrentar o problema. Devemos observar o mundo ao nosso redor, a importância de preservar e conservar o meio no qual habitamos.

“Eu sou eu e a minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim” é uma concepção do filósofo espanhol José Ortega y Gasset. A expressão nos remete à ideia de que não conseguimos nos salvar sem a responsabilização da realidade ao nosso redor.

Permitir que desastres ambientais continuem ocorrendo, e depois apenas tentar apagar suas consequências e seguir no mesmo caminho, é insustentável e não cabe em um projeto de futuro.

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Rodolfo Nascimento
Revista Brado

Capixaba. Estudante de Direito. Diretor de Pesquisa da Associação Atitude Ubuntu. Editor e Colunista da Revista Brado.